sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Salto (6)


O caso do Salto numa conversa com Lino Ferreira

Conta o P.e Humberto:

Fomos visitar (o Lino Ferreira, certamente em 1965) o único dos três homens (que provocaram o Salto) que ainda vive. Da conversa havida – da qual ressaltam a sua astúcia e as suas reticências numa tentativa de aparecer como inocente – vamos transcrever a parte que nos interessa.

P.e Humberto – Aqui estou para tratar da Causa da Alexandrina.
Lino Ferreira – Conheci-a desde menina até ela morrer. Era uma pérola de rapariga, mesmo bondosa, bondosa. Auxiliou-me a criar um filho; auxiliou-me muito, muito. Ela começou, ainda rapariga nova, a ser catequista; as crianças fugiam da tia Josefa – a Josefina Furtado, que era muito boa mulher, catequista também – para a beira da Alexandrina: antes queriam que fosse ela que ensinasse. Era benévola, benévola…
P.e Humberto – Inteligente…
Lino Ferreira – Engraçada, folgazona. Dizem umas coisas, que eu até vi nuns jornais ou nuns panfletos… que se precipitou duma janela abaixo e que caiu por casualidade dentro dum carro. Nem lá passam carros àquela beira! Que a janela é de quatro metros… mas não os tem; que se precipitou para salvaguardar a honra… Não ia lá ninguém tirar a honra, e eu era um dos que estavam presentes.
P.e Humberto – Porque é que ela saltou da janela?
Lino Ferreira – O acontecimento foi de ela brincar e de se descer. Ao descer é que ela se magoou alguma coisa, mas nós não soubemos, nem naqueles dias, embora aqui vizinhos; e nos demos sempre.
P.e Humberto – Nem sabe se os outros que lá foram tinham intenções pouco boas?
Lino Ferreira – Ela não dava margem assim… a coisa… Era dia de carnaval.
P.e Humberto – Olhe que anda errado: era nas vésperas da Páscoa.
Lino Ferreira – Eu nessa não estava… Ou se estava, não houve ali ninguém que lhe tocou; nem vi nada… nem…
P.e Humberto – Depois de ela ter caído, não veio de volta com um arejão?... É verdade?
Lino Ferreira – É verdade. Veio.
P.e Humberto – Porque fez isso?
Lino Ferreira – Porque… Ninguém lhe fazia mal. Ela bem o sabia… que ninguém lhe fazia mal.
P.e Humberto – Diga-me: quem foi que passou pelo alçapão acima?
Lino Ferreira – Eh… Por mera brincadeira demorei no alçapão e elas assentaram-se por cima dele. Elas eram umas poucas. Estavam umas poucas.
P.e Humberto – E fizeram aquilo por brincadeira?
Lino Ferreira – Mera brincadeira! Eram umas poucas que andavam ali a aprender a costurar.
P.e Humberto – Portanto essa coisa do alçapão foi por brincadeira.
Lino Ferreira – Uma mera brincadeira. Mas ela não estava só, estavam mais: a irmã e mais, mais…
P.e Humberto – Estavam muitas?
Lino Ferreira – Pois, pois… Eu agora não me recordo… Ela veio em volta da casa e a outra (a Deolinda) abriu a porta; vieram para fora e ninguém lhes tocava… Era uma galhofa… Risota!...
P.e Humberto – Não se lembra quando, há anos, em 1946, eu ajudei a sua família e nosso encontrámos a primeira vez na varanda da Alexandrina?
Lino Ferreira – Isso nem se conversa.
P.e Humberto – E o senhor lembra-se que, diante da Alexandrina, até se comoveu e que a mim disse-me: “A coitadinha está aí também por minha culpa!”… Lembra-se? (o P.e Humberto, perante o silêncio do entrevistado, repete a pergunta).
Lino Ferreira - … Não… Eh! Não me lembro, nem nunca penso ela estar ali nem se aleijar por essa brincadeira. Penso que era de família doente. O pai era duma família tuberculosa, e ela parece que o mal passou a ser ou que era tuberculosa da espinha.

Confirma-se aqui o fundamental das narrativas da Alexandrina e da Rosalina. O resto, disse-o o P.e Humberto, é astúcia.

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