quinta-feira, 31 de maio de 2012

O Salto (5)


Lino Ferreira (1884-1971)

Na biografia da Alexandrina, Lino Ferreira é sobretudo o seu desapiedado vizinho e patrão de alguns meses e um dos energúmenos que se quis aproveitar das jovens que trabalhavam na sala da casa da D. Ana, provocando o Salto da Alexandrina, origem da sua paraplegia. Anos antes chegara à inaudita baixeza de convidar esta adolescente para sua amante. Palavras dele recolhidas pelo P.e Humberto em Eis a Alexandrina:

Parece-me que foi uma vez, enquanto carregávamos um carro de mato num pinhal. Eu, por brincadeira (!), fiz a proposta à Alexandrina de ela consentir em ser a minha amante, o que é coisa muito comum e natural; mas a cachopa respondeu-me logo:
- Eu não! Não quero!
Ela não dava margem a coisas pouco boas.

Ao que ele chamou brincadeira apetece chamar crime.
Na Autobiografia o seu nome ocorre algumas vezes, mas a Alexandrina cala feitos como anterior, apesar da dureza com que o descreve:

O patrão era um perfeito carrasco; chamava-me nomes, obrigava-me a trabalhar mais do que as forças que tinha. Tinha mau génio e pouca paciência – até os animais o conheciam, porque batia-lhes e assustava-os, sendo quase impossível chamar o gado quando ele ia junto do gado. Envergonhava-me sem causa, fosse diante de quem fosse, e eu sentia-me humilhada. Apesar de estar no princípio da minha mocidade, não sentia alegria com aquele triste viver.
Um dia fui à azenha levar a fornada, mas era já noitinha quando lá cheguei e, portanto, muito tarde quando regressei a casa, pois gastava no caminho uma hora. Depois que cheguei a casa, ralhou-me muito, insultou-me e até me chamou ladra.

Para gastar tanto tempo a ir ao moleiro a fornada a moer, poderia ser o de Guardes, em vez do do Crespo.
Para nos elucidarem sobre a sua rudeza, contaram-nos que uma vez o Lino Ferreira chamou umas mulheres para trabalharem num campo, o da Valinha. Elas vieram e dirigiram-se para o trabalho.
Como entretanto ele não ia ao campo, alguém lhe chamou a atenção, mas ele respondeu que, como elas não lhe tinham vindo falar, para receber ordens, que fossem embora quando quisessem. Com certeza o que ele não queria era pagar-lhes.
Ao tempo da ida à Póvoa que a seguir se conta, a Alexandrina teria 12-13 anos:

Uma vez estive das dez horas da noite às quatro da manhã na Póvoa de Varzim a tomar conta de quatro juntas de bois, porque o patrão e um seu amigo ausentaram-se de mim; e eu, cheia de medo, lá passei aquelas horas tristíssimas da noite. Enquanto vigiava o gado, ia contemplando as estrelas que brilhavam muito e serviam de minhas companheiras.

Das dez horas às quatro da manhã, convém notar, são seis horas. E quatro juntas de bois são muitos animais.
Que fariam aqueles dois homens na noite poveira? É legítimo pensar o pior, isto é, em prostituição, mas podia ser coisa mais sofrível: comezaina, cavaqueira ou até política.
De facto, no início da República, Lino Ferreira envolveu-se na política como republicano “democrático”; após a Monarquia do Norte, presidiu à Junta de 1919 a 1923 e ainda havia de ser regedor.
Segundo notas laterais do seu assento de baptismo, ele era filho de José António Ferreira, do Calvário, e casou primeiro em 1909 com uma jovem de Bagunte (da casa do Capela, em Corvos) e, enviuvando em 1929, voltou a casar, em 1933, desta vez com uma balasarense. Enviuvou de novo em 1935.
Possuiu uma mercearia, facto a que a Alexandrina não alude.
O Lino Regueira, como lhe chamavam, que foi secretário dos “democráticos”, terá sido ocasional e anónimo correspondente d’O Comércio da Póvoa de Varzim.
Por altura do ataque aos protestantes, tratou a D. Ana com grande rudeza.
Uma vez o P.e Leopoldino, no princípio das suas correspondências para jornais poveiros, dá dele a imagem de um homem socialmente considerado. Tal resultaria ou de desconhecimento ou de vontade de o recuperar pois os testemunhos sobre a sua malvadez dão pouca margem a dúvidas sobre a sua pessoa.
Escreveu o P.e Humberto que Lino Ferreira era (“conforme se soube de fonte segura”), pessoa “muito astuta e hipócrita a ponto de incutir medo às pessoas de bem; foi escolhido frequentes vezes para depor como testemunha no tribunal”.

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