domingo, 30 de novembro de 2014

Memórias de paganismo na antiga Balasar (1)

Quando se lê o De Correctione Rusticorum de S. Martinho de Dume, escrito em Braga no séc. VI, verifica-se que então ainda subsistia muito, mas mesmo muito paganismo entre os habitantes das zonas rurais. E a situação só deve ter melhorado muito lentamente visto a deficiente organização paroquial e os posteriores períodos de guerra e de prolongada instabilidade política e administrativa tornarem difícil ou até impossível fazer chegar até essas pessoas a mensagem cristã.
A certa altura S. Martinho fala de ofertas de sacrifícios a divindades pagãs no cimo dos montes. Parece-nos que isso tem a ver com os outeiros.
A palavra outeiro há-de ser de origem latina pois deriva de altar. Pelos vistos, neste sentido, os outeiros terão sido criação celta e sobreviveram ao domínio romano – os romanos é que lhes deram este nome – chegando ao séc. VI e porventura até mais tarde. O outeiro era uma colina em cujo cimo se erguera um altar, uma pedra certamente um pouco preparada, sobre que se ofereciam sacrifícios.
É comum em freguesias rurais haver pelo menos um lugar do Outeiro, às vezes dois ou porventura mais. Em Balasar terá havido lá para uns sete. Não terão sido todos outeiros no sentido original da palavra: ter-se-á mais tarde atribuído o nome a colinas onde nunca houve altar.
Encontramos referências documentais aos seguintes:
A norte do rio, o Outeiro de Revelhe (próximo do nicho da Senhora dos Caminhos, para nascente e sul) e o Outeiro da Mamoa de Este (no limite de Balasar com Macieira e Rates, junto a Modeste).
Do outro lado do rio, houve o lugar habitado do Outeiro (depois de Vila Pouca e Vila Nova), o Outeiro do Painho (já próximo de Fradelos e Vilarinho), o Outeiro da Carqueja (próximo da Gandra), o Outeiro do Cume e o Outeiro Redondo (que não sabemos localizar).

Há duas palavras com a forma outeiro e que são fruto dum fenómeno de convergência. A mais importante é aquela de que se falou, a outra tem a sua origem no numeral oito e designava certos eventos ligados ao calendário litúrgico. Para ambas houve a forma outeiro e oiteiro.

domingo, 23 de novembro de 2014

Um colóquio da Alexandrina com Jesus e Nossa Senhora

30 DE MARÇO – SEXTA-FEIRA SANTA (dia do aniversário da Alexandrina)

Envolta na mesma nuvem que ontem sobre mim desceu, principiei o dia de hoje, dia que só era noite e vida que só era morte. Faltavam-me as saudades por não receber o meu Jesus. Sofri mais nos dias passados com a lembrança de hoje não O receber do que hoje por não comungar. Sofria por sentir pouca pena.
Indiferente a tudo, a minha alma sentiu, e o meu corpo também, que me levaram presa, e alguns por escárnio a ouvirem a opinião duma multidão de grande ralé e vil canalha que me condenavam à morte. Os meus ouvidos ouviam, a uma voz só, a palavra de “morra, condene-se”. Oh, que gritos os da multidão!
Tomei a cruz, caí repetidas vezes; ia a cada passo a expirar. Caía e sobre mim ficava a cruz.
Não por dó, mas por receio, queriam alguém que a levasse. Houve quem caminhasse com ela, não por amor, mas por ser mandado; mas mesmo assim quanto amor senti o meu coração dispensar-lhe! Que grande paga!
O meu corpo ia entregue aos malfeitores, o meu espírito ia só em Deus.
No calvário, o sangue corria por todas as feridas do meu corpo.
Que horas tão agonizantes!
Sentia na minha alma todos os suspiros que dava Jesus; todos os olhares que Ele levantava ao céu na minha alma foram gravados. 
Momentos antes de Jesus expirar, só de longe a longe dava um suspiro. E nesse intervalo de tempo estava como se não tivesse vida. E a minha alma a sentir tudo isto.
Oh, como era lindo! Que lições tão belas nos dá Jesus! Tão maltratado e tão cheio de ternura e amor!
Ainda o Seu santíssimo Corpo a sofrer na terra e a Sua Alma santíssima a voar ao Céu; voava e deixava cair para a terra bênçãos e chuvas de amor.
Veio o meu Jesus, fez-me por algum tempo esquecer a dor. Começou o meu coração a dilatar-se e a arder em chamas.
- Venho, minha filha, felicitar-te, saudar-te, louvar-te pelo teu aniversário, pela tua vida tão cheia de maravilhas, tão rica de virtudes, tão rica de amor! A tua vida é de rios de ouro e minas de pedras preciosas! Nunca o mundo viu nem voltará a ver; és a vida das almas! É com esta riqueza que elas são resgatadas, que elas são salvas.
- Falai, falai, meu Jesus, são para Vós as felicitações, as saudações e os louvores.
O que faço eu sem Vós, meu Jesus? O que sou eu sem Vós? Podeis dizer, podeis falar, a grandeza é Vossa, a miséria é minha.
- Louvo-te pela tua fidelidade e correspondência às minhas graças divinas! Louvo-te pela tua reparação!
Quantas vítimas escolhi e recebi uma recusa; quantas chamei e não me escutaram! A quantas convidei a uma alta elevação para Mim e nada consegui…
Em ti consolei-Me, de ti tudo recebi. Tu és o instrumento das almas, és a conquistadora de Cristo! Toda a tua vida é uma vida de maravilhas!
Se pudesses ver as almas que por ti foram salvas! E ultimamente, nestes três anos do teu jejum!...
Que grande meio para acudir aos pecadores!... Mostro aqui o Meu poder, as Minhas ânsias e o Meu amor para com eles.
Nada te disse no aniversário do teu jejum, para tirar da tua amargura toda a doçura para Mim e todo o proveito para as almas. E vou já assim preparando-te para tua última fase.
Martírio acompanhado com o jejum será o maior meio, o último meio de salvação! Não será só riqueza de rios de ouro e minas preciosas, mas será um mundo de ouro, um mundo das mesmas pedras!
O martírio subirá ao auge e o amor atingirá toda a altura!
O amor a Jesus, a dor pelas almas, reparação sem igual!...
Recebe agora, minha filha, o Sangue do Meu Divino Coração: é a vida que necessitas, é a vida que dás às almas!
Vi o Coração Divino de Jesus a arder em chamas, a transbordar de amor. Unido aos meus lábios, sentia o Sangue correr e o meu coração por muito tempo a dilatar-se.
- Minha filha, o Céu louva-Me por te ter criado, louva-Me pela honra que Me dás e louvor que já da terra recebo.
O Céu louva-Me e sempre Me louvará! Da terra já recebo louvores e dentro em breve todo o mundo Me dará louvor pela minha vítima, pela nova redentora.
Prepara-te, filhinha, vou-Me dar a ti. É um sinal que, mesmo escondido, sempre em ti habito. Repara, desce o Céu sobre ti. Dou-Me a ti numa comunhão real, numa comunhão eucarística.
Desceu sobre mim a abóbada do céu.
- Que lindo, que lindo! – exclamei eu. Vale a pena, meu Jesus, sofrer e sofrer tudo para possuir o céu!
Eram tantos, tantos os anjos que batiam as asas e prestavam homenagens a Jesus!
Desta vez não cantavam. Adoravam e inclinavam-se em sinal de reverência na presença de Jesus. Ele disse as palavras Ecce Agnus Dei e depois as de Corpus Domini Jesu Christi (1).
Parece-me bem que estendi a língua para receber Jesus. Ficamos por uns momentos num silêncio profundo, numa união tão grande! Depois Jesus chamou pela Mãezinha.
- Mãe Bendita, vem saudar e acariciar a nossa filhinha, a nossa vítima!
Ela veio, tomou-me para o Seu regaço, cobriu-me de mimos e entrelaçou os seus santíssimos braços nos de Jesus, e estreitavam-me os dois ao mesmo tempo.
- Minha filha, flor mimosa do meu Jesus, amo-te, amo-te com Ele. Recebe todo o nosso amor.
Saúdo-te pelo louvor, honra e almas que Nos dás. Sofre, sofre contente! É a Mãe que pede para os Seus filhos, é a Mãe que pede para os irmãos teus.
Beijava-me dum lado Jesus e do outro a Mãezinha. Jesus acrescentou:
- Vai, filhinha, vai escrever tudo! Para tudo o que disseres, tudo o que fizeres, terás sempre a luz do Divino Espírito Santo; é Ele que fala em ti.
- Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha!
Fiquei logo duvidosa de tudo e mergulhada em tanta dor: de nada me valiam as pessoas queridas que me rodeavam. Vieram ainda espinhos tão agudos a ferirem-me. Por tudo bendisse ao Senhor e, como remate, rezei o Magnificat. 
  

(1) No dia 11 de Abril, pergunta-me: “O que querem dizer estas palavras? E as outras, Corpus Domini Jesu Christi?” Notei também que normalmente ela não sabe estas frases e, referindo-se a elas, diz: “aquelas palavras que Jesus disse na comunhão” (Pe. Humberto?)

sábado, 15 de novembro de 2014

A Pedra de Ara do altar-mor de Balasar


Enviaram-nos alguns notáveis extractos do Boletim Paroquial de Balasar que não constam na nossa colecção desse boletim.
A inauguração da ampliação e restauro da Igreja Paroquial teve lugar no dia de 15 de Agosto de 1978:

O dia 15 de Agosto, terça-feira, será dia de festa. Festa de Nossa Senhora da Assunção – Maria é o Templo Santo de Deus – e festa grande para todos os filhos de Balasar e amigos.
Às 17h00 horas chegará o Senhor D. Manuel Ferreira Cabral, Bispo Auxiliar de Braga que, com as cerimónias rituais, benzerá a Igreja e sagrará o Altar de Pedra onde serão encerradas as relíquias de vários Santos, entre os quais as de S. Francisco Xavier, de Santa Maria Goretti e outras.


Notável esta referência às relíquias contidas na pedra de ara: de São Francisco Xavier, o Apóstolo do Oriente, e da jovem Santa Maria Goretti, a Mártir da Pureza.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A Beata Alexandrina na Revista "Theologica"

O volume XLIX, fasc. 1, da revista Theologica, da Faculdade de Teologia de Braga, traz um artigo intitulado "Apontamentos sobre a «espiritualidade vitimal» em Alexandrina Maria da Costa". É seu autor o docente da mesma Faculdade de Teologia Alexandre Freire Duarte. Quando o lermos com vagar, esperamos tecer-lhe um breve comentário. 

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Cartaz

Um amigo enviou-nos este programa relativo a um congresso promovido pelo Apostolado da Oração e que decorreu em Braga (clique sobre ele para o ver em tamanho maior). Ao fundo ocorre o nome o Pe. Mariano Pinho. Não possuímos cartazes dos outros dias.

Procurando nas cartas da Beata Alexandrina, verifica-se que a data do congresso corresponde a um período em que a sua doença era tal que ela não conseguia escrever ao Director. A Deolinda escreveu-lhe no dia 25 e por sinal mencionou o dia 21.

Balasar, 25 de Junho de 1936

Viva Jesus!
         Senhor P. Pinho      
    Resolvi escrever-lhe de novo, para contar a V. Revª como tem passado a Alexandrina. Pensava que V. Rev., a estas horas, já saberia alguma coisa pela D. Sãozinha, que tencionava ir a Braga no dia vinte e um. Mas, como o tempo não permitiu, ela não foi e eis a razão porque resolvi escrever esta carta a contar o pouco que sei da Alexandrina.
         Ela continua a passar muito mal, constantemente com aquelas tremuras, que lhe dão principalmente de dia. Às vezes aflige-se tanto que passa bocados de tempo sem poder falar nada, só por sinais é que sabemos o que ela quer.
         No domingo à tarde, deram-lhe tremuras tão fortes e por tanto tempo, ela estava tão doente, tão doente que dizia assim:
― Agora é bem verdade que me parece que não posso mais.
         Mas, dali a bocadinho, ouvi-a dizer baixinho:
― Ó meu Jesus, perdoai-me os meus queixumes! Com o vosso auxílio prometo não os tornar a fazer.
         As aflições da alma continuam. A Alexandrina diz que é tão pobrezinha que não tem nada, que está de mãos vazias para aparecer diante de Nosso Senhor. Dantes parecia-lhe que tudo o que fazia e rezava logo desaparecia e que ela ficava sem nada. Agora diz que ao pensar em fazer as coisas, mesmo sem ainda as ter feito, que já tudo tem desaparecido.
         Os assaltos do demónio continuam furiosos. Há dias pareceu senti-lo de um lado para o outro dela e, dando risadas muito finas, dizia-lhe:
— Isto é que me consola e é que eu acho lindo. Contigo já não preciso de me afligir: estás por minha conta. Estás abandonada por Deus e pelos teus dirigentes, os quais já quase se não importam de ti. São uns impostores. Não fizeram melhor cena do que tu por te acreditarem. Eu é que te falava verdade. Sou a verdade que se não engana. Eles andam a dizer os teus pecados, a fazer pouco de ti.
         E outras coisas semelhantes a estas.
         Adeus até não sei quando. Não sei quando poderei voltar a escrever. Há vinte e quatro horas que principiei esta carta e vi riscos de a não acabar a tempo de ir hoje no correio. A Alexandrina pede que a abençoe e que, por caridade, peça muito a Jesus por ela. Muitas lembranças de minha mãe e da D. Sãozinha.
         Por caridade, abençoe-me e não esqueça junto de Jesus a pobre
         Deolinda