sexta-feira, 29 de junho de 2012

De novo o Lino Ferreira (1)


Quando falámos do Salto, tentámos fazer um retrato o mais completo possível do Lino Ferreira, o patrão-carrasco da adolescente Alexandrina e um dos vilões que penetraram na sua casa naquele Sábado Santo de 1918 em que ela completava catorze anos.
Há dias, consultámos as actas da junta de Balasar e delas passamos a transcrever parte duma, de 13 de Junho de 1920.
No pós-Monarquia do Norte, os republicanos eram vencedores, mas fragilizados. Daí com certeza a clemência que pretendiam usar com os vencidos, de que a acta dá conta. Mas o Lino Ferreira não pôde tolerar tal gesto e insurgiu-se galhardamente contra ele.
Quem o colocou no lugar devia saber bem quem escolhia…
Repare-se que o inconstante Cândido dos Santos, popularmente o Cândido Pardal, secunda, enaltece as palavras do “presidente”. Pobre pardal! Dentro de seis anos, essa feia República imposta ao país cairia como fruto podre e nocivo.
O Presidente, continuando no uso da palavra, disse que estava sendo discutido na Câmara dos Deputados um projecto de lei a fim de serem amnistiados os presos políticos e que propunha que esta Junta protestasse contra tal projecto, “pois que ainda deve ser visível na memória de todos os grandes crimes por esses bandidos praticados, e que esses que conseguiram escapar-se das mãos da justiça procuram por todos os meios desacreditar perante as nações estrangeiras este nobre e heróico Portugal”. Por isso, no seu nome pessoal e em nome dos republicanos desta freguesia, protestava contra esse projecto.
Nesta altura, o secretário interino desta junta, Cândido Manuel dos Santos, pediu a palavra, a qual lhe foi concedida. Disse que era com o maior prazer que assim ouvia falar o Presidente da Junta desta freguesia; “as suas palavras calaram bem fundo no meu coração. Da melhor vontade me associo a esse protesto, pois que tal amnistia só concorre para dentro em pouco termos novamente que andar a monte, para não sermos agarrados e chicoteados como foram os republicanos que lhes caíram nas mãos nos dias terríveis da Traulitânia!... E porquê? Por terem cometido o grande crime de serem republicanos”.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Sobre a festa da Santa Cruz


Recebemos ontem a informação de que no próximo dia 8 de Julho Balasar estará em festa – a festa do Senhor da Cruz. Isso leva-nos a colocar aqui uma notícia de Manuel Cândido dos Santos, datada de 4 de Junho de 1919 e saída n’O Comércio da Póvoa de Varzim:
Festividade – Realiza-se nesta freguesia, nos próximos dias 16 e 19, a grande festa em honra do Senhor da Cruz, que há 15 anos não se realiza (sic). É de esperar muita concorrência atendendo à fama que alcançou noutro tempo. Abrilhantará (sic) esta festa as afamadas bandas de música da Póvoa de Varzim e de Vizela.
Programa: Dia 18, ao meio dia, darão entrada no terreiro as duas bandas de música. À noite terão lugar o importante arraial de fogo preso e do ar e deslumbrante iluminação. Dia 19, às 10 horas, missa cantada e sermão por um distinto orador. Às 16 horas, sairá a majestosa procissão com andores, anjinhos, coros de anjos, etc.
A informação contida no primeiro parágrafo é que nos interessa: desde 1903 a 1919, não houve festa. Como se sabe, no ano de 1903, acontecera algo de grave. O P.e Leopoldino conta o que se passou:
No ano de 1903, a desordem foi tão prolongada que, ao romper da aurora, estando o capelão da Confraria a celebrar a missa, na capela, pediu o mesmo, que era o Rev.do Dr. Baltasar João Furtado (Azenha), de Gondifelos, ao ex-regedor Joaquim da Costa Oliveira, homem velho e sensato, para ir ao terreiro acabar com o barulho. Este, porém, em tão má hora o fez que foi morto com uma paulada na cabeça.
Em Junho de 1919, ainda paroquiava Balasar o mesmo abade Manuel Fernandes de Sousa Campos de 1903, que faleceria em Setembro, com 64 anos. 
Os romeiros antigos não devem ter acorrido. Houve outras tentativas de devolver a festa à dimensão anterior, mas sem êxito. Os romeiros voltariam mais tarde a Balasar, mas para ouvir a Beata Alexandrina.

domingo, 24 de junho de 2012

Relíquias de S. João Bosco


As relíquias de S. João Bosco vão estar em Portugal em Setembro próximo e virão a Santa Clara de Vila do Conde, onde viveu uma pequena comunidade salesiana durante meio século, no dia 6 (Vila do Conde fica a cerca de 20 km de Balasar).
Para todos os que se preocupam com a educação da juventude isto só pode ser uma boa notícia.
É uma feliz coincidência que possamos anunciar isto no final do nosso pequeno estudo sobre as relíquias da Beata Alexandrina, que foi cooperadora salesiana.
Porque vivemos a menos de um quilómetro do Mosteiro de Santa Clara, aproveitamos para colocar aqui algumas imagens do que resta daquela que foi a maior casa religiosa feminina em Portugal até 1834.








Imagens de cima para baixo:
Exterior da Igreja de Santa Clara, abóbada da mesma, túmulo do fundador, túmulo da esposa de S. Nuno Álvares Pereira, representação do Sagrado Coração de Jesus (muito antiga), fragmento duma página do gradual comunitário, tocheiro, fachadas sul e poente dos "dormitórios novos" e rosto do livro setecentista Memórias dos Infantes (corresponde ao livro do P.e Humberto Eis a Alexandrina, pois destinava-se ao processo de beatificação e canonização de Afonso Sanches e D. Teresa - cujo êxito nos parece inteiramente inviável).

sábado, 23 de junho de 2012

Relíquias (12)


A nossa relíquia

Recebemos a nossa relíquia da Itália: é constituída por um pouco de fio de um xaile da Beata Alexandrina que foi doado ao P.e Humberto. O fio está disposto em forma de flor.
No verso, vem uma espécie de autenticação em italiano: Lana di uno Scialleto della Beata Alexandrina: Lã de um xailezinho da Beata Alexandrina.
Há muitas relíquias da Beata Alexandrina, e de várias espécies, que se encontram sobretudo em Balasar, mas também noutras paragens. Nós terminamos aqui este apontamento que lhes dedicámos.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Relíquias (11)


Uma ferragem da porta da casa de Gresufes

Há alguns anos, tendo nós ido à casa de Gresufes em que a Alexandrina nasceu, quisemos saber se ainda existiriam as ferragens da porta do tempo dela. A dona da casa prometeu-nos procurá-las e, passados dias, quando lá voltámos, ela já tinha uma consigo e ofereceu-no-la. Tivemo-la connosco algum tempo, levámo-la inclusive a um ferreiro para uma pequena reparação e depois oferecemo-la para a causa da Alexandrina, como relíquia.
É das mais bonitas ferragens (a que no caso também se chama escudetes) que encontrámos na freguesia. Mas só se conserva uma peça.
Estas ferragens deviam ser de fabrico local, embora usando motivos comuns na região. Dois motivos quase sempre presentes eram a cruz, a encimar a composição, e o coração.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Relíquias (10)


Outro crucifixo da Alexandrina

Conta o P.e Humberto que a certa altura o demónio fez desaparecer o pequeno crucifixo que a Alexandrina tinta ao peito, preso com um alfinete. Dois anos mais tarde, ele foi encontrado enterrado no jardim.
Conserva-se a camisa de noite com o rasgão remendado.
Esta relíquia encontra-se à guarda do Grupo Beata Alexandrina em Gorgonzola, Milão, numa recente e bela lipsanoteca.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Relíquias (9)


Um crucifixo da Alexandrina

Há cerca de uns 15 dias, durante a noite, um crucifixo que tenho pendurado no muro na parede ao lado apareceu-me na cama ao pé de mim: fiquei maravilhada, mas foi coisa dum momento, que depois esqueci; não disse nada sobre isso.
Desde há anos costumava ter ao meu lado e sobretudo de noite entre os meus braços um crucifixo. Tendo recebido um de presente (do P.e Pinho), fiz retirar o que tinha e fiquei com o novo comigo.
Alguns meses depois, dei-o eu e pedi para me devolverem o que tinha mandado retirar. Esqueceram-se de mo dar e eu fiquei sem ele alguns dias, não por meu esquecimento, mas para não importunar os meus.
Foi neste período que apareceu ao meu lado o crucifixo que estava pendurado na parece.
Na noite de segunda para terça, o crucifixo da parede reapareceu-me sobre o peito, entre os braços, sob as mantas, como se fosse posto ali. Fiquei impressionada: parecia-me sonhar. Falei disso com toda a naturalidade, mas sem fazer menção nos escritos. Fui depois obrigada (pelo Dr. Azevedo) a descrever o acontecido e, para maior tormento, a pedir a Jesus o significado. Fá-lo-ei com verdadeira repugnância: é a minha cruz. Jesus me perdoe: eis a minha virtude: quanto estou longe da perfeição! (…)
- Ó Jesus, aceita o meu sacrifício: queira-o ou não, devo obedecer e perguntar-Te o significado da vinda da tua imagem crucificada sobre o meu peito.
Jesus sorriu docemente…
- Quero que me fales sem temor e com toda a simplicidade… O motivo que Me levou a desprender-me do muro e a vir a ti é muito simples: o crucifixo deve estar sempre unido à crucificada.
Sentimentos da Alma, 16/6/1950 

terça-feira, 19 de junho de 2012

Relíquias (8)


Uma relíquia salesiana

O P.e Humberto, que veio a Balasar pela primeira vez em 21 de Junho de 1944, não se demorou a inscrever a Alexandrina e a irmã nos Cooperadores salesianos: o Diploma respectivo tem a data de 15 de Agosto do mesmo ano.
Foram várias as congregações religiosas cujos membros intervieram do modo mais positivo junto da Alexandrina, mas na frente estão os Salesianos e os Jesuítas; a seguir vêm os Missionários do Espírito Santo.
A partir de 1944, o P.e Humberto, esteve sempre em contacto, ao menos epistolar, com a Beata de Balasar. Quando em 1948 voltou para a Itália, recebia mensalmente os seus escritos (diários). Por isso, pôde iniciar a sua divulgação logo que ela faleceu e tornar-se o seu principal estudioso e divulgador.
A primeira obra que sobre ela publicou foi a biografia Alexandrina, que saiu em 1957. É um longo estudo de quase 400 páginas. Em 1965, quando inicia a preparação do Processo, começa a publicação de colectâneas de escritos; saíram então Tu sei amore che tutto vince e Tu sei dolore che dà la vita. Já a findar o mesmo Processo, edita em italiano Voleva chiudere l’Inferno, que teve edição portuguesa, em Balasar, em 1967, com o título de Eis a Alexandrina.
Em 1973, fez sair, em Turim, em edição extracomercial e num volume de 838 páginas, a autobiografia Cristo Gesù in Alexandrina. As primeiras 600 páginas contêm textos da Alexandrina e as restantes uma importante colecção de documentos. Escreveu vários outros livros sobre a Beata, mas de importância menor.
Foram quase 30 anos de dedicação à causa da Beata de Balasar!
Entre os muitos leitores do P.e Humberto, merecem aqui ser assinalados alguns que por uma ou outra razão deram grande visibilidade à Alexandrina. Foi o caso do padre salesiano A. Rebesco, italiano, que escreveu L’Estatica, versão abreviada de Alexandrina, e que teve tradução para tailandês, e o do leigo irlandês Francis Johnston, autor do livro Alexandrina, the Agony and the Glory, que depende também de Alexandrina e que lançou a biografada no mundo de língua inglesa.
O Diploma de cooperadora da Alexandrina é um documento de propaganda da obra salesiana: ao cimo lê-se o lema latino de S. João Bosco Da Mihi animas, caetera tolle (Dai-me almas, tirai-me o resto).
Nos extremos laterais, estão as imagens de Nossa Senhora Auxiliadora e de S. Francisco de Sales; nos mesmos extremos, ao fundo, as imagens da Basílica de Maria Auxiliadora e de S. João Bosco.
No nome da Alexandrina, as duas primeiras palavras têm a ordem trocada: ela chamava-se Alexandrina Maria da Costa.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Relíquias (7)


A veneração das Relíquias

A veneração prestada às relíquias não se confunde com a veneração que ao comum das pessoas merecem as lembranças de familiares e amigos. De facto, como se viu em relação aos restos mortais da Beata Alexandrina, Deus associa à veneração desses objectos a concessão de graças. Esta veneração é muito antiga, como se pode verificar por exemplo pelas imagens de Lipsanotecas.
Que é a lipsanoteca? A Enciclopédia Católica ensina que é um termo usado às vezes como sinónimo de relicário, mas significando mais correctamente a caixinha que contém as relíquias e que é colocada dentro do relicário. Usa-se também para significar exposição de relíquias.
Em anos recentes partiu de Fátima um movimento para dignificação destas memórias dos santos. Encabeçaram-no Carlos Evaristo e o anglo-saxónico Thomas J Serafin.
Lipsanoteca é, aparentemente, a forma correcta da palavra, a que está mais próxima do étimo (em grego, relíquia diz-se leίyanon - leia-se léipsanon; a passagem daquele éi a i é comum. O segundo elemento da palavra, teca, ocorre em biblioteca, discoteca, hemeroteca, etc.)

Links:

domingo, 17 de junho de 2012

Relíquias (6)


Os Restos Mortais do P.e Mariano Pinho

O P.e Mariano Pinho, aparentemente ao menos, está para a Beata Alexandrina como S. Cláudio La Colombière está para S.Margarida Maria Alacoque: ambos foram instrumentos ao serviço de Jesus para conduzir as duas santas aos cumes da mística.
Mas a acção do P.e Pinho não se esgota na orientação espiritual da Alexandrina: ele foi o dinamizador da Cruzada Eucarística, dirigiu as principais revistas jesuítas no seu tempo, pregou em todo o território nacional e em parte do Brasil, publicou livros como Regresso ao Lar e O Imaculado Coração de Maria à Luz de Fátima, as duas biografias da sua dirigida, criou uma revista como a Cruzada, etc.
Foi um sacerdote exemplar, mesmo quando incompreendido e caluniado.
Jesus prometeu-lhe a canonização, por exemplo, em 1 de Novembro de 1948, dirigindo-se à Vítima da Eucaristia:

Diz ao teu Paizinho que os eleitos do Senhor o esperam. Ele será contado entre eles; como os meus santos, ele será honrado na terra; como eles, subirá às honras dos altares.
Preparo-o para isso pelo sofrimento. Escolhi-o para luz e guia das almas, missão difícil e espinhosa, missão que exige a maior perfeição e sabedoria; missão que exige a ciência das coisas divinas.
Diz-lhe que o Senhor é fidelíssimo, não falta ao que promete.
Diz-lhe que as nuvens se dissiparam, o sol apareceu, brilhou.
Dá-lhe todo o meu amor, todo o amor da Trindade Divina e de minha Mãe bendita.

Os seus restos mortais conservam-se em Balasar desde 2007, na Capela-Jazigo que fora construía para a Beata Alexandrina.
Ignora-se o paradeiro das cartas que enviou à Alexandrina, o que o prejudica a ele e à Alexandrina. Rezemos para que elas apareçam.

Imagens: em cima, a arca tumular com as relíquias do P.e Mariano Pinho; em baixo, a capela-jazigo onde ela se guarda.

sábado, 16 de junho de 2012

Relíquias (5)


Os Restos Mortais da Beata Alexandrina

Destruição cadavérica sem corrupção
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Veja-se o que o P.e Humberto Pasquale escreveu na sua autobiografia Il Monello di Dio, Don Umberto Maria Pasquale (Elledici, 2006, páginas 110-111) sobre a trasladação dos restos mortais da Alexandrina da campa original para a capela jazigo.

“Em 1957, o Bispo Auxiliar de Braga veio a Balasar para benzer a capela mandada construir no cemitério e exumar o corpo da Alexandrina que fora sepultado ma terra e transportá-lo para o novo túmulo. Era o dia 11 de Outubro; estiveram presentes, além do Bispo Auxiliar, o presidente da Câmara da Póvoa de Varzim, o Dr. Manuel Melo Adriano, professor de Medicina na Universidade do Porto, o médico subdelegado de saúde da área, Dr. Costa Azevedo, e o Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo.
À multidão dos fiéis foi proibido entrar no cemitério, mas muitos puseram-se sobre o muro da vedação por curiosidade.
O Dr. Adriano, a pedido do Bispo Auxiliar D. Francisco Maria da Silva, redigiu um relatório sobre a exumação do corpo da Alexandrina em 23 de Novembro seguinte. Lá se escreve:
Procedendo à remoção da terra, apareceu um nicho de cimento de cerca de dois metros de comprimento por um de largura e um de altura, aberto num dos lados; no fundo vê-se a parte do caixão. Retirada a placa de cimento, munida de dois anéis de ferro e atravessada por dois arames que que envolviam o mesmo nicho, e removida a terra que cobria caixão, esta apareceu em moderado estado de conservação, corroída apenas numa pequena parte da tampa, na extremidade mais larga, correspondente à cabeça do corpo.
Não se sentiu o mínimo odor de putrefacção cadavérica. Foi convidado o Bispo Auxiliar a entrar na capela mortuária. Tirado a tampa do caixão, apareceu o corpo que não apresentava o mínimo sinal de putrefacção. Do exame feito posso dizer que me encontrei face a um caso de destruição cadavérica sem corrupção.
Com todo o respeito, tomo como testemunha N. S. Jesus Cristo e frente a Ele juro humilimamente que tudo quanto escrevo não depende de mínima sugestão externa de quem quer que seja e que é a pura expressão da verdade, e não é da minha parte uma ideia pré-concebida.
O Dr. Azevedo afirmou-me que a incineração do corpo da Alexandrina, sem a prévia putrefacção, é um facto notável, porque há uma excepção à lei natural”.

Uma extraordinária promessa 

Os restos mortais da Alexandrina são uma relíquia extraordinária, mas Jesus fez também uma extraordinária promessa a seu respeito, em Junho de 1946:

Prometo-te – confia – que depois da tua morte todas as almas que visitarem o teu túmulo serão salvas, a não ser que o visitem para prevalecer no pecado, abusando da grande graça que por ti lhes dei.
Para todas as que visitarem o teu túmulo se salvarem, necessitam doutras graças, que não são precisas às que o teu leito visitarem, mas por ti lhes serão dadas.
Estas frases deviam estar escritas em letras muito grandes, bem visíveis junto ao túmulo.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Relíquias (4)

O Rosário da Alexandrina
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Um pouco antes da Beatificação, o Rosário da Alexandrina foi roubado da Casa do Calvário. A informação chegou aos jornais: pode-se ver o que escreveu o Correio da Manhã.
Mas nós tínhamo-lo fotografado e por isso esta relíquia pôde figurar na medalha que então se cunhou.

Na altura, propusemos duas frases para a medalha:

No Céu estarei como o pobre cego
À beira da estrada, de mão estendida,
Pedindo esmola.
Eu pedirei graças para as espalhar
Sobre a Terra.

Fala às almas!
Fala-lhes da Eucaristia! 
Fala-lhes do Rosário!
Palavras de Jesus à Alexandrina

A primeira é poética, mas extensa; a escolha recaiu sobre a segunda, mais breve e directa.
Cremos que ainda há em Balasar para venda exemplares das medalhas então cunhadas.
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Na mensagem Salto (2) colocámos hoje uma fotografia com a janela do Salto vista do exterior.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Relíquias (3)


O emblema da Cruzada Eucarística

Quando os padres Mariano Pinho e Leopoldino Mateus, em 1933, instalaram em Balasar a Cruzada Eucarística das Crianças, já a Alexandrina e a irmã eram adultas há muito. Mas conserva-se na Casa do Calvário um emblema da Cruzada. Esta organização infantil foi criada em Balasar, e talvez em muitas outras paróquias, em estreita ligação com a Associação do Coração de Jesus, a que a Alexandrina e a Deolinda pertenciam, como consta dum livro desta última associação. É possível que ambas fossem zeladoras da Cruzada, apesar de a Alexandrina se encontrar acamada.
Motivos desenhados no emblema: a Cruz, o Cálice e a Hóstia radiante; legenda dourada latina do círculo a azul: Eccce Panis Angelorum – Eis o Pão dos Anjos. No braço horizontal da cruz, encontram-se as letras C E, Cruzada Eucarística.
A ilustração da capa da edição original de Uma Vítima da Eucaristia é também constituída pelo Cálice e pela Hóstia, sem faltarem os raios que partem da Hóstia.



De cima para baixo:
Emblema da Cruzada Eucarística da Alexandrina;
Capa de Uma Vítima da Eucaristia;
Fragmento duma página que regista os associados de Balasar do Sagrado Coração de Jesus.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Relíquias (2)


Anéis

A fé das pessoas nem sempre é a mais pura; e sabe-se da história que isso é coisa antiga. Quem não recorda o uso de ferraduras como amuleto? Em Balasar, vimos nalguns jugos o sino saimão.
Para combater o mau hábito de certos populares que visitavam a Alexandrina e que traziam nos dedos anéis de bruxaria, o P.e Humberto adquiriu, para esta oferecer, uns pequenos anéis em prata com uma imagem minúscula de Nossa Senhora Auxiliadora. Na Casa do Calvário encontram-se umas duas centenas dos anéis aí deixados.
Uma senhora de Gresufes, actual dona da casa onde a Alexandrina nasceu, possuía um dos que ela oferecia e autorizou-nos a fotografá-lo. Mais tarde, ofereceu-o à Causa da Alexandrina.



A partir de cima:
Anel oferecido pela Alexandrina;             
Anéis (amuletos) deixados pelas visitas;
Jugo com o sino saimão ao centro e a cruz nas extremidades.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Relíquias (1)


Uma relíquia de primeiro grau

Por altura da Beatificação, a Santa Sé pediu uma relíquia da Beata Alexandrina. A princípio, pensou-se que bastaria uma relíquia de segundo grau, um fragmento de vestuário, mas não, devia ser enviada uma relíquia óssea (em latim: non vestimenta, sed ossa). Por isso, o túmulo teve de ser aberto. Apesar de o autor desta página integrar então o Secretariado da Beatificação, não esteve presente. Disseram-nos contudo que o corpo da Alexandrina, à excepção dos ossos, estava reduzido a cinzas e que a sua estrutura óssea indicava que ela devia ter uma altura de cerca de 1,70m.
Foram feitos três relicários, um que foi enviado para Roma, outro para Braga e um terceiro que ficou em Balasar.

Na imagem, relicário de Balasar.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O Magnificat, uma oração da Beata Alexandrina (3)


O Magnificat responde à saudação de Isabel, que declara a sua jovem prima “Mãe do Meu Senhor” (Mãe de Deus) e “bendita entre as mulheres” (a mais notável e a mais santa entre as mulheres). S. Lucas não estava lá para a ouvir a saudação, mas procedeu como era uso dos historiadores do tempo, reconstituindo inspiradamente o que poderia ter sido o cântico original, se é que não ouviu mesmo Nossa Senhora sobre o assunto.
É curioso notar que o Magnificat tem muito evidentes aproximações a um cântico antigo, que vem no livro Primeiro de Samuel e atribuído a uma senhora de nome Ana.
S. Lucas distingue-se dos outros evangelistas por vários traços: é o mais mariano de todos eles, é o que mais relevo dá à acção do Espírito Santo e o seu evangelho é atravessado por um radicalismo muito curioso (considere-se por exemplo a sua versão das Bem-Aventuranças[1]). É no seu evangelho que se encontram narrativas como a do Filho Pródigo, a do Bom Ladrão (a quem Jesus promete “hoje” o Céu – apesar de ser ladrão – só porque ele Lho pediu numa atitude de respeito e arrependimento) e a dos Discípulos de Emaús. Paga a pena ver também a sua versão do Pai-Nosso, muito diferente da de S. Mateus.
Mas S. Lucas é também o autor dos Actosdos Apóstolos, com aquela manifestação grandiosa do Espírito Santo e com a história dos primeiros passos dados pela Igreja, que a levam até à capital do Império.
Nos Actos, há muito outros textos a merecer atenção, mas aquele solene encontro entre o cristianismo e o mundo da cultura pagã no coração de Atenas é especial. Chega-se a mencionar filósofos e a citar um poeta grego.


[1] As Bem-aventuranças em S. Lucas não são proclamadas no cimo da colina, como em S. Mateus, que vê em Jesus o novo Moisés (que proclamou os Dez Mandamentos no Sinai), mas na planície: Jesus quer-Se ombro a ombro com os homens, onde eles estiverem: “Paz aos homens de boa vontade!”
O radicalismo desta versão das Bem-aventuranças consiste em colocar frente a frente os que não têm nada - e esses é que são bem-aventurados - e os que têm tudo ("Ai de vós ... !") Este extremar dos campos já estava no Magnificat:  o Senhor derruba os poderosos dos seus tronos e exalta os humildes.
A Ela, a humilde Maria, todas as gerações A proclamarão bem-aventutrada.

domingo, 10 de junho de 2012

O Magnificat, uma oração da Beata Alexandrina (2)


A palavra magnificat é esdrúxula e costuma-se ler manhíficat; significa enaltece, engrandece. É com ela que começa a versão latina da oração de Nossa Senhora; no grego vem mεγαλύνει. As versões latina e grega deste poema podem-se ler na Wikipédia.
É palavra que ocorre em alguns contextos: por exemplo, Álvaro de Campos, o heterónimo citadino de Pessoa, toma-a para título dum texto.
Augusto Gil (1873-1929) escreveu uma versão rimada do Magnificat. Por norma, as adaptações dos textos evangélicos, sobretudo se se propõem melhorá-los, estragam-nos. Neste caso, também há acrescentos mais de boa intenção que propriamente de inspiração. Mas ainda assim, cremos que paga a pena ler:

MAGNIFICAT!

A minha alma engrandece,
Glorifica o Senhor!

E todo o meu espírito estremece
E crepita e exulta e resplandece
Em Deus, meu Salvador!...

Beijo de orvalho na folhinha de erva,
Baixou Deus da vertigem do infinito
Por sobre mim, sua humilhada serva,
A eterna luz do seu olhar bendito...

E fiquei para sempre iluminada
Nesse piedoso e límpido clarão!
E hão-de chamar-me bem-aventurada
Sempre! De geração em geração...

O seu nome é sagrado:
E o seu poder que nunca terá fim
(Por ter em mim poisado)
Não vistas maravilhas fez em mim!

E aos que o temem e a quem dele implora
Misericórdia e protecção clemente,
Deus encaminha-os — pela vida fora
E sempre, eternamente...

Manifestou a força do seu braço
E aos vãos, aos de orgulhoso pensamento,
Desfê-los — como a poeira, pelo espaço,
No turbilhão do vento... 

Derruiu tronos e reis — pô-los de rastros...
 — E aos humildes ergueu-os para os astros!
Deixou os ricos sem riqueza e nome
— E encheu de bens os que sentiam fome!
       
Com desvelado e carinhoso amor,
Protegeu Israel, seu servidor,
                                                
Marcou-lhe os firmes passos com sinais
De Bênçãos e clemência,
Conforme prometera a nossos pais,
A Abraão e a toda a sua descendência...

E eis que será perpetuamente assim
Nos séculos dos séculos sem fim!...

sábado, 9 de junho de 2012

O Magnificat, uma oração da Beata Alexandrina (1)


Pelos escritos da Alexandrina, sabemos que ela rezava com alguma frequência o Magnificat. Dum livrinho de 1914, intitulado Ofício de Nossa Senhora, que pertenceu à Deolinda e que se encontra na Casa do Calvário, recolhemos a versão portuguesa desta oração, que era certamente a que ela utilizava.
  
Magnificat
ou
Cântico de Nossa Senhora

A minha alma engrandece ao Senhor
E o meu espírito exultou em Deus, meu Salvador.
Porque pôs os olhos na humildade da sua serva, por isso desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada.
Porque me fez grandes coisas o Todo-Poderoso, e santo é o seu nome.
A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre os que O temem.
Ele empregou a força do seu braço, dissipou os que eram soberbos no fundo do seu coração.
Derribou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.
Encheu de bens os famintos e fez pobres os que eram ricos.
Recebeu a Israel, seu servo, lembrando-se da sua misericórdia,
Assim como prometeu a nossos pais, a Abraão e à sua posteridade para sempre.

Glória ao Pai, etc.

A Igreja chama a Nossa Senhora “sede da sabedoria”. O Magnificat validará essa afirmação?
É uma oração muito bela. Aquela jovem de Nazaré, pouco antes, no momento da Anunciação, tinha-se assumido como “a escrava do Senhor”. Isto é, entregava-Lhe toda a sua vida.
O Magnificat é um canto de gratidão, composto de duas partes: a primeira é pessoal – “porque me fez grandes coisas o Todo-Poderoso”; a segunda diz respeito a todos "os que O temem .
Nos dois casos, a confiança ilimitada em Deus leva a autora a olhar para o futuro:
“Todas as gerações me chamarão bem-aventurada”.
“A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre os que O temem”.
O poema é um canto exaltante de gratidão, de confiança, de intimidade com Deus, de sabedoria cristã.

terça-feira, 5 de junho de 2012

30 de Março de 1918


Anteontem, veio-nos a curiosidade de saber a data da Páscoa de 1918: pareceu-nos que não ia ser fácil encontrá-la, mas foi. O dia de Páscoa de 1918 foi o dia 31 de Março. Como o Salto teve lugar no dia anterior, em Sábado Santo, coincidiu com o aniversário da Alexandrina.
No dia que poderia ser para ela o começo do fim da sua já trabalhosa adolescência, destruíram-lhe o direito legítimo a sonhar um futuro como o sonhavam as suas contemporâneas.
Valeu-lhe que os desígnios de Deus não coincidem com os dos homens.
Verifiquem-se na tabela a seguir as datas do dia de Páscoa (Easter day) entre 1900 e 1937.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Lino Ferreira, secretário dos democráticos


Veja-se um pouco do que saiu n’O Intransigente de 21 de Dezembro de 1913 pela pena de Manuel Cândido dos Santos. Talvez seja a primeira correspondência jornalística ida de Balasar para a sede do concelho.

Num dos amplos salões do sumptuoso templo, situado no pitoresco lugar do Senhor da Cruz desta linda freguesia de Balasar banhada pelo rio Este, realizou-se a eleição da Junta à hora regulamentar, presidindo o ilustre cidadão João de Matos Monteiro.
Com subido critério, Sua Excelência desempenhou com a maior imparcialidade e rectidão o seu espinhoso cargo, deixando bem gravado no coração de todos os eleitores independentes, desta freguesia as suas altas qualidades de funcionário sabedor e honesto, credor portanto de todas as nossas atenções e amabilidades.
Sua excelência propôs aos eleitores, para secretários, Lino António Ferreira e Agostinho da Costa Lopes e, para escrutinadores, Lino Fernandes de Sousa Campos e António Gonçalves da Costa.
O cidadão Manuel Joaquim de Almeida pediu a palavra para dizer que estava ali a maioria dos eleitores independentes e por isso não podia Sua Excelência nomear para constituir a mesa eleitores só democráticos. Sua Excelência, com a maior amabilidade, anuiu, ordenando que propusesse dois dos eleitores independentes. O cidadão Almeida propôs então, para secretário, António Alves de Sousa e, para escrutinador, Joaquim Alves de Sousa. O Sr. Presidente, em seguida, leu a nova proposta para a formação da mesa, que ficou assim constituída: secretários, Lino António Ferreira e António Alves de Sousa; escrutinadores, Agostinho da Costa e Joaquim Alves de Sousa. […]
O resultado da eleição não podia ser melhor, pois que correu sem mais algum conflito, ficando vencedora a lista independente com uma maioria de 30 votos, isto é, a lista independentes, 65 votos, todos os candidatos, e a democrática, 35, dois dos candidatos e os restantes 33 votos, entrando neste número a lista do presidente desta assembleia.

Os democráticos, liderados por Santos Graça, eram, para utilizar uma palavra dum balasarense do tempo, os mais lídimos representantes do manicómio republicano. Lino Ferreira lá estava do lado errado, como secretário (o que significa que alguma aptidão possuía para a escrita).
Os independentes balasarenses tinham à sua frente Manuel de Almeida, um antigo vereador municipal, e deviam ser gente mais ordeira.
Manuel de Almeida foi uma grande figura de balasarense adoptivo: cuidou da rede viária, inclusive da substituição da velha ponte de pedra dita de D. Benta por uma de madeira, foi um dos importantes impulsionadores da construção da Igreja Paroquial e dinamizará depois a construção do Cemitério.

domingo, 3 de junho de 2012

Um arrependido


Naturalmente, quem passa pela vida sem atropelar as regras elementares da moral e sobretudo quem passa pela vida dentro do espírito genuíno do cristianismo é merecedor de todo o aplauso. Mas também merece aplauso quem, se alguma vez falhou, se recompôs.
Cremos que foi o caso dum balasarense que fez o seu testamento em 20 de Junho de 1899. Copiámos a parte inicial, que é a que interessa para o nosso caso.

Registo de testamento cerrado com que no dia 30 de Novembro de 1910 faleceu no Rio de Janeiro, Brasil, António Alves de Sousa Campos, de Balasar

Em nome da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro, digo eu, António Alves de Sousa Campos, solteiro, lavrador, de maior idade, natural da freguesia de Santa Eulália de Balasar, do concelho da Póvoa de Varzim, filho legítimo de António Alves de Sousa e de Rita Alves, da dita Balasar, que, temendo a morte, as contas que hei-de dar a Deus e tencionando ausentar-me para o Império ou República do Brasil, resolvi fazer o meu testamento, o qual efectivamente faço pela seguinte forma:
Em primeiro lugar, encomendo a minha alma a Jesus Cristo, que a remiu com o seu preciosíssimo Sangue, à Virgem Santíssima, ao Anjo da minha guarda, ao Santo do meu nome, a todos os Santos e Santas da Corte do Céu para que orem a Deus por mim. E, dispondo do temporal, declaro, como acima foi dito, que sou filho legítimo de António Alves de Sousa e de Rita Alves e que por fraquezas humanas tive relações ilícitas com Ana Domingues da Costa Gomes, filha de António Domingues Gomes e de Maria da Costa e Silva, de cujas fraquezas humanas houve uma criança do sexo feminino, a que se deu o nome de Felisbina, a qual considero como filha minha e instituo por herdeira; assim como, por iguais fraquezas, tive relações com uma filha de José Domingues Martins e de Maria da Costa Lopes, do lugar de Gestrins, da mesma de Balasar, a qual nesta data se acha em estado de gravidez, e por isso também instituo como meu herdeiro ou herdeira o fruto que esta der à luz e venha a salvamento, e isto se entende não só dos adquiridos como das legítimas paterna e materna (…)

António Alves de Sousa Campo, arrependido, assumiu a paternidade dos seus filhos, não fez como o pai da Alexandrina.

sábado, 2 de junho de 2012

Jovens e heroínas


Concluída a actualização da informação que nos tem sido possível reunir sobre o Salto, vamos acrescentar, hoje e nos dias próximos, um curto apêndice.
O acto heróico da Alexandrina, aos seus catorze anos, coloca-a ao lado de outras jovens heroínas vítimas do desregramento masculino. É o caso de S. Maria Goretti e de S. Inês. Curiosamente, S. Inês foi martirizada no mesmo ano que S. Eulália, embora o martírio da padroeira de Balasar tenha razões principalmente ligadas à idolatria.
Mas o Salto não levou a Alexandrina à morte, ele foi antes um momento duma caminhada que se ia prolongar muitos anos e durante a qual, por um lado, o seu martírio incruento se iria tornar o mais doloroso e, por outro, Jesus a iria elevar aos mais altos cumes da mística.
Que o modo de pensar destas heroínas, iluminado pela fé, se opõe de modo frontal à mentalidade pagã dominante nos dias de hoje vê-se com a mais meridiana clareza.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Salto (6)


O caso do Salto numa conversa com Lino Ferreira

Conta o P.e Humberto:

Fomos visitar (o Lino Ferreira, certamente em 1965) o único dos três homens (que provocaram o Salto) que ainda vive. Da conversa havida – da qual ressaltam a sua astúcia e as suas reticências numa tentativa de aparecer como inocente – vamos transcrever a parte que nos interessa.

P.e Humberto – Aqui estou para tratar da Causa da Alexandrina.
Lino Ferreira – Conheci-a desde menina até ela morrer. Era uma pérola de rapariga, mesmo bondosa, bondosa. Auxiliou-me a criar um filho; auxiliou-me muito, muito. Ela começou, ainda rapariga nova, a ser catequista; as crianças fugiam da tia Josefa – a Josefina Furtado, que era muito boa mulher, catequista também – para a beira da Alexandrina: antes queriam que fosse ela que ensinasse. Era benévola, benévola…
P.e Humberto – Inteligente…
Lino Ferreira – Engraçada, folgazona. Dizem umas coisas, que eu até vi nuns jornais ou nuns panfletos… que se precipitou duma janela abaixo e que caiu por casualidade dentro dum carro. Nem lá passam carros àquela beira! Que a janela é de quatro metros… mas não os tem; que se precipitou para salvaguardar a honra… Não ia lá ninguém tirar a honra, e eu era um dos que estavam presentes.
P.e Humberto – Porque é que ela saltou da janela?
Lino Ferreira – O acontecimento foi de ela brincar e de se descer. Ao descer é que ela se magoou alguma coisa, mas nós não soubemos, nem naqueles dias, embora aqui vizinhos; e nos demos sempre.
P.e Humberto – Nem sabe se os outros que lá foram tinham intenções pouco boas?
Lino Ferreira – Ela não dava margem assim… a coisa… Era dia de carnaval.
P.e Humberto – Olhe que anda errado: era nas vésperas da Páscoa.
Lino Ferreira – Eu nessa não estava… Ou se estava, não houve ali ninguém que lhe tocou; nem vi nada… nem…
P.e Humberto – Depois de ela ter caído, não veio de volta com um arejão?... É verdade?
Lino Ferreira – É verdade. Veio.
P.e Humberto – Porque fez isso?
Lino Ferreira – Porque… Ninguém lhe fazia mal. Ela bem o sabia… que ninguém lhe fazia mal.
P.e Humberto – Diga-me: quem foi que passou pelo alçapão acima?
Lino Ferreira – Eh… Por mera brincadeira demorei no alçapão e elas assentaram-se por cima dele. Elas eram umas poucas. Estavam umas poucas.
P.e Humberto – E fizeram aquilo por brincadeira?
Lino Ferreira – Mera brincadeira! Eram umas poucas que andavam ali a aprender a costurar.
P.e Humberto – Portanto essa coisa do alçapão foi por brincadeira.
Lino Ferreira – Uma mera brincadeira. Mas ela não estava só, estavam mais: a irmã e mais, mais…
P.e Humberto – Estavam muitas?
Lino Ferreira – Pois, pois… Eu agora não me recordo… Ela veio em volta da casa e a outra (a Deolinda) abriu a porta; vieram para fora e ninguém lhes tocava… Era uma galhofa… Risota!...
P.e Humberto – Não se lembra quando, há anos, em 1946, eu ajudei a sua família e nosso encontrámos a primeira vez na varanda da Alexandrina?
Lino Ferreira – Isso nem se conversa.
P.e Humberto – E o senhor lembra-se que, diante da Alexandrina, até se comoveu e que a mim disse-me: “A coitadinha está aí também por minha culpa!”… Lembra-se? (o P.e Humberto, perante o silêncio do entrevistado, repete a pergunta).
Lino Ferreira - … Não… Eh! Não me lembro, nem nunca penso ela estar ali nem se aleijar por essa brincadeira. Penso que era de família doente. O pai era duma família tuberculosa, e ela parece que o mal passou a ser ou que era tuberculosa da espinha.

Confirma-se aqui o fundamental das narrativas da Alexandrina e da Rosalina. O resto, disse-o o P.e Humberto, é astúcia.