segunda-feira, 30 de julho de 2012

Como o Senhor é grande!


Fragmento da entrevista dada pelo P.e Humberto ao P.e Ismael de Matos, em 1968, quando em Braga decorria o Processo Diocesano da Alexandrina. Foi publicada no livro O que dizem de Alexandrina.

Repetidas vezes o Senhor dissera à Alexandrina:
- Depois da tua morte, farei com que o teu nome e a tua vida, cheia de amor e de heroísmo, cheguem até aos últimos confins da terra.
Ora só com o afastamento de Portugal dos dois directores isto se pôde realizar lite­ralmente. O Rev. Padre Mariano Pinho, sem ter que enfrentar os obstáculos que se lhe teriam deparado na sua pátria, conseguiu publicar dois livros acerca da Ale­xandrina, um dos quais foi logo traduzido para francês e alemão.
Eu, através do “Boletim Salesiano”, redigido em língua italiana, com uma tiragem de mais de 300.000 exemplares que são enviados para todos os recantos da terra — pude divulgar a notícia da morte da Alexan­drina logo que a recebi e também umas breves palavras acerca da sua vida edificante. No ano seguinte, publi­quei, em italiano, uma biografia que, posteriormente, foi traduzida para português. E os boletins salesianos das várias nações espalharam pelo mundo a fama da Serva de Deus.
Uma religiosa da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora, que vive para lá da Cortina de Ferro — onde a imprensa católica é proibida, teve a paciência de traduzir e dactilografar a biografia para a fazer cir­cular em algumas das regiões submetidas ao domínio comunista.
Há meses chegou-me às mãos, vinda da Tailândia, uma versão da biografia na língua daquele país, ela­borada por um salesiano (P.e Rebesco). E sei que no Japão se procede a um trabalho idêntico.
Como o Senhor é grande! Não há forças humanas capazes de travar os Seus divinos desígnios.

domingo, 29 de julho de 2012

Quem estudou a Beata Alexandrina?

Quem primeiro estudou a Beata Alexandrina foi o P.e Mariano Pinho. Estudou-a para a poder dirigir, para saber que não trilhava caminho errado, para perceber o sentido de certos pedidos que Jesus fazia à Alexandrina e finalmente para sobre ela escrever Uma Vítima da Eucaristia e No Calvário de Balasar. São dois livros que resultam de uma demoradíssima reflexão e de grande sofrimento, nascido de incompreensões que levaram até ao seu exílio.
Que ele desde o princípio teve a percepção de que estava perante um caso singularíssimo deduz-se de ter guardado as cartas que a Alexandrina lhe dirigia e que se conservam. Também ela guardou as que dele recebeu, que foram oferecidas à causa, mas que se extraviaram. Se um dia aparecerem, serão uma grande ajuda para a “causa” do próprio P.e Mariano Pinho.
Estudou também a Alexandrina e entendeu-a esse sábio que foi o Mons. Vilar, como se constata pelas cartas que lhe enviou.
O P.e Humberto é outro grande estudioso dela. O sofrimento nascido da dedicação que lhe votou também lhe bateu rapidamente à porta, por exemplo, quando a defendeu das conclusões infundadas da comissão examinadora, quando foi obrigado a regressar a Itália, etc.
Mas há um momento importante, entre outros, em que este salesiano aprofundou aspectos do seu estudo: foi quando o chamaram para preparar o Processo Informativo Salesiano. Mergulhou então pela primeira vez na totalidade dos escritos da sua antiga dirigida e pôde conhecer as muitas testemunhas do processo e os seus testemunhos. Eis a Alexandrina reflecte isso.
O livro mais valioso do P.e Humberto sobre a Beata Alexandrina é Cristo Gesù in Alexandrina.
Como o P.e Pinho, também o P.e Humberto teve de aprofundar os conhecimentos sobre mística.
O Dr. Azevedo é às vezes esquecido como estudioso da Alexandrina, mas ele publicou muito sobre ela no Boletim de Graças e já antes tinha publicado em jornais, bem como enviado correspondência para muitos destinatários.
Também o P.e Leopoldino publicou vários artigos sobre ela na imprensa poveira.
Entre os Salesianos, houve mais três sacerdotes que dedicaram muitas atenções à Beata, o italiano e sábio P.e Calovi, que participou no Processo Informativo Diocesano e cumpriu a penosa tarefa de bater à máquina por quatro vezes os milhares de páginas dos escritos, o também italiano P.e Luigi Fiora e o P.e Gabriel Bosco (pseudónimo de Ismael de Matos).
Estudaram a Alexandrina, a pedido do P.e Humberto, os professores de Física e Matemática Chiaffredo Signorile e a sua esposa Eugénia. Aprenderam primeiro português, traduziram para italiano os Sentimentos da Alma e depois escreveram sobre ela. Figlia del Dolore Madre di Amore é um monumento à sua dedicação. Após a morte do Sr. Chiaffredo, a D. Eugénia continuou a escrever até hoje (apesar de se aproximar dos 100 anos), publicando, entre muitas outras, obras como Solo per Amore! e o volumoso La Gloria dell’Uomo dei dolori nel sorriso di Alexandrina.
Quem vem depois destes esforçados autores tem de começar por eles. Há muita coisa na biografia da Beata Alexandrina que obrigatoriamente esclarece o sentido dos seus escritos e o conhecimento disso só se alcança estudando.
Mas mais, há aspectos que nem estão acessíveis ao estudioso comum. Estamos a pensar numas “Notas” que o P.e Humberto possuía e de que não há cópia em Balasar (não havia pelo menos até há pouco tempo). Mas está também por escrever uma síntese sobre as doenças da Alexandrina, que permitiria perceber melhor o alcance, o percurso do sofrimento desta alma-vítima. Pela nossa parte temos vido a estudar a história de Balasar e em concreto a do tempo da Beata. A nada disto se chega pelo conhecimento geral da teologia, mas por uma morosa investigação.
Sabemos todos que houve muitas outras pessoas que estudaram a Beata de Balasar, mas as mais delas trouxeram pouco de novo, como é normal. O seu objectivo era mais a divulgação.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O antigo Sítio Oficial da Beata Alexandrina

O antigo Sítio Oficial da Beata Alexandrina, hoje Sítio dos Amigos da Beata Alexandrina, contém um vastíssimo repositório de informação: biografias da Beata, grande parte da obra dela (segundo o texto oficial, isto é, aquele que foi enviado a Roma para apreciação), estudos variados sobre ela, informação histórica, notícias, etc., etc. Além disso tem a particularidade de usar uma variedade de línguas muito significativa.
Este sítio ascendeu a oficial sob a supervisão do então Pároco de Balasar P.e José Granja, que nele colaborou. Aliás, merece uma olhadela a lista dos colaboradores, onde se conta o Sr. Arcebispo Primaz.
Foi no tempo em que ele era oficial que várias instituições, nomeadamente brasileiras, tomaram a Beata Alexandrina como patrona.
Um salesiano chegou a aventar que todos os outros sítios sobre a Beata Alexandrina deveriam ser apagados, para ficar só ele, o oficial, dada a sua grande abertura. Obra notável!
Ao seu lado, houve - e há - um outro, que poderíamos chamar gémeo, o do P.e Mariano Pinho. Também aí foi colocada informação diversificada.
Sobre a Beata Alexandrina, deve-se conhecer também o lugar que lhe cabe no site salesiano.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Um documento histórico de Balasar

Em 1542, Balasar fez tombo paroquial. Como o pároco era também abade de Gondifelos e (Santa Marinha de) Vicente, o tombo é de Balasar, Gresufes, Gondifelos e Vicente[1].
Na altura de se constituírem as paróquias, os nobres do tempo hão-de ter tido o cuidado de dotarem os párocos de rendimentos que lhes permitissem viver sem dificuldades de maior: as pessoas comuns seriam tão pobres que pouco poderiam contribuir para o seu sustento.
Tombo de Santa Obaya (Eulália) de Balasar e Gundifelos e Sam Salvador de Grisufe, enexa (anexa)


O Casal da Igreja de Balasar, que teria com certeza essa origem, era constituído por muitas propriedades, mas era só ele a pagar rendas ao pároco, os outros pagavam apenas o dízimo. Mas não era assim em Gresufes: aí, além do Casal da Igreja propriamente dito, de Gresufes, mais três casais que pagavam tais rendas, o de Vila Pouca, o de Além e ainda um terceiro de fora da freguesia, o Casal de Crujes, em Santa Marinha de Vicente. Era muita renda!
Pelo que percebemos, a antiga Igreja de S. Salvador de Gresufes deveria ficar perto donde muito mais tarde ficaria a casa onde nasceu a Alexandrina.
Em 1542, a Igreja de Balasar parece que já estava no Matinho. Aparentemente, o conjunto principal das propriedades da paróquia nunca estivera nem no Lousadelo nem no Casal, onde se havia construído as igrejas anteriores, mas ali no Matinho. Isso teria facilitado a localização da nova igreja, que precisava de ficar próxima de Gresufes.
Um aspecto interessante do Tombo de Balasar de 1542 é o registo dos limites da freguesia. É muito diferente do dos dois tombos da Comenda: começa no sítio certo, na delimitação de Balasar com Gondifelos. Fora ali que noutros tempos a freguesia mais estreitamente contactara com o exterior. Depois passa a S. Marinha de Vicente, hoje Gondifelos, a S. Veríssimo de Pedrafita, hoje lugar de Cavalões, a Vilarinho, Fradelos, S. Martinho do Outeiro, Bagunte, Arcos, Rates, Macieira e finalmente Negreiros. Balasar é uma freguesia muito grande.
Esta delimitação identifica dois monumentos megalíticos, duas mamoas: uma nos limites de Balasar com S. Marinha de Vicente, próxima portanto do Castro de Penices, e outra que ficava próxima do ponto onde se encontram Balasar, Rates e Macieira. Tais monumentos vinham no mínimo de 2000 a.C.
Veja-se como era constituída parte habitada do Casal da Igreja de Santa Obaya de Balasar:
“Primeiramente, uma casa sobradada, que tem uma sala e duas câmaras (quartos) e uma cozinha, todas telhadas. Outra casa telhada que serve de câmara. Pegado com o cabido (alpendre) da dita igreja, quatro casas térreas telhadas e uma delas colmaça (casas telhadas deveriam ser a residência e celeiros do pároco, a colmaça podia ser estábulo).
Uma casa colmaça (coberta a colmo) em que vive o caseiro. Um eido com duas cortes. Mais duas cortes de gado colmaças. Um pombal pegado com as casas. Um tapado que levará um quarto de semeadura, que serve de colmeias. Uma eira pegada com o adro e abaixo da eira um cortelho tapado sobre si que levará de semeadura um alqueire e meio”.
Este é um documento do tempo da juventude de Camões.

[1] A família da mãe da Alexandrina eram os Vicentes. Este apelido deriva certamente do nome desta antiga paróquia.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O Caso de Balasar (1903-1904)


O caso de Balasar que se vai historiar não é o dos amores dos pais da Alexandrina e o nascimento desta, apesar de ser contemporâneo. É bem outro: é o da morte dum ex-regedor de Balasar por ocasião duma festa da Santa Cruz, a que já nos referimos. O julgamento deste assassínio fez correr muita tinta na imprensa poveira.
O Estrela Povoense foi o que mais espaço lhe dedicou. Da primeira vez, em 15 de Maio de 1904, foi quase uma página completa, em letra miudinha, sob o título: “Audiências Gerais, Julgamento importante, o Caso de Balasar”. Registam-se as conversas trocadas em duas sessões do julgamento entre o juiz e os advogados, por um lado, e as testemunhas, por outro. Na edição de 22, faz-se o mesmo para a sessão com que terminou o julgamento. Quase meia página com o título de “Ainda o Caso de Balasar”.
O julgamento pareceu uma completa farsa: as testemunhas, que antes acusavam o réu - Florentino Ferreira de Macedo Faria Gajo, de Gueral, de 22 anos -, em tribunal, ilibaram-no. O juiz bem tentou mostrar-lhe a incongruência em que se envolviam, mas elas, que aparentemente tinham sido bem preparadas, mantiveram-se firmes. E o réu foi absolvido.
“E assim terminou essa tragédia em que se vê morrer assassinado um homem em pleno dia, cercado de centenas de pessoas, sem que alguém pudesse descobrir o assassino!”, lamenta o jornal. E mais adiante: “Infelizmente parece que uma freguesia inteira era cúmplice nessa morte, tais foram os meios que se empregaram para escurecer a verdade”.
O Liberal, no dia 15 de Maio, também dedicou mais de meia página ao caso, intitulando-a “Julgamento importante (o crime de Balasar)”, mostrando-se mais favorável ao réu. No dia 29, insurgiu-se contra o Estrela Povoense: se levantava suspeitas sobre o comportamento das testemunhas, devia prová-las. O Estrela lembrou então o que se tinha passado noutros julgamentos em que o réu era pobre e foi condenado.
O Comércio da Póvoa de Varzim dedicou  este julgamento, de uma vez só, quase uma página com o título de "Crime de Balasar".
A injustiça era muito evidente. Por trás das duas atitudes opostas do Estrela e do Liberal face ao julgamento deviam estar interesses políticos, eleiçoeiros.
No decorrer do julgamento é assinalada, pela sua respeitabilidade, uma testemunha de defesa do réu de nome Manuel Gonçalves Xavier, de Vila Pouca. Deve tratar-se de um tio, pelo pai, da Beata Alexandrina.

Isto lembra-nos aquele caso ocorrido em Lisboa, na década de trinta do século passado: um empregado duma loja tomara-se de amores pela esposa do patrão. Este despejou-lhe seis balas de revólver no corpo, provocando-lhe naturalmente a morte. No julgamento foi ilibado - por não se provar que tivera intenção de matar o empregado. 

sábado, 21 de julho de 2012

Alexandrina de Balasar ou Alexandrina Maria da Costa?


No site da Santa Sé, a Beata Alexandrina é designada como “Alexandrina Maria da Costa, Leiga, da União dos Cooperadores Salesianos”.
No Decreto das Virtudes Heróicas, foi designada como “Alexandrina Maria da Costa, Virgem secular, Membro da Associação dos Cooperadores de S. João Bosco”.
No Summarium do Processo Diocesano, foi chamada em latim “Alexandrina Maria da Costa, sodalis Assoc. Cooperatorum S.D.B”, isto é, Alexandrina Maria da Costa, membro da Associação dos Cooperadores de S.D.B. (Salesianos de D. Bosco).
Os Padres Mariano Pinho e Humberto nunca lhe chamaram “Alexandrina de Balasar”.
O Dr. Azevedo, quando criou o Boletim de Graças, chamou-lhe “Alexandrina Maria da Costa, a Doentinha de Balasar”.
Houve uma vez um pedido para lhe alterar o nome: leia-se aqui
"Poderemos continuar a usar, na pregação e devoção popular, o nome da Beata Alexandrina de Balasar". Oficialmente, não.


Imagens: 
Em cima, página dum semanário poveiro a anunciar a proclamação do Decreto das Virtudes Heróicas e onde, como título, se usa uma frase do Arcebispo de Braga chamando "Alexandrina Maria da Costa" àquela que então passava a ser venerável.
Em baixo, pormenor duma publicação da Santa Sé para o dia da Beatificação onde novamente a Beata Alexandrina é designada como "Alexandrina Maria da Costa, leiga, da União dos Cooperadores Salesianos".

domingo, 15 de julho de 2012

Faz agora 100 anos… (13)


Enriquecimento cultural
A estada da Alexandria na Póvoa proporcionou-lhe um enriquecimento cultural importante.
A sua Gresufes natal era o que popularmente se chama um buraco: embora lá devessem viver umas 30 pessoas, a Gresufes ia-se e regressava-se pois o lugar, entre colinas, não era caminho para lado nenhum.
Na Póvoa ela pôde conhecer um meio urbano, embora pequeno, mas em efervescência política. Ao menos de vista, ela conheceu com certeza todos os protagonistas desse agitado momento.
Lá tomou conhecimento com uma liturgia mais rica, mais variada, com grandes manifestações religiosas que a sua Balasar não oferecia. E isto num momento de perseguição.
Conheceu também a faina marítima das gentes pobres da Póvoa e o mar. Mar, tempestade, barcos, náufragos hão-de ocorrer como imagem na sua obra.
Aos dezasseis anos, ela voltou à sede do concelho por um período mais breve, mas isso permitiu-lhe avivar as recordações de infância.

sábado, 14 de julho de 2012

Faz agora 100 anos… (12)


Regresso a Balasar

A Alexandrina confessa que aprendeu pouco na escola: “Fiquei a saber pouco”. Mas o que aprendeu permitiu-lhe mais tarde aplicar-se e escrever razoavelmente.

Passados dezoito meses, como minha irmã fizesse exame, viemos embora. Minha mãe queria que eu continuasse a estudar, mas, sozinha, não quis ficar. Fiquei a saber pouco.
Voltámos ao lugar onde nascemos e aí estivemos quatro meses; depois fomos morar para perto da Igreja, numa casinha de minha mãe.

Curioso: ela nunca menciona a professora. 
Mas aprendeu muitas coisas que a escola não ensinava e que lhe iam ser de grande utilidade. 

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Faz agora 100 anos… (11)


O Crisma

D. António Barbosa Leão, que crismou a Alexandrina, era ao tempo bispo do Algarve, donde fora expulso em 6 de Janeiro. Mais tarde, seria bispo de Porto. Como ele, muitos bispos residiam fora das suas dioceses, como castigo de não aceitarem a imposição governamental das Cultuais.

Foi em Vila do Conde onde recebi o Sacramento da Confir­mação, ministrada pelo Exmo. Rev. Sr. Bispo do Porto. Lembro-me muito bem desta cerimónia e recebi-a com toda a consolação.
No momento em que fui crismada, não sei o que senti em mim; pareceu-me ser uma graça sobrenatural, que me transformou e me uniu cada vez mais a Nosso Senhor. Sobre isto, queria exprimir-me melhor, mas não sei[1].

Na imagem, D. António Barbosa Leão.

[1] É comum a Alexandrina reconhecer as limitações da sua expressão, mesmo sabendo dizer tantas coisas.
O arcebispo de Braga, D. Manuel Ba­ptista da Cunha, viveu parte do seu exílio em Vila do Conde (19 de Dezem­bro de 1912 a 13 de Maio de 1913), onde faleceu de morte natural.
Era então pároco da Vila o ilustradíssimo Monsenhor José Augusto Ferreira.
Não é impossível que na mesma ocasião em que a Alexandrina foi crismada o fosse também o futuro José Régio.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Faz agora 100 anos… (10)


Perseguição dos guardas-republicanos 

Nos primeiros anos da República ocorreram na Póvoa dois atentados, o primeiro, a que já nos referimos, contra a residência do administrador Sebastião Tomás dos Santos, com vários disparos[1], e um segundo, no começo de 1919, que destruiu a redacção d’A Estrela Povoense e por pouco não vitimou o seu director.
Não pareça por isso exagerado o temor que a Alexandrina vai mostrar frente aos guardas, pois a GNR, criação do regime republicano, deveria simbolizar todas as prepotências que vinham a ser cometidas contra a Igreja: casas religiosas fechadas, bispos exilados, padres perseguidos, edifícios religiosos nacionalizados... Na Póvoa o colégio das Doroteias foi adaptado a quartel, as obras da Basílica do Sagrado Coração de Jesus foram suspensas, religiosos foram humilhados…[2]
Depois de umas férias, íamos para a Póvoa de Varzim, eu e a minha irmã; tínhamos quem nos acompanhasse, mas só depois de atravessarmos a freguesia. Íamos pelo caminho-de-ferro e avistámos, ao longe, dois guardas-republicanos. Tivemos medo deles, e refugiámo-nos na volta de um caminho. Como minha irmã levasse um cestinho com linho, eles imaginaram que ela levava fósforos, proibidos naquele tempo (espera-galegos), e perseguiram-nos.Não fugimos e gritámos muito. Aos nossos gritos acudiram várias pessoas. Já estavam para fazer fogo, quando compreenderam que não éramos portadoras de tal contrabando. Felizmente que, desta vez, escapámos à morte.

[1] A casa de Sebastião Tomás dos Santos ficava em Regufe, com certeza face à rua da Escola Mónica Cardia, pelo que a Alexandrina, que devia o conhecer de vista o administrador, também terá ido ver o resultado dos disparos contra a sua casa.
[2] Sobre a expulsão dos Jesuítas poveiros, veja-se Manuel Amorim, «A Companhia de Jesus na Póvoa de Varzim», no Boletim Cultural da Póvoa de Varzim, n.º XXXIII, 1996-1997, pp. 129 e seguintes; sobre as Doroteias, consulte-se o opúsculo de António Freire, S.J., A Madre Sá, Glória da Póvoa de Varzim, Braga, 1982.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Faz agora 100 anos… (9)

“Chamei-lhe poveira
Na Autobiografia, a Alexandrina tem o cuidado de pôr bem a claro os seus defeitos; mas nunca são grandes. Veja-se o seguinte, que se manifestou na Póvoa:
Uma ocasião, a minha irmã pediu-lhe (patroa em cuja casa vivia na Rua da Junqueira) licença para ir estudar a casa de uma colega que morava perto, e eu também queria ir. Como não me deixasse, chorei e chamei-lhe poveira; estava zangada.
Bem caro lhe ficou o pouco ofensivo insulto:
Não me castigou, mas disse-me que não podia confessar-me sem lhe pedir perdão. A minha irmã disse-me o mesmo. Isto fez-me muita repugnância e, como quisesse confessar-me e comungar, venci o meu orgulho. Pus-me de joelhos e, de mãos erguidas, pedi-lhe perdão.
Ela comoveu-se até às lágrimas e perdoou-me. Senti grande alegria por já poder, no dia seguinte, confessar-me e receber a Jesus.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Faz agora 100 anos… (8)

Respeito pelos sacerdotes

Não é possível, para a maior parte dos pequenos episódios ou anotações que a Alexandrina registou acerca do tempo passado na Póvoa, estabelecer datas precisas. Mas conhece-se muita coisa do momento político que então se vivia lá. 
O administrador Sebastião Tomás dos Santos foi afastado do cargo em finais de Junho na sequência dum atentado contra a sua residência cujos autores não foi possível identificar, mas que deveriam ser caceteiros carbonários. É claro que se fez um esforço enorme para culpar a paróquia, mas isso revelou-se sem fundamento. 
A Sebastião Tomás dos Santos, a quem chamavam o Zefinha (que não era poveiro e que manobrava um pouco na sombra através duma rede de espionagem que instituiu) sucedeu Santos Graça. Este actuou de modo diferente, mas com os mesmos objectivos. Coube-lhe o odiosíssimo papel de nacionalizar as igrejas e demais bens paroquiais do  concelho naquele ano de 1911. Depois apontou as suas armas contra o jornal que o Prior apoiava, O Poveiro. Censurou-o pidescamente, levou-o a tribunal e por fim, já em 1912, promoveu o seu silenciamento definitivo. Este jornal devia incomodar muito o administrador e os seus amigos maçónicos pois que aos poucos se afirmava como de projecção nacional.
No seu parcialismo, não se voltou para os jornais radicais, A Propaganda e O Intransigente, que não poupavam ninguém, que insinuavam torpezas quando as não podia garantir. O então jovem P.e Leopoldino, por exemplo, foi vítima dessas insinuações. A casa onde vivia a Alexandrina poderia ficar a uns 100 metros da redacção d’A Propaganda.
Em 1912, o Prior da Póvoa foi enviado para o exílio, como então acontecia com todos os Bispos portugueses.
Neste contexto fazem muito mais sentido as frases em que ela manifesta o seu respeito pelos sacerdotes: 
Lembro-me que tinha muito respeito pelos sacerdotes e, quando estava sentada à porta da rua, só ou com minha irmã e primos, levantava-me sempre à sua passagem e eles correspondiam, tirando o chapéu, se era de longe, ou dando-me a bênção, se passavam junto de mim.
Observei, algumas vezes, que várias pessoas reparavam nisto, e eu gostava e até chegava a sentar-me propositadamente para ter ocasião de me levantar, no momento em que passavam por mim, só para ter o gosto de mostrar a minha dedicação e respeito pelos ministros do Senhor.
Imagens: ao cimo, princípio do arrolamento dos bens paroquiais da freguesia poveira de Terroso (não se conservam os das outras freguesias); como lá se escreve, foi Santos Graça que presidiu ao acto. 
Em baixo, jornal O Poveiro com as colunas centrais em branco, censura do mesmo administrador.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Faz agora 100 anos… (7)


Ida a Laundos

Mais um templo mariano na vida da Alexandrina – que há-de ir ao Sameiro pouco antes de acamar, por ocasião do Congresso Eucarístico Nacional de 1924, no qual participaram três actuais candidatos à beatificação: Fr. Bernardo de Vasconcelos (que passou algum tempo na Póvoa), o P.e Abílio Correia (que leu um trabalho no Congresso Eucarístico Diocesano que teve lugar na Póvoa, em 1925, e que tinha estado na Lapa) e o arcebispo de Évora de então, D. Manuel Mendes da Conceição Santos. Importante a experiência que aqui teve do monte, o monte de S. Félix. Nos seus escritos fala-se repetidamente da montanha, principalmente da do Calvário.
Lembro-me de ir acompanhar a minha patroa a Laundos, cumprir uma promessa a Nossa Senhora da Saúde. Connosco foi uma filha dela e a minha irmã. Esta ajudava-a, pegando-lhe na mão, porque ia de joelhos, e eu ia à frente dela, arrumando-lhe todas as pedrinhas, que encontrava no caminho. A filha, que era mais velha do que nós, foi para a brincadeira.Era muito dedicada à mulherzinha e quando me davam qualquer coisa boa, frutos, doces, etc., repartia com ela, que ficava toda satisfeita.Procedia assim, porque o meu coração assim o queria, apesar de ser muito má.
Este episódio decorreu já após o atentado anónimo à casa do administrador Sebastião Tomás dos Santos.

Na imagem, santuário de Nossa Senhora da Saúde em Laundos.

domingo, 8 de julho de 2012

Faz agora 100 anos… (6)


Na Aguçadoura

Um dia a pequena Alexandrina foi enviada à Aguçadoura a pedir para o culto de Nossa Senhora das Dores. O capelão desta capela era então o dinâmico e culto P.e José Cascão, cuja rica biblioteca – “talvez a primeira biblioteca particular da Póvoa”, no dizer do seu condiscípulo P.e Leopoldino Mateus – se encontra actualmente no Centro Paroquial Monsenhor Pires Quesado[1].
Veja-se a "má ideia" que a Alexandrina teve - e a determinação que ela tinha:

O capelão de Nossa Senhora das Dores lembrou-se de organizar várias comissões de meninas, para arranjar meios para o culto da mesma capela. Essas comissões espalharam-se pelas freguesias vizinhas da Póvoa de Varzim. Eu fui para a Aguçadoura. Aceitávamos tudo o que nos dessem, como batatas, cebolas, etc... Por mais que pedís­semos, pouco arranjámos e tivemos a má ideia de saltar a um campo e tirar batatas, cerca 2 kg. Fui eu uma das que fiz tal acção, enquanto as outras vigiavam. Entregámos as ofertas, não contando nada do que se tinha passado.

Na altura a actual Vila da Aguçadoura ainda não era paróquia (pertencia a Nabais).

Imagem: Igreja da Aguçadora.


[1] A Alexandrina pertenceu às Filhas de Maria; esta associação tinha um núcleo na Senhora das Dores, que o mesmo P.e José Cascão aí estabeleceu e dirigiu durante largo período. Mas ela inscreveu-se por Cavalões.
Pertenceu também ao Apostolado dos Doentes, que nascera da iniciativa do médico Abílio Garcia de Carvalho (que lhe prestou alguma assistência) e cuja sede era em S. José de Ribamar. O padre Manuel da Costa Gomes, que esteve à frente da paróquia de S. José de Ribamar e que dinamizou a construção da igreja paroquial, teve uma vez, ao tempo em que era arcipreste, uma intervenção muito positiva a favor da Alexandrina.

sábado, 7 de julho de 2012

A Festa do Senhor da Cruz


Chegámos agora de Balasar onde decorriam os preparativos finais para a festa do Senhor da Cruz. Vimos na igreja os andores, vimos o aspecto um pouco estranho do adro, vimos a exposição de arte sacra "O Crucifixo na Devoção Familiar".
Se o resto é mais ou menos o esperado de tais circunstâncias, já a exposição, essa é uma muito agradável surpresa. Vê-se lá um conjunto bem diversificado de oratórios, alguns magníficos, outros mais humildes, e uma colecção de crucifixos. Além disso, estão expostos alguns documentos e livros, relativos principalmente à Santa Cruz, à Beata Alexandrina e à Confraria de S. Antão.
Em relação à Santa Cruz, estão documentos que não conhecíamos – e continuamos a não conhecer, ficámos foi a saber que existem. O mesmo em relação à Confraria de Santo Antão, onde está exposto, entre outros outros, um pequeno livro de 1727, certamente contemporâneo da criação da capela da confraria do santo na igreja do Matinho.
Esta exposição dá alguma ideia do que poderia vir a ser uma grande exposição histórica e etnográfica balasarense.
Colocamos a seguir duas fotografias que tirámos.

Faz agora 100 anos… (5)


Nossa Senhora das Dores

A Póvoa possui três igrejas marianas, a Matriz, a Senhora das Dores e a Lapa. A Alexandrina, que frequentou a Matriz com regularidade, mostra uma ligação vincada à Senhora das Dores. Anuncia-se aqui já a sua paixão pela "Mãezinha" e mesmo a sua atracção pelo Calvário, que não será só o nome do lugar da sua residência, mas quase a sua vivência de cada hora.
Quando ia a passeio com a patroa para o campo, acompanhada com outras meninas, fugia do convívio delas e ia apanhar flores, que desfolhava para fazer tapetes na igreja de Nossa Senhora das Dores. Era em Maio e toda me comprazia em ver o altar da Mãezinha adornado de rosas e cravos e de respirar o perfume dessas flores. Algumas vezes, oferecia à Mãezinha muitas flores, que minha mãe propositadamente me levava.
Nos seus diários a Alexandrina conta inúmeras vezes a sua vivência pessoal do drama do Calvário. Veja-se um pouco do que ela ditou no dia 9 de Maio de 1947 e onde recebe o título de "Alexandrina das Dores": 
Esta manhã não podia respirar, não podia viver, estava tomada de terror.
Sentia os olhos colados pelo sangue que brotava do grande capacete de penetrantes espinhos que me cingiam a cabeça.
Assim segui as escuras e estreitas ruas do Calvário. ...
Oh como foi dolorosa a viagem!
Quanto me custou chegar ao Calvário![1] (...)
Veio Jesus; deu luz a toda a minha alma e disse-me:
- Minha filha, minha filha, minha Alexandrina, Alexandrina das dores:
Deixa-me que te dê mais este título de Minha esposa:
Alexandrina das Dores!
Tem coragem!
------------------------
[1] Embora só íntima, a vivência da Paixão não era menos dolorosa do que quando a revivia visivelmente..


Imagens: exterior da Capela da Senhora das Dores, em cima, e nicho da mesma Senhora no altar-mor, em baixo. 

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Faz agora 100 anos… (4)


A Primeira Comunhão

A primeira biografia que se publicou sobre a Alexandrina apresenta-a como “uma vítima da Eucaristia”. De facto a sua intimidade com Jesus era constante. Daí que os seus biógrafos dêem merecida atenção a este relato:

Foi na Póvoa de Varzim que eu fiz a minha primeira comunhão, com sete anos de idade. Foi o Sr. Padre Álvaro Matos[1] quem me perguntou a doutrina, confessou e me deu, pela primeira vez, a Sagrada Comunhão. Como prémio, recebi um lindo terço e uma estampazinha. Quando comunguei; estava de joelhos, apesar de pequenina, e fitei a Sagrada Hóstia, que ia receber de tal maneira, que ficou tão gravada na alma, parecendo-me unir a Jesus para nunca mais me separar dele. Parece que me prendeu o coração! A alegria, que sentia, era inexplicável. A todos dava a boa nova. A encarregada da minha educação levava-me a comungar diariamente.

Se comungou pela primeira vez com sete anos, comungou poucos meses depois de chegar à Póvoa, quando a luta contra a Igreja estava bem acesa: pretendiam impedir até a catequese infantil.
A vida da Alexandrina foi uma vida de luta.
Voltamos a colocar aqui o soneto que celebrou a Primeira Comunhão do ano seguinte, na Matriz poveira:
A Primeira Comunhão 
(No Domingo de Bom Pastor) 
Duas a duas, em passo compassado,
Fervorosas, elevam sua oração
As crianças que o Cordeiro Imaculado
Pela primeira vez hoje receber vão. 

Sisudas e graves, o olhar extasiado,
Para o Céu, onde cantam com devoção
Os Anjos que, cheios de amor dedicado,
A Deus mil graças e louvores dão. 

Ajoelham, serenas, à sagrada mesa
Aqueles verdadeiros símbolos da pureza
Para receberem o cândido Jesus… 

Que elas vêem, rodeado de Querubins
E de ternos e formosos Serafins,
Fulgente e belo, irradiando Luz!... 

Foz, 1912 
J. B. de Ovídio Machado


[1]  Este sacerdote residia mesmo ao lado da Matriz, em frente à actual residência paroquial, mas teve bens em Balasar; faleceu em 1923 como pároco da da Póvoa e mereceu então os mais altos e gerais elogios.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Faz agora 100 anos… (3)

A MARIA-RAPAZ

A adolescência e a juventude da Alexandrina hão-de ser marcadas pela sua exuberância. Vão chamar-lhe maria-rapaz por ser dada a a infindáveis brincadeiras e até a jogos de forças. Isso já se anuncia na pequena estudante:
Distraíam-me, acariciavam-me, faziam-me todas as vontades e, depois de algum tempo, resignei-me.
Continuei a ser muito traquinas: agarrava-me aos americanos, deixava-me ir um pouco e, depois, atirava-me ao chão e caía; atravessava a rua, quando eles iam a passar, sendo preciso o condutor deles acusar-me à patroa. Muitas vezes fugia de casa e ia apanhar sargaço para a praia, metendo-me ao mar, como fazem as pescadeiras; trazia-o para casa e dava-o à patroa, que o vendia depois aos lavradores. Com isto afligia a patroa, pois fazia isto às escondidas, embora rapidamente.
A Deolinda contou ao P.e Humberto que ela gostava de irritar os guardas-republicanos contando esta quadra:
Co’as barbas de Afonso Costa,
Nós faremos um pincel
 Para engraxar as botas
 Ao bom rei D. Manuel.
Alguma coisa percebia da agitada situação política do tempo...


Em cima, Rua da Junqueira ao tempo da pequena Alexandrina: repare-se nas vestes femininas e no trilho do americano.
Em baixo, um americano. Este meio de transporte vinha do Passeio Alegre pela Rua da Junqueira, passava a Praça do Almada e ia para Vila do Conde, donde depois regressava. No trajecto da Alexandrina para a escola ela vinha da Rua da Junqueira para a Praça do Almada e seguia até à estação da CP; coincidia portanto num largo troço com o do americano.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Faz agora 100 anos… (2)


A Póvoa republicana

A Deolinda e a mãe deviam saber horrores da Póvoa recente e à pequena Alexandrina não seriam de todo estranhos.
Lá na sua Balasar, a República não deve ter feito grandes estragos: duas pessoas influentes, o abade Manuel Fernandes de Sousa Campos e o ex-vereador Manuel Joaquim de Almeida, que com ele colaborava, terão conseguido amainar os ímpetos de algum republicano mais fanático.
Mas não fora assim na Póvoa: um grupo de autoproclamados intelectuais liberais, de pouca elevação moral, agarrou a República com grande radicalismo.
Os membros das ordens religiosas - Jesuítas, Doroteias e Irmãs de Caridade - no dia 11 de Outubro já todos tinham fugido ou abandonado a vila.
Havia então uns seis semanários poveiros, mas naturalmente as vozes que mais gritavam eram as dos que defendiam a República com todas as suas enormidades; os mais sensatos estavam sob a mira dos radicais.
O primeiro administrador republicano do concelho foi um duro, sem tacto político, substituído em finais de Março de 1911 pelo extremista Sebastião dos Santos.
Além da guerra contra a Igreja que vinha de Lisboa, as investidas locais eram bem graves.
Foi uma Póvoa desassossegada, revolta a que recebeu a pequena Alexandrina.
Sobre os primeiros tempos republicanos na Póvoa de Varzim, vejam-se estas nossas duas páginas:
Vítimas da República II.

Na imagem, retrato do Prior poveiro: aceitou a República foi o mais decidido na denúncia dos seus extremismos.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Novo número do Boletim da Beata Alexandrina


Chegou-nos o novo número do Boletim da Beata Alexandrina. Além de outros temas mais comuns, dá-se destaque à Aparição da Santa Cruz, que aconteceu há 180 anos. Do programa da festa que a vai celebrar nos dias 7 e 8 de Julho, são de assinalar, no dia 7, Eucaristia e Auto da ‘Cruz Gloriosa e Triunfal’ e, no dia 8, Eucaristia Solene, sermão e procissão, com quadros bíblicos alusivos à Cruz na vida do cristão, Aparição da Santa Cruz, Alexandrina e a Santa Cruz e Jesus, o Homem da Cruz.
E há ainda uma grande exposição sobre o tema “Os crucifixos na Devoção Familiar” – acerca da Aparição da Santa Cruz, Oratórios e Crucifixos que revelam a Fé, devoção e cultura religiosa das famílias.
Foi celebrado um protocolo entre a Fundação Alexandrina de Balasar e a Universidade Católica.
Estará disponível na Internet, durante o presente mês, o site da Fundação Alexandrina de Balasar – www.alexandrinadeBalasar.com.


Faz agora 100 anos… (1)


A ida para a Póvoa

Faz agora 100 anos que a pequena Alexandrina deixou a Póvoa, para onde tinha ido estudar, e regressou à sua Balasar. Vamos tentar fazer aqui uma narrativa actualizada do que podemos saber sobre a sua passagem por lá.
Como fez a respeito do Salto e a respeito do seu patrão-carrasco, ela disse muito menos do que sabia. Disse certamente o indispensável e o mais importante, mas calou muita coisa do que passou na pequena vila que era a Póvoa de Varzim. Mas algumas delas, podemos imaginá-las.
Ouçamo-la:
Em Janeiro de 1911, fui com minha irmã Deolinda para a Póvoa do Varzim, para frequentarmos a escola. Não quero pensar quanto sofri com a separação da minha família. Chorei muito e durante muito tempo. 
Para frequentar a escola primária pois não havia em Balasar ensino para meninas. A Alexandrina ainda não tinha 7 anos, fazia-os em Março. De acordo com o P.e Humberto Pasquale, “as duas irmãs foram colocadas em casa do carpinteiro Pedro Teixeira Novo, na rua da Junqueira[1]. Frequentaram a escola ‘Mónica Cardia’ e foi sua professora a Sra. D. Emília Rosa de Freitas Álvares, que habitava na rua do Almirante Reis”.
Como a Póvoa de Varzim ainda se não tinha dividido em três paróquias, pode-se dizer que a Alexandrina foi então paroquiana da Matriz, mesmo residindo numa rua que hoje é S. José de Ribamar.

Na imagem, prédio onde ficava a Escola Mónica Cardia.

[1] A esposa de Pedro Teixeira Novo chamava-se Maria Mataca e tinha uma pequena casa de comes e bebes próxima da Capela de Nossa Senhora das Dores.
É curioso saber que a Alexandrina tinha passado pela Rua da Junqueira … mesmo antes de nascer, aquando daquele episódio em que a sua mãe vem anunciar ao pai que estava grávida e, para sua humilhação, descobre que ele andava com outra.

domingo, 1 de julho de 2012

De novo o Lino Ferreira (2)


No dia 31 de Janeiro de 1914, saiu n’O Comércio da Póvoa de Varzim uma correspondência jornalística de Balasar assinada por L. F. Era certamente de Lino Ferreira. Vamos transcrevê-la tal qual foi lida, sem nenhuma correcção ortográfica ou outra:
Balazar, 27-1-1914
O clericalismo – No dia 22 do corrente deu-se nesta freguezia um facto que muito depõe contra o prestigio de certos padres que trazem Deus na boca e o diabo no coração!
Relatemos: Realizou-se naquele dia o saimento funebre da mãi do sr. Antonio Ferreira de Souza, que no dia anterior tinha sucumbido. Para acompanhar o cadaver, foram por aquele senhor convidados dez padres, reservando este nosso amigo o direito de nada pagar aqueles que não acompanhassem o funeral. Ora um quatro ou cinco padres só apareceram na igreja para cantar os ofícios funebres e então o nosso particular amigo sr. José Fernandes Campos Fontinha encarregado de fazer o respectivo pagamento dirigiu-se aos cinco padres que não cumpriram as ordens do dorido e em termos correctos e delicados avisou-os a que se retirassem visto não cumprirem o que se tinha determinado.
Duma maneira atrevida e imprudente os visados exaltam-se e os colegas que nada tinham com o caso, protestam fazendo unisonos nos protestos, dizendo que nada faziam sem que os seus colegas fossem admitidos. Depois de jutarem e discutirem o caso, tratam de enxovalhar por meio de palavras ofensivas, o respeitavel cidadão Antonio Ferreira de Souza.
Durante este tumulto ao qual se juntou diversas pessoas que vão fazendo partido por um e outros, dão-se varias peripecias que nos abstemos de relativo. Nesta ocasião aparece na igreja o digno arcipreste deste concelho sr. Abade de Terroso que por processos justos pede para todos se calarem e não fazerem a grève em projecto, mas nada consegue.
Em virtude destes factos anormais o sr. Abade desta freguesia declara que em virtude dos seus colegas se recusassem a fazer os responsos, iria rezar uma missa de corpo presente e em seguida seria trasladado o corpo da inditosa senhora para o cemitério, o que assim se fez. Por estes factos se vê a incorencia dos nossos padres que só procuram ódios e vinganças para servirem as suas algibeiras.
Ao nosso prezado amigo sr. Ferreira de Souza, apresentamos os nossos pezamos e elogiamos o seu representante sr. Fontinha pela maneira inergica como se conduziu. – L. F.

L. F. escandalizou-se com o comportamento de quatro ou cinco padres, em dez. Não incluindo nos culposos o Abade de Balasar nem o Arcipreste, natural também da freguesia, no final alarga a sua crítica aos “nossos padres que só procuram ódios e vinganças para servirem as suas algibeiras”; isto é, generaliza. Incoerência elementar.
O escrito há-de ter dado azo a troça. Escrevera “pêsamos” por pêsames, “inérgica” por enérgica, usou repetições despropositadas, várias impropriedades vocabulares e erros de sintaxe, fez um raciocínio ilógico e tendencioso. Deve-lhe ter servido de lição.
A Alexandrina estava quase a completar 10 anos.