segunda-feira, 28 de maio de 2012

O Salto (2)


A narrativa do Salto contada pela Beata Alexandrina

Uma ocasião, estando eu, minha irmã e uma pequena mais velha que nós a trabalhar na costura, avistámos três homens: o que tinha sido meu patrão, outro casado e um terceiro solteiro. Minha irmã, percebendo alguma coisa e vendo-os seguir o nosso caminho, mandou-me fechar a porta da sala.
Instantes depois, sentimos que eles subiam as escadas que davam para a sala e bateram à porta. Falou-lhes minha irmã. O que tinha sido meu patrão mandou abrir, mas, como não tivessem lá obra, não lhes abrimos a porta. O meu antigo patrão conhecia bem a casa e subiu por umas escadas pelo interior da habitação e os outros ficaram à porta onde tinham batido. Ele, não podendo entrar pelo interior por um alçapão que estava fechado e resguardado por uma máquina de costura, pegou num maço e deu fortes pancadas nas tábuas até rebentar o alçapão, tentando passar por aí.
Minha irmã, ao ver isto, abriu a porta da sala para fugir, mas essa ficou presa, e eu, ao ver tudo isto, saltei pela janela que estava aberta e que deitava para o quintal. Sofri um grande abalo porque a janela distava do chão quatro metros. Quis levantar-me logo, mas não pude, porque me deu uma forte dor na barriga. Com o salto caiu-me o anel que usava, sem dar por ela.
Cheia de coragem, peguei num pau e entrei pela porta do quintal para o eirado onde estava a minha irmã a discutir com os dois casados. A outra pequena estava na sala com o solteiro. Eu aproximei-me deles e chamei-lhes cães e disse que ou deixavam vir a pequena ou então gritava contra eles. Aceitaram a proposta e deixaram-na ir.
Foi nesta altura que dei pela falta do anel e disse-lhes de novo:
- Seus cães, por vossa causa perdi o meu anel.
Um deles, que trazia os dedos cheios de anéis, disse-me:
- Escolhe daqui um.
Mas eu, toda zangada, respondi:
- Não quero.
Não lhes demos mais confiança; eles retiraram-se e nós continuámos a trabalhar.
De tudo isto não contámos a ninguém, mas minha mãe veio a saber tudo.
Pouco depois, comecei a sofrer mais e toda a gente dizia que foi do salto que dei. Os médicos também afirmaram que muito concorrera para a minha doença.

Alçapão – portinhola horizontal que permite a comunicação entre dois pavimentos.
Eirado – espaço aberto das casas de lavoura para onde davam as portas das cortes do gado. Tradicionalmente, cobria-se de mato que, apodrecendo aí, era depois utilizado como estrume.

Ao centro da imagem, a janela do Salto.

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