O caso do Salto numa conversa com Lino Ferreira
Conta
o P.e Humberto:
Fomos visitar (o Lino Ferreira, certamente em 1965) o único dos três homens (que provocaram o Salto) que ainda vive. Da conversa havida – da
qual ressaltam a sua astúcia e as suas reticências numa tentativa de aparecer
como inocente – vamos transcrever a parte que nos interessa.
P.e
Humberto
– Aqui estou para tratar da Causa da Alexandrina.
Lino
Ferreira
– Conheci-a desde menina até ela morrer. Era uma pérola de rapariga, mesmo bondosa,
bondosa. Auxiliou-me a criar um filho; auxiliou-me muito, muito. Ela começou,
ainda rapariga nova, a ser catequista; as crianças fugiam da tia Josefa – a
Josefina Furtado, que era muito boa mulher, catequista também – para a beira da
Alexandrina: antes queriam que fosse ela que ensinasse. Era benévola, benévola…
P.e
Humberto
– Inteligente…
Lino
Ferreira
– Engraçada, folgazona. Dizem umas coisas, que eu até vi nuns jornais ou nuns
panfletos… que se precipitou duma janela abaixo e que caiu por casualidade
dentro dum carro. Nem lá passam carros àquela beira! Que a janela é de quatro
metros… mas não os tem; que se precipitou para salvaguardar a honra… Não ia lá
ninguém tirar a honra, e eu era um dos que estavam presentes.
P.e
Humberto
– Porque é que ela saltou da janela?
Lino
Ferreira
– O acontecimento foi de ela brincar e de se descer. Ao descer é que ela se
magoou alguma coisa, mas nós não soubemos, nem naqueles dias, embora aqui
vizinhos; e nos demos sempre.
P.e
Humberto
– Nem sabe se os outros que lá foram tinham intenções pouco boas?
Lino
Ferreira
– Ela não dava margem assim… a coisa… Era dia de carnaval.
P.e
Humberto
– Olhe que anda errado: era nas vésperas da Páscoa.
Lino
Ferreira
– Eu nessa não estava… Ou se estava, não houve ali ninguém que lhe tocou; nem
vi nada… nem…
P.e
Humberto
– Depois de ela ter caído, não veio de volta com um arejão?... É verdade?
Lino
Ferreira
– É verdade. Veio.
P.e
Humberto
– Porque fez isso?
Lino
Ferreira
– Porque… Ninguém lhe fazia mal. Ela bem o sabia… que ninguém lhe fazia mal.
P.e
Humberto
– Diga-me: quem foi que passou pelo alçapão acima?
Lino
Ferreira
– Eh… Por mera brincadeira demorei no alçapão e elas assentaram-se por cima
dele. Elas eram umas poucas. Estavam umas poucas.
P.e
Humberto
– E fizeram aquilo por brincadeira?
Lino
Ferreira
– Mera brincadeira! Eram umas poucas que andavam ali a aprender a costurar.
P.e
Humberto
– Portanto essa coisa do alçapão foi por brincadeira.
Lino
Ferreira
– Uma mera brincadeira. Mas ela não estava só, estavam mais: a irmã e mais,
mais…
P.e
Humberto
– Estavam muitas?
Lino
Ferreira
– Pois, pois… Eu agora não me recordo… Ela veio em volta da casa e a outra (a Deolinda) abriu a porta; vieram para
fora e ninguém lhes tocava… Era uma galhofa… Risota!...
P.e
Humberto
– Não se lembra quando, há anos, em 1946, eu ajudei a sua família e nosso
encontrámos a primeira vez na varanda da Alexandrina?
Lino
Ferreira
– Isso nem se conversa.
P.e
Humberto
– E o senhor lembra-se que, diante da Alexandrina, até se comoveu e que a mim
disse-me: “A coitadinha está aí também por minha culpa!”… Lembra-se? (o P.e Humberto, perante o silêncio do
entrevistado, repete a pergunta).
Lino
Ferreira
- … Não… Eh! Não me lembro, nem nunca penso ela estar ali nem se aleijar por
essa brincadeira. Penso que era de família doente. O pai era duma família
tuberculosa, e ela parece que o mal passou a ser ou que era tuberculosa da
espinha.
Confirma-se aqui o fundamental das
narrativas da Alexandrina e da Rosalina. O resto, disse-o o P.e Humberto, é
astúcia.
Sem comentários:
Enviar um comentário