quinta-feira, 30 de maio de 2013

Que horrível, que extrema é a agonia da minha alma!

Eu queria esconder a minha dor, não queria falar mais dela, queria abafá-la por completo. Parece-me que o coração chora de amargura. De longe a longe as mágoas que ele sente fazem-me bailar nos olhos as lágrimas.
Quero encobrir tudo, bastava que Jesus soubesse, mas não posso; manda-me a obediência. E, embora como que arrastada, vou descobrindo, vou arrancando de dentro para fora alguma coisa do que sofro, do que sinto. Não sei se pelo estado grave do sofrimento em que me encontro, ou se é a realidade, sinto-me no pôr-do-sol da vida; parece-me que a morte se avizinha de mim. Curvo-me, inclino-me de boa vontade a receber o golpe que Jesus lhe aprouver dar-me. Sinto no meu coração a separação dos que me são queridos. Vou para a minha Pátria, mas alguma coisa quero deixar entre eles para os animar e consolar na sua dor. Não sou daqui, vou para o meu lugar, depressa nos veremos nessa glória sem fim.
Meu Deus, meu Jesus, o que será isto?
Quero partir, tenho de partir e custa-me tanto esta separação. A dor que isto me causa parece-me arrancar o coração e com ele todas as veias do meu corpo.
Seja tudo pelo amor do meu Jesus e pela salvação das almas.
Sinto que o mundo está em tanta desordem, tanta miséria e crimes! E eu quero pôr termo a tudo isto e não posso; queria remediar todo este mal e não sei como; não tenho mais que dar por ele.
Ah, se houvesse alguém que por ele quisesse sofrer, que o pudesse salvar, o que lhe daria eu?! O meu amor, tudo o que possuísse, o Céu com toda a glória, se esse me pertencesse. 

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O registo

O registo que antigamente se distribuía em Balasar era uma pagela, uma pagela antiga, original.
No espaço central da face impressa, há duas imagens, a do Crucificado, pendente da Cruz, e ao fundo desta Nossa Senhora das Dores. Ao lado do Crucificado, esvoaçam uns anjos.
A cruz eleva-se dum terreno inculto que se deve assemelhar ao que se via originalmente no monte Calvário. É possível que a capela que se vê à direita represente a segunda capela da Santa Cruz, que era espaçosa e que foi demolida em 1906 ou 1907.
Os bordos laterais e superior da pagela são limitados por uma ornamentação vegetal.
Ao fundo, como nos ex-votos, vem uma cartela onde se lê:
“N. S. da Cruz aparecida no monte Calvário, na freguesia de Balasar, a 22 de Junho de 1832.
O N. Ex.mo Prelado concedeu 40 dias de indulgências (a) todas as pessoas que rezarem, de joelhos, um P. N. e Ave-Maria diante desta estampa pela extirpação das heresias, concórdia entre os príncipes cristãos e excitação (exaltação?) da S.ta Madre Igreja Católica”.

Na Igreja Paroquial de Balasar, à esquerda de quem entra, guarda-se um conjunto escultórico que tem semelhanças com as imagens centrais desta estampa. Estamos em crer que viriam da capela demolida da Santa Cruz. 

domingo, 26 de maio de 2013

Grupo de ortodoxos em Balasar

Veio recentemente em visita a Balasar um grande grupo de peregrinos ortodoxos. Disseram-nos que eram da Ucrânia ou da Croácia.

A pequena Alexandrina e a República (na Póvoa de Varzim)

(Palestra na Tuitio Fidei)

Nós vivemos em república e os espanhóis em monarquia. Para o meu entender, nem eles ganham muito com o regime monárquico nem nós perdemos muito com o republicano. Isto é, uma monarquia constitucional e uma república são coisa indiferente para o cidadão comum.
Mas a Primeira República, em Portugal, foi odiosa, execrável. Porquê?
Pelo modo concreto, tirânico como se impôs. Parece-me que os republicanos eram movidos principalmente pelo ódio contra a Igreja mais que pelo amor à república. Maçónicos, queriam destruir a Igreja.
O decreto da extinção das Ordens Religiosas deve ter sido o primeiro, data de 8 de Outubro, e elas só estavam legalizadas desde há nove anos.
A pequena Alexandrina veio para a Póvoa de Varzim em Janeiro de 1911, para a Escola Mónica Cardia, que ficava frente à actual estação do Metro, e viveu em casa dum carpinteiro, na Rua da Junqueira, e a República fora proclamada no Outubro anterior. Na Póvoa foi proclamada em 7 deste mês.
Como na altura a Póvoa ainda era uma única paróquia, ela era paroquiana da Matriz, de que era Prior o P.e Manuel Martins Gonçalves da Silva, o padre viúvo, como lhe chamavam, pois fora casado por algum tempo antes de concluir os estudos de teologia.
Nesse Janeiro, já os Padres Jesuítas, as Irmãs Doroteias e as Irmãs de Caridade tinham ido embora há dois meses, muito poucos dias depois da proclamação. Os Jesuítas foram no dia 8, as Irmãs Doroteias no dia 9 e as Irmãs de Caridade, que trabalhavam no hospital, no dia 11.
Quando, em Abril de 1911, vem a Lei da Separação, a situação complica-se ainda muito mais. E segundo a democracia dessa lei, os párocos nem a podiam comentar. E as penas eram muito severas. A situação tornou-se terrível para padres e fiéis empenhados.
De acordo com tal tirânica lei, a pequena Alexandrina mal estava autorizada a frequentar a igreja, mas pelos vistos frequentou-a sempre. A lei estabelecia:
As crianças em idade escolar, que ainda não tiverem comprovado legalmente a sua habilitação em instrução primária elementar, não podem assistir ao culto durante as horas das lições.
Ela ainda não tinha “a sua habilitação em instrução primária elementar”. E onde estava o ensino primário que todos pudessem frequentar?
Certo, certo é que o pároco local reagia altivamente ao ambiente persecutório, o que o levará, em Março de 1912, para o exílio.
No tempo havia na Póvoa muitos jornais: o do Prior, O Poveiro, dois jornais antigos, O Liberal e a Estrela Povoense, e ainda os jornais recentes O Comércio da Póvoa de Varzim, O Intransigente e A Propaganda. Os dois últimos, creio que ligados aos brasileiros republicanos, eram radicais e consequentemente anticlericais. O Comércio continha-se mais, mas era também cruamente republicano. O Liberal e a Estrela Povoense, que eram órgãos dos antigos partidos regenerador e progressista, tentaram manter-se calmos a ver onde as coisas iriam parar.
A este nível da imprensa, a luta desenrolou-se entre O Poveiro e os três jornais republicanos. Foi muito dura. Quem nela participou foi o P.e Leopoldino, mas sempre anónimo. Embora O Poveiro tivesse uma tiragem muito superior à de todos os outros, acabou por ser primeiro censurado, depois levado a tribunal e por fim silenciado.
O director do Comércio era Santos Graça, um verdadeiro algoz da Igreja naqueles tempos, que foi administrador do concelho e que nessa qualidade promoveu os arrolamentos, o roubo das igrejas e dos passais. Foi ele que censurou, levou a tribunal e promoveu o silenciamento d’O Poveiro - que alcançava dimensão nacional.
Um homem que precedeu Santos Graça na administração do concelho e que também se distinguiu no ataque violento à Igreja foi Sebastião Tomás dos Santos, professor do Liceu, a escola onde eu ensinei mais de trinta anos. Era natural de Carregal do Sal e veio para a Póvoa em 1908 por qualquer relação sua com o regicídio.
Diz a Alexandrina que fez a Primeira Comunhão com sete anos de idade e que a encarregada da sua educação a levava a comungar diariamente.
O Crisma, recebeu-o em Vila do Conde das mãos dum bispo no exílio, o então Bispo do Algarve, D. António Barbosa Leão.

Citações:
Ainda na Póvoa de Varzim - escreveu a Alexandrina - lembro-me que tinha muito respeito pelos sacerdotes. Quando estava sentada à porta da rua, só ou com a minha irmã e primas, levantava-me sempre à sua passagem, e eles correspondiam tirando o chapéu, se era de longe, ou dando-me a bênção se passavam junto de mim. Observei algumas vezes que várias pessoas reparavam nisto e eu gostava e até chegava a sentar-me propositadamente para ter ocasião de me levantar no momento em que passavam por mim, só para ter o gosto de mostrar a minha dedicação e respeito pelos ministros do Senhor.
Sobretudo nos jornais mais radicais, os sacerdotes eram ridicularizados, com insinuações torpes. Sebastião Tomás dos Santos, em 5 de Outubro de 1911, no primeiro aniversário da república, pronunciou um discurso no Clube Afonso Costa onde atacou durissimamente a Igreja, a partir da Inquisição e de casos franceses de pedofilia.
A citação da Alexandrina ajusta-se bem à quadra com que, segundo a sua irmã, ela gostava de irritar os guardas-republicanos, e que era esta:
Co'as barbas de Afonso Costa
Nós faremos um pincel
Para engraxar as botas
Ao bom Rei D. Manuel.
Não se sabe se estes versos correspondem exactamente ao que ela cantava, pois são traduzidos do italiano, do livro Cristo Gesù in Alexandrina.
Mas um dia os guardas-republicanos assustaram-na muito. A ela e à irmã:
Depois de umas férias, ia para a Póvoa, eu e a minha irmã; tínhamos quem nos acompanhasse, mas só depois de atravessarmos a freguesia. Íamos pelo caminho-de-ferro e avistámos ao longe dois guardas-republicanos. Tivemos medo deles e refugiámo-nos na volta de um caminho. Como minha irmã levasse um cestinho com linho, eles imaginaram que ela levava fósforos (espera-galegos) – proibidos naquele tempo – e perseguiram-nos. Nós fugimos e gritámos muito. Aos nossos gritos acudiram várias pessoas. Já estavam para fazer fogo quando compreenderam que não éramos portadoras de tal contrabando.
Felizmente desta vez escapámos à morte.
Esta frase é de quem sentiu terror, um terror não ocasional.

O Crisma

Foi em Vila do Conde onde recebi o Sacramento da Confir­mação, ministrada pelo Exmo. Rev. Sr. Bispo do Porto. Lembro-me muito bem desta cerimónia e recebi-a com toda a consolação.
No momento em que fui crismada, não sei o que senti em mim: pareceu-me ser uma graça sobrenatural que me transformou e me uniu cada vez mais a Nosso Senhor.
Sobre isto, queria exprimir-me melhor, mas não sei.

Este bispo do Porto, então do Algarve, chamava-se D. António Barbosa Leão; como ele, todos os restantes bispos residiram fora das suas dioceses, como castigo de não aceitarem a imposição governamental das Cultuais.
O arcebispo de Braga, D. Manuel Ba­ptista da Cunha, viveu parte do seu exílio em Vila do Conde (19 de Dezem­bro de 1912 a 13 de Maio de 1913), onde faleceu de morte natural.
Era então pároco da Vila o ilustradíssimo Monsenhor José Augusto Ferreira.
Não é impossível que na mesma ocasião em que a Alexandrina foi crismada o fosse também o futuro José Régio.
Há uma pergunta que se deve fazer: que pensará mais tarde uma pessoa como a Alexandrina sobre os perseguidores da sua infância, a quem teve de resistir? Que regime opressor fora esse?
E convém lembrar que o P.e Mariano Pinho, que era seminarista em 1910, viveu muito tempo no exílio (Espanha, Bélgica, Áustria, França e Brasil). O P.e Leopoldino foi muito humilhado.



Uma festa um pouco atribulada no Outeiro Maior (ao lado de Balasar), em 1911

Documento da perseguição republicana no concelho de Vila do Conde

Outeiro (Maior), Vila do Conde, 2/8/1911
Realizou-se no domingo passado a festividade do Coração de Jesus, precedida de práticas preparatórias feitas pelo novel orador sagrado Adelino Anselmo de Matos, pároco de Curvos, Esposende, que muito agradou e tirou abundante fruto, não obstante ter sido chamado à última hora.
De manhã houve comunhão geral, distribuindo-se o Pão dos Anjos a umas trezentas pessoas.
De tarde realizou-se uma procissão em honra do SS. Sacramento, promovida por um grupo de devotos e que este ano quiseram cooperar com a Associação do Coração de Jesus, revestindo a festa mais solenidade em virtude de se ter levantado um novo e lindo cruzeiro oferecido à freguesia por um grupo de briosos rapazes que daqui foram para o Brasil e que, entregues ao labutar constante da vida, não se esqueceram da sua terra natal nem da sua fé.
À frente da procissão ia uma bandeira que, pela sua frente, em puro veludo de sedas, ostenta os emblemas do Coração de Jesus, circundados por um ramo a ouro, entrelaçado por uma fita a matiz, rematando tudo em uma espécie de dossel, que produz um efeito surpreendente. Do lado oposto, encontra-se, também bordado a ouro, o emblema JHS, tendo ao fundo um ramo a matiz de belo gosto, e ao cimo a palavra “particular”, em semicírculo.
Como que a pôr um embargo à alegria que todos sentiam no meio de tão linda e religiosa festividade, por ser a única que agrada e consola o coração do verdadeiro cristão e está no ânimo de todos os habitantes desta freguesia, apareceu um ofício do cidadão Administrador do Concelho de Vila do Conde, com a nota de “urgente”, que ao conhecer-se produziu o efeito de um frigidíssimo duche. Dizia assim:
Ao cidadão regedor da freguesia de Outeiro.
Tendo conhecimento de que nessa freguesia se costuma anualmente fazer umas práticas e confissões, sob a denominação de Coração de Jesus, tenho a dizer-lhe que tais práticas são proibidas e punidas por lei. Queira pois não consentir e participar-me, caso não sejam acatadas as minhas ordens.
Saúde e fraternidade.
Vila do Conde, 27 de Julho de 1911.
O Administrador do Concelho – Luís da Silva Neves.
Está claro que se a autoridade da freguesia – o Sr. António Gonçalves de Azevedo – não fosse um cavalheiro prudente, um católico prático a quem agradam sobremaneira os actos da nossa santa religião, na qual se esmera por educar toda a sua família, este ofício viria privar este bom povo da sua querida festa, contristando-o e talvez exaltando-o. Felizmente tudo se fez sem o mais pequeno incidente e no meio da mais franca alegria. – P. A. (Pombal Amorim, que era o pároco)

(Informação saída no jornal O Poveiro, da Póvoa de Varzim, em 10/8/1911. P. A. corresponde a Pombal Amorim, que era o pároco).

O milagre de Inácio José da Silva, de Balasar (6)

Há ainda um quinto ex-voto, supomos que pertença da Confraria do Senhor da Cruz. Nele, o balasarense Inácio José da Silva afirma ter obtido saúde para o seu neto graças à Santa Cruz:
“Milagre feito pela Santa Cruz em Balasar a Inácio José da Silva a um seu neto em perigo de vida por uma inchação, por cuja devoção teve saúde, em 1846”.
Na pintura, há duas cruzes, uma no chão, como a da aparição de 1832, e outra com o Crucificado, como que em visão, envolta em nuvem, mas sob um fundo de tom amarelo-canário. A divisão onde se encontram o avô e o neto é espaçosa, as roupas do avô e da cama do pequeno denotam bom nível económico. Inácio José da Silva reza de joelhos com a cartola pousada a seu lado, no chão.

1846 é o ano da Maria da Fonte, de modo que todos estes ex-votos respeitam ao período que vai da vitória liberal até esta revolta popular que fez frente ao novo regime.

sábado, 25 de maio de 2013

O milagre de Custódio José da Costa (5)

Segundo o P.e Leopoldino, a Junta de Paróquia de Balasar, em sessão de 29 de Junho de 1840, deliberou: “que o retrato de Custódio José da Costa seja posto no corpo da capela, encostado à parede, entre os milagres”.
Este retrato foi concebido como ex-voto, como fica claro da sua extensa legenda:

“Milagre que fez a Santa Cruz de Balasar aparecida a 21 de Junho de 1832 a Custódio José da Costa que, sendo o principal fundador desta capela, trabalhou 5 anos com o seu corpo e abonos de dinheiros prometendo à mesma Santa Cruz que, se lhe permitisse estas obras sem perigos nem assaltos de ladrões, e nela colocaria um painel com o retrato da sua efígie com a cruz na mão; e assim o concedeu a mesma Santa Cruz; e pede de mercê a todos que este lerem um Padre-nosso e uma Ave-Maria por minha intenção e por todos os benfeitores que ajudaram estas obras aplicado pelas almas de seus pais e por todas as do Purgatório”. 

Em 1840, Custódio José da Costa tinha 48 anos, o que condiz bastante bem com o que mostra a pintura. É um retrato de meio corpo e o retratado está bem vestido, com uma roupa que aparenta ser mais de inverno que de verão. Não usa barba. Tem a cruz na mão para vincar bem o papel que lhe coube na propagação e defesa da sua devoção. É um quadro muito maior que os restantes e complementa a outra informação que chegou até nós sobre Custódio José da Costa.

Uma pequena batalha em Vila do Conde?

Joaquim Pacheco Neves no seu livro Vila do Conde (2.ª edição, 1991, página 37) dá conta de uma pequena batalha que ocorreu na foz do Ave em Setembro de 1833. Não foi um recontro entre poderosos exércitos, mas morreram muitos homens e outros foram aprisionados; a enorme impressão que ela há-de ter causado deve ter sido sentida mesmo em Balasar. Era um prenúncio muito mau do que veio a seguir.

Em 6 de Setembro de 1833 a vila foi ocupada pelas tropas de D. Pedro sob o comando do Tenente General Stubbs. A notícia foi dada no dia 8 na “Crónica Constitucional de Lisboa”.
As milícias que guardavam Vila do Conde foram desbaratadas e deixaram nas mãos dos liberais 168 prisoneiros e as ruas e campos “juncados de mortos subindo o número destes a mais de 200, se se compreender os que tentavam passar junto à barra em quatro barcos; virando-se estes com a precipitação da fuga se perderam”.
Deste acontecimento não se dá notícia nas actas da Câmara, mas lê-se no relato mandado pelo Tenente General Stubbs ao General Saldanha e transcrito como notícia no citado jornal.

Estranhamente, as actas da câmara e os registos de óbito de Vila do Conde não dão conta da mortandade resultante desta acção militar. Mas registam uma, nos meses de Julho, Agosto e Setembro, devida a uma epidemia de cólera.
Há contudo um assento de óbito de 4 de Setembro, relativo a um vila-condense que faleceu “por se ter reunido à tropa que fazia a guerra ao legítimo governo da Rainha”. Se a "guerra ao governo da Rainha" já em 4 de Setembro era coisa do passado, então a batalha de Vila do Conde pode ser ficção.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O milagre de Bernardina Rosa da Costa (4)

O ex-voto oferecido por Bernardina Rosa da Costa, embora evoque um facto político de 1834, não deve ser o mais antigo pois ele supõe uma acusação implícita contra os liberais e isso devia ser muito mal aceite naquele ano e seguintes. Mas pode ser contemporâneo do regresso do pároco de Touguinhó à sua abadia, em 1841.
“Milagre que fez a Santa Cruz a Bernardina Rosa da Costa, de Touguinhó, quando foi o seu abade preso e não foi à cadeia, no ano de 1834, quando o botaram fora da sua igreja”.
Touguinhó pertencia então ao de Barcelos, como Balasar.
Na imagem, vêem-se certamente a Bernardina Rosa e o seu pároco, de joelhos, frente a uma grande Cruz meia erguida do chão. Sobre esta, como que a garantir-lhe força milagrosa, pairam numa nuvem quatro personagens celestes, de quem só vemos os rostos. Da nuvem projecta-se como que um feixe luminoso em direcção à Cruz.
Bernardina Rosa tem a cabeça coberta e o abade de Touguinhó enverga sobrepeliz.
A Cruz parece encontrar-se no interior duma construção, que não se assemelhava a nada que existisse em Balasar.
Reparar na gritante incorrecção da escrita.
Este ex-voto é um documento histórico notável.
O abade de Touguinhó chamava-se Custódio José de Araújo Pereira, era muito rico, excelente pessoa e miguelista. Variadas razões para ser maltratado em 1834, ano da derrota de D. Miguel. Além disso, Touguinhó era uma paróquia com um rendimento enorme. Até se dizia:
Em Touguinha estou,
Tougues vejo (do outro lado do Ave),
Touguinhó desejo.
Encontrámos no Arquivo Municipal de Vila do Conde este documento que fala do P.e Custódio José de Araújo Pereira:

Administração Geral do Distrito do Porto
Confidencial

Ilustríssimo Sr. Administrador do Concelho de Vila do Conde

Ilustríssimo Senhor
O Senhor Administrador Geral Interino manda remeter a V. Senhoria o incluso requerimento documentado em que o presbítero Custódio José de Araújo Pereira, colado na Igreja de S. Salvador de Touguinhó, desse Concelho, da qual se acha suspenso, a fim de V. Senhoria, procedendo às mais severas e escrupulosas indagações, informe confidencialmente acerca do comportamento moral e político do requerente, declarando se julga que a sua restituição ao exercício paroquial será bem recebida pelos paroquianos e acrescentando tudo o que julgar próprio a ilustrar sobre o pedido de restituição.
Deus Guarde a V. Senhoria.

Porto, 25 de Agosto de 1840.
José Luís Pinto, Chefe da (?) Repartição

A classificação dum documento como confidencial era rara e as indagações deviam ser “as mais severas e escrupulosas”.
Que liberais que eram aquelas autoridades!


Custódio José de Araújo Pereira, abade de Touguinhó

O abade mencionado pelo ex-voto de Bernardina Rosa Costa à Santa Cruz de Balasar nascera em 1777 ou 1778, no lugar do Paço, da freguesia do Couto de S. Salvador do Souto, Terras de Bouro, e coadjuvou o seu tio e homónimo em Touguinhó desde 1803, tornando-se abade titular em 1818.
Conta-se que o abade Custódio José, em 1834, temendo a perseguição, se ausentou para a terra natal. Mas, segundo o ex-voto, as coisas foram menos pacíficas: o abade Custódio José foi preso e puseram-no fora da sua abadia.
Em 1838, pediu autorização ao Governo civil para regressar a Touguinhó, o que só terá concretizado em 1841.
Herdou do seu antecessor uma muito grande fortuna e, «apesar de ter desbaratado muito dinheiro na causa miguelista, ainda assim continuou rico bastante, como pároco de Touguinhó, para mandar fazer uma igreja nova, como prometeu (…) em 9 de Dezembro de 1930» (Silva Rodrigues).
De acordo com o inquérito de 1825, transcrito pelo P.e Franklin N. Soares, Custódio José de Araújo Pereira tinha 48 anos e residia em Touguinhó desde há 23; era “de bom porte e distintos costumes”.
A avaliação do P.e Domingos da Soledade Silos, vinte anos mais tarde, é diferente, como era de esperar. Depois de ter dito que o abade Custódio José tinha residido sempre em Touguinhó, “à excepção de seis anos, que esteve fora do benefício por ter dado donativos a D. Miguel, do qual foi sectário acérrimo”, declara que ele tem 67 anos e que a “sua conduta é boa, porque a sua idade e educação o não deixa ser mau”.
Esqueceu-se certamente de dizer que fora este abade que pagara a nova igreja e provavelmente também a grandiosa residência. Se é que não pagara antes também a Ponte d’Este… pois quem a faria naquele agitado ano de 1834? A Câmara de Barcelos não terá sido (não vimos qualquer referência a ela nas actas camarárias), e era a este concelho que então pertencia Touguinhó…

Escreve Franklin N. Soares que o testamento deste abade, feito em 21 de Outubro de 1852, é “impressionante pela enorme riqueza e caridade cristã e reflecte bem a espiritualidade do seu tempo”. Afora as muitas doações que ordena, determina que sejam celebradas por sua alma 2.251 missas…
Estas imagens ao fundo representam a fachada principal e o retábulo do altar-mor da igreja paroquial de Touguinhó, a primeira construída no período liberal nas redondezas de Balasar.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O milagre de Maria Margarida, da Póvoa de Varzim (3)

Este milagre, de 1838, é um milagre de emigrante. Uma senhora poveira, de nome Maria Margarida, viúva, tinha um filho no Brasil desde há muito e poucas notícias lhe chegavam. Depois de orar, «com muitas lágrimas», na presença da Cruz, o filho «lhe apareceu à porta sem ser esperado».
Diz a cartela:
“Milagre que fez Nosso Senhor por intercessão de sua Santíssima Cruz Aparecida a Margarida, viúva, da Póvoa de Varzim, que tendo um filho nas terras do Brasil há 13 anos, com poucas notícias dele, recorreu ao dito Senhor, na presença da dita Cruz, com muitas lágrimas, e ele lhe apareceu à porta sem ser esperado. 1838 anos”.
A pintura é a mais original de todos os cinco milagres. Desde logo porque a Cruz está desenhada no chão, como apareceu, junto a uma mulher em oração. Além da cruz, vê-se uma grande nuvem de tons brancos, que parece evocar a que guiava o povo hebreu na caminhada no deserto. Dela, um Olho de Deus, inscrito num triângulo isósceles, representando a Trindade Divina, como que reflecte para a mulher a força que sai da cruz através dum feixe luminoso ligeiramente colorido. Ou então a força da oração da mulher é que é significada nos raios que dela se dirigem para Deus, que torna a cruz capaz de operar o milagre.


A senhora, que, como a Maria Margarida, de Fão, aparenta ser de algumas posses, tem a cabeça descoberta.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

O milagre de Rosária da Silva Lopes, de Fão (2)


O milagre ou ex-voto de Rosária da Silva Lopes é talvez o mais antigo dos que se conservam. E não é um milagre qualquer. Fez ela escrever:
“Milagre que fez esta Santa Cruz de Balasar a Rosária da Silva Lopes, mulher de José Joaquim Cardoso, da Vila de Fão, que padecendo uma enfermidade de olhos pelo espaço de dez anos, tendo gastado imenso cabedal em médicos e banhos, apegou-se com esta Santa Cruz e alcançou saúde no ano de 1837” (leitura do P.e Leopoldino).
Curar-se duma enfermidade que a fazia gastar dinheiro e paciência havia dez anos não é para menos. É um milagre de cura.

Muito simples a parte pintada: uma mulher em oração e uma cruz elevada do chão, na vertical, sem o Crucificado.
Pela indumentária, parece tratar-se duma mulher com algumas posses.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Os milagres ou ex-votos da Santa Cruz (1)


Os milagres ou quadros ex-votos à Santa Cruz são hoje cinco, mas devem ter sido mais, e cada um possui os seus motivos de interesse. Respeitam a um período curto, de cerca de 10 anos.
Três pertencem actualmente ao museu da Póvoa e os outros dois são da Confraria do Senhor da Cruz. Do de Custódio José da Costa há cópia, também em Balasar, aliás na casa onde ele viveu.
Os milagres da Santa Cruz integram-se num género de iconografia que foi muito abundante e por isso estudá-los é também integrá-los na tradição deste género artístico devocional.
O “milagre” mais comum é o da cura. O devoto, num momento em que a sua vida está ameaçada por doença, pede a cura, ela vem e ele, agradecido, manda pintar um quadro a evocar o acontecimento. Dois dos ex-votos da Santa Cruz são de cura.
No período de que eles vêm havia muita emigração para o Brasil, que implicava grandes perigos. Um da Santa Cruz também tem a ver com a emigração.
Na origem do da Bernardina Rosa está o momento político e o de Custódio José da Costa agradece não ter sido roubado.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Uma "espécie de capela" cuja construção se decidiu em quatro dias

A mais antiga notícia sobre a Santa Cruz de Balasar data de 6 de Agosto de 1832, mês e meio após a sua aparição no dia do Corpo de Deus, e encontra-se numa exposição dirigida pelo reitor António José de Azevedo à autoridade eclesiástica de Braga. Dividimo-la aqui em quatro fragmentos:

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor

Notícia da aparição

Dou parte a Vossa Excelência de um caso raro acontecido nesta freguesia de Santa Eulália de Balasar.
No dia de Corpo de Deus próximo pretérito, indo o povo da missa de manhã em um caminho que passa no monte Calvário, divisaram uma cruz descrita na terra: a terra que demonstrava esta cruz era de cor mais branca que a outra: e parecia que, tendo caído orvalho em toda a mais terra, naquele sítio que demonstrava a forma da cruz não tinha caído orvalho algum.
Mandei eu varrer todo o pó e terra solta que estava naquele sítio; e continuou a aparecer como antes no mesmo sítio a forma da cruz. Mandei depois lançar água com abundância tanto na cruz como na mais terra em volta; e então a terra que demonstrava a forma da cruz apareceu de uma cor preta, que até ao presente tem conservado.
A haste desta cruz tem quinze palmos de comprido e a travessa oito; nos dias turvos divisa-se com clareza a forma da cruz em qualquer hora do dia e nos dias de sol claro vê-se muito bem a forma da cruz de manhã até as nove horas e de tarde quando o sol declina mais para o ocidente, e no mais espaço do dia não é bem visível.

Reacções populares e milagres

Divulgada a notícia do aparecimento desta cruz, começou a concorrer o povo a vê-la e venerá-la; adornavam-na com flores e davam-lhe algumas esmolas; e dizem que algumas pessoas por meio dela têm implorado o auxílio de Deus nas suas necessidades e que têm alcançado o efeito desejado, bem como: sararem em poucos dias alguns animais doentes; acharem quase como por milagroso animais que julgavam perdidos ou roubados e até algumas pessoas terem obtido em poucos dias a saúde em algumas enfermidades que há muito padeciam. E uma mulher da freguesia da Apúlia, que tinha um dedo da mão aleijado, efeito de um penando que nela teve, tocando a Cruz com o dito dedo, repentinamente ficou sã, movendo e endireitando o dedo como os outros da mesma mão, cujo facto eu não presenciei, mas o atestam pessoas fidedignas que viram.
Enfim, é tão grande a devoção que o povo tem com a dita cruz que nos domingos e dias santos de guarda concorre povo de muito longe a vê-la e venerá-la, fazem romarias ora de pé ora de joelhos em volta dela e lhe deixam esmolas; e eu nomeei um homem fiel e virtuoso para guardar as esmolas.

Ideia duma "espécie de capela"

Querem agora alguns moradores desta freguesia com o dinheiro das esmolas se faça, no sítio onde está a cruz, como uma espécie de capela cujo tecto, coberto de tabuado, seja firmado em colunas de madeira e em volta cercado de grades também de madeira, para resguardo e decência da mesma cruz e, dentro e defronte da cruz descrita na terra, pôr e levan­tar outra cruz feita de madeira, bem pintada, com a Imagem de Jesus Crucificado pintada na mesma cruz.

Opinião do signatário

Eu não tenho querido anuir a isto sem dar a Vossa Excelência parte do acontecido e mesmo em fazer a sobredita obra sem licença de Vossa Excelência, persuadido que nem eu nem os moradores da freguesia temos autoridade para dispor a nosso arbítrio do dinheiro das esmolas, que por agora ainda é pouco e não chega para se fazer obra mais dispendiosa e decente à proporção do objecto.
Agora sirva-se Vossa Excelência determinar o que lhe parecer e o que eu devo praticar a este respeito.

Santa Eulália de Balasar, aos seis dias do mês de Agosto de mil oito centos trinta e dois.
De Vossa Excelência Súbdito o mais reverente,
O Reitor António José de Azevedo.

Em Braga, quiseram ouvir a opinião do pároco de Gondifelos (pelo nome parece irmão do pároco de Balasar), que tem a data do dia oito:

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Em observância da determinação de Vossa Excelência fui à freguesia de Balasar observar a mencionada cruz, o que eu já há tempos tinha feito de meu voto próprio, e acho que ela continua a aparecer, posto que menos clara do que então a vi.
Tem sido muito grande o concurso de povo para a ver, vindo de terras dis­tantes; e, se ela continuar a existir de forma que se não desvaneça, me parece que virá a ser objecto de grande veneração; e no entanto sempre me merece algum culto ao menos.
O que o Reverendo [reitor de Balasar] representa a Vossa Excelência é quanto se me oferece dizer a Vossa Excelência, que determinará o que for servido.

Gondifelos, oito de Agosto de mil e oito centos trinta e dois.
De Vossa Excelência Súbdito Reverente – o Abade Manuel José de Azevedo

E ao quarto dia veio a autorização para a construção da capela:

Concedo a licença pedida, ficando a cargo do Reverendo representante o evitar qualquer culto supers­ticioso que possa haver da parte do povo ignorante.
Braga, nove de Agosto de mil e oito centos trinta e dois.
Com a rubrica do Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Vigário capitular


A situação política era má, embora D. Miguel ainda se sentisse bastante seguro (o irmão, com os liberais, estava cercado no Porto). Isso, a evidência de se estar perante algo milagroso e a afluência de populares hão-de ter concorrido para acelerar a decisão do Vigário Capitular.
Hoje chamamos capela ao templozinho que cobre o espaço onde se mostrou a Santa Cruz, mas o que foi pedido em 1832 foi "uma espécie de capela", a que depois se chamou "uma espécie de oratório". Pelos vistos, não se esperava celebrar aí a Santa Missa. Pretendia-se cobrir o espaço, mas não fechá-lo. O inverno porém deve ter lavado a encerrá-lo para evitar que a enxurrada destruísse tudo.

domingo, 12 de maio de 2013

Uma canonização oportuna


O Papa Francisco canonizou, entre outros, 800 mártires que morreram às mãos dos turcos em 1480. Parece-nos uma canonização muito oportuna quando pela Europa os próprios governos dos países mais desenvolvidos se acobardam receando denunciar actos que possam beliscar os islamitas ou reescrevendo a história para lhes não desagradar.
Todos têm obrigação de olhar de frente o seu passado, as suas glórias e os seus erros. 

sábado, 11 de maio de 2013

Da Santa Cruz à Beata Alexandrina



Há mais de um século que mostrei a Cruz a esta terra amada

No colóquio de 5 de Dezembro de 1947, Jesus falou assim à Beata Alexandrina:
És a minha vítima a quem confiei a mais alta missão. E como prova disso atende bem ao que te digo para bem o saberes dizer.
Quase um século era passado que eu mandei a esta privilegiada freguesia a cruz para sinal da tua crucifixão. Não a mandei de rosas, porque a não tinha, eram só espinhos; nem de oiro, porque esse com pedras preciosas serias tu com as tuas virtudes, com o teu heroísmo a adorná-la. A cruz foi de terra, porque a mesma terra a preparou.
Estava preparada a cruz; faltava a vítima, mas já nos planos divinos estava escolhida; foste tu.
O mal aumentou, a onda dos crimes atingiu o seu auge, tinha que ser a vítima imolada; vieste, foi o mundo a sacrificar-te.
E agora partes para o céu e a cruz fica até ao fim do mundo, como ficou também a minha.
Foi a maldade humana a preparar-Me a minha, e a mesma maldade humana preparou a tua.
Oh, como são admiráveis os desígnios do Senhor! Como são grandes e admiráveis! Que encantos eles têm!
Oito anos à frente, em 21 de Janeiro de 1955, insistiu:
Há mais de um século que mostrei a cruz a esta terra amada, cruz que veio esperar a vítima. Tudo são provas de amor!
Oh, Balasar, se me não correspondes!...
Cruz de terra para a vítima que do nada foi tirada, vítima escolhida por Deus e que sempre existiu nos olhares de Deus!
Vítima do mundo, mas tão enriquecida das riquezas celestes que ao Céu dá tudo e por amor às almas aceita tudo!
Confia, crê, minha filha! Eu estou aqui. Repete o teu «creio». Confia!
É por isto que importa estudar a história da Santa Cruz tão a eito quanto possível.
Quanto tivermos oportunidade, haveremos de actualizar a nossa página dedicada à Santa Cruz e mesmo o Pequeno Dicionário da Beata Alexandrina e da Santa Cruz.
Na última semana, as visitas a este blogue (mas não só a ele) têm vindo sobretudo da Rússia. Bem-vindos!

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Obras na Igreja Paroquial?


O P.e Domingos José de Abreu é importante na história da Santa Cruz e na de Balasar: foi ele que esteve à frente da paróquia durante todo o período do cisma, de 1834 a 1841.
O último documento que aqui colocámos e o que agora se coloca não respondem à pergunta fundamental: em que medida foi ele um cismático? Mas deixam ver que havia desentendimentos na paróquia e que as autoridades municipais o protegiam. Mais do que isso não é legítimo deduzir.
O P.e Domingos da Soledade Silos disse do P.e Domingos José de Abreu que a sua política era a do catavento. Mas não agradar ao P.e Domingos da Soledade Silos resulta em elogio, mau é quando ele louva alguém.
O documento seguinte é uma comunicação do administrador do concelho António José dos Santos, um balasarense adoptivo, como já se sabe. O resto percebe-se.
Ilustríssimo Sr. Presidente e membros da Junta de Paróquia de Balasar
Transmito a V. Senhorias, por cópia, o ofício do Rev. Pároco dessa freguesia em que pede providências acerca do estado em que se acha a igreja e casa de residência para que V. Senhorias, sem perda de tempo, mandem fazer os reparos de que precisam os nomeados edifícios, por isso que é da competência de V. Senhorias, segundo o disposto na carta de lei de 20 de Junho do corrente ano, artigos 15 e 16, poupando-me o desgosto de que, não cumprindo, levar ao conhecimento da autoridade superior a omissão e desmazelo que tem havido da parte de V. Senhorias a semelhante respeito.
Deus guarde a V. Senhorias. Póvoa de Varzim, 6 de Novembro de 1839.
A ameaça à Junta da terra onde o administrador vive e tem netos é um bocado descarada.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Uma ponderosa reclamação

De fins de 1834 até ao regresso do reitor Manuel José Gonçalves da Silva, paroquiou Balasar o P.e Domingos José de Abreu, que residia na freguesia desde há alguns anos. Assinou ora como pároco, ora como coadjutor, ora como cura.
Domingos José de Abreu é o pároco do tempo das obras da actual capela da Santa Cruz e do começo da Junta de Paróquia. Lidou muito de perto com Custódio José da Costa.
Em 9 de Junho deste ano de 1837, a Câmara da Póvoa reuniu extraordinariamente para ouvir uma reclamação dele e de mais alguns moradores de Balasar. Era sem dúvida a primeira vez que um pároco desta freguesia ia à Câmara. Parecia estar em causa algo importante.
Sessão extraordinária de 9 de Junho de 1837
Aos nove dias de Junho de mil oitocentos e trinta e sete, nesta vila da Póvoa de Varzim e salas das sessões onde se achava presente o Presidente António José Vicente Ribeiro de Queirós e mais membros da Câmara Municipal abaixo assinados, por ele Presidente foi declarada aberta a sessão.
Aí compareceram perante esta municipalidade o Pároco da freguesia de Balasar (o P.e Domingos José de Abreu), António Francisco, António da Costa Raposo, António José da Silva e João Lopes, da mesma freguesia, os quais reclamavam perante a Câmara de não terem sido recenseados pela Junta de Paróquia daquela freguesia para votarem e serem votados nas presentes eleições de Câmara e Administrador.
E enquanto ao Rev. Pároco esta Câmara lhe deferiu a sua reclamação pois que como tal precisava-se ter o rendimento da Lei. Quanto aos outros suplicantes, informassem a Junta de Paróquia sobre os motivos que teve para os não recensear, para se lhes deferir na sessão de amanhã. Se deferiram vários requerimentos.
E por nada mais haver houve ele Presidente fechada a sessão, que assinaram.
Eu, António Joaquim de Santana, secretário, o escrevi.
Seguem-se as assinaturas.
Duma reclamação feita nestas circunstâncias esperava-se mais. O Pároco de Balasar saiu-se mal: então ele ignorava coisa tão básica, como era a de não ser suficientemente abastado para participar naquelas eleições? E os outros, davam-se mal com a Junta?
Havia sem dúvida em Balasar fricções, que envolviam também o pároco…
Entre os balasarenes que acompanhavam o P.e Domingos José de Abreu estava o tristemente célebre António da Costa Raposo, que faleceu no ano seguinte, às duas horas da manhã de 22 de Novembro. O pároco assistiu-o nos últimos momentos. António da Costa Raposo tinha feito testamento no dia anterior, isto é, algumas horas antes, assinado a rogo pelo pároco.
A acta falava da eleição do administrador. Ano e meio depois, iria ser eleito António José dos Santos, para substituto, mas que mais adiante passaria a efectivo. Ele vivia em Vila Nova, muito próximo de Vila Pouca, de onde era António da Costa Raposo.

terça-feira, 7 de maio de 2013

“Memórias para a história de um cisma” (2)


Veja-se mais esta citação do (depois) Mons. José Augusto Ferreira, páginas 502-3:
Na diocese de Braga, que abrange todo o Minho (até à criação da diocese de Viana) e parte de Trás-os-Montes (até à criação da diocese de Vila Real), foi onde o scisma alimentado pelas dissenções politicas tomou proporções pavorosas.
Os actos religiosos eram celebrados furtivamente pelas casas particulares; os fieis mais escrupulosos retiravam-se dos templos na occasião em que alguns sacerdotes elevavam a Hóstia sagrada á adoração publica; aos parochos de novo colados ou encommendados era-lhes negada a obediência, que tinha de ser imposta pelo poder civil; n'uma palavra, as coisas chegaram a tal ponto que as janellas d'algumas casas, quer nas cidades, quer nas aldeias, fechavam-se quando alguns sacerdotes novamente nomeados parochos conduziam o sagrado Viatico aos enfermos; finalmente os padres, que não obedeciam ao Vigário Capitular, recusavam assistir aos actos religiosos com os demais ecclesiasticos.
Muito de que aqui se afirma, está documentado para a freguesia de Rates, vizinha de Balasar.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

“Memórias para a história de um cisma” (1)


Quando a pequena Alexandrina fez o seu crisma, paroquiava Vila do Conde o cónego José AugustoFerreira, que foi um notável historiador. Devia então já andar a preparar o seu volumoso livro Memórias para a história de um cisma, que datou de “Villa do Conde, novembro de 1914-1915”.
A Universidade de Toronto digitalizou-o e pode ser consultado aqui. Tem muitos erros de cópia, mas dá uma ideia. Além disso, aos poucos, qualquer pessoa começa a perceber o que estava por trás da maior parte das palavras erradas.
É claro que é um livro muito importante para perceber os anos da revolução liberal, quando apareceu a Santa Cruz em Balasar.
Veja-se como principia a célebre “Carta de Sentença Cível de Património da Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada na freguesia de Santa Eulália de Balasar: 
O Dr. António Pires de Azevedo Loureiro, Desembargador-Provisor, e por ausência do Governador e Vigário Capitular, sede vacante, encarregado interinamente do governo temporal e espiritual deste Arcebispado Primaz, aos Meritíssimos e muito reverendos Senhores […]
O governo tinha colocado à frente da diocese o Dr. Manoel Pires de Azevedo Loureiro, irmão deste Dr. António Pires de Azevedo Loureiro. Transcreve-se agora uma citação do cónego José Augusto Ferreira, pág. 514: 
O dr. Manoel Pires de Azevedo Loureiro era, pois, um Vigário Capitular sem missão nem successão legitima, e sem eleição canónica, portanto um intruso e scismatico. […]
No principio do anno de 1836 o dr. Loureiro, que era deputado, partiu para Lisboa, a fim de occupar o seu logar na Camara, e por isso delegou o governo da diocese em seu irmão Dr. António Pires d' Azevedo Loureiro, que desempenhava o cargo de Provisor.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Custódio José da Costa numa das primeiras actas da Junta de Paróquia de Balasar


O P.e Leopoldino transcreve um excerto duma acta da Junta de Paróquia de Balasar com data de 4 de Maio de 1837. Esta Junta era a primeira da freguesia e devia ter sido eleita apenas alguns dias antes. Que pressa tinham de incomodar o benemérito Custódio José da Costa! Deliberaram eles:
… sendo do seu dever tomar conta do rendimento de uma capela desta freguesia no lugar do Calvário e intitulada do Senhor da Cruz, que adminis­trava o Custódio José da Costa da mesma freguesia; nomeamos para tesoureiro da mesma capela Custódio José da Costa para este dar contas a esta Junta no prazo de oito dias, com pena de pagar a multa que a lei lhe determinar, e não dispor de rendimentos alguns sem ordem desta Junta, assim como de missas e outros mais rendimentos que devem ser ditas na mesma capela.
A pressa deles era pelo dinheiro. Mas pelos vistos tiveram de esperar meio ano, como informa o mesmo P.e Leopoldino:
Aquela entidade tomou contas ao administrador da capela em sessão de 21 de Janeiro do ano seguinte e neste mesmo acto nomeou uma comissão para servir o Senhor da Cruz, constituída por dois administradores, dois zeladores e um escrivão. O escrivão era Manuel Fernandes da Silva Campos.
Que será feito deste livro das actas? O P.e Leopoldino, se calhar, levou-o para a Póvoa e não o devolveu mais… Como seria útil para conhecermos o ambiente do tempo, de quando incorria em crime de cisma quem quisesse ser obediente à autoridade religiosa legítima, isto é, reconhecida pela Santa Sé! 

A inscrição do degrau do altar da capela da Santa Cruz


“Num degrau do altar (da capela da Santa Cruz), sobre o qual está implantada a cruz, vê-se esta inscrição, em abreviaturas, excelente quebra-cabeças para os epigrafistas”. P.e Leopoldino Mateus
Segundo o mesmo P.e Leopoldino, o que está na inscrição é isto:
O.M.F.P.
J.F.C.D.S.
D.P.A.S.D.
EM. 1833
Ainda não verificámos se esta leitura está inteiramente correcta, porque a exactidão é importante para tentar uma descodificação.
A nosso ver, a primeira linha diz: “Obra Mandada Fazer Por”. Se isto for verdade, nas duas linhas seguintes estarão as iniciais dos nomes dos benfeitores. Se se conservasse em Barcelos a lista do pagamento da décima para 1833 (do que duvidamos), talvez ela ajudasse na descoberta dos nomes deles. Estranho é que não se vejam as iniciais de Custódio José da Costa.
Muitos anos antes, Manuel Nunes Rodrigues, o marido de D. Benta, começou assim a inscrição da sua lápide funerária: "Esta capela e sepultura mandou fazer..." E também concluiu com a indicação do ano.

Erros nos escritos históricos do P.e Leopoldino Mateus

O P.e Leopoldino Mateus foi um grande pároco de Balasar. Conjuntamente com isso, foi pregador de alguma nomeada e sobretudo jornalista.
Foi ainda pioneiro do estudo da história da freguesia. Mas o P.e Leopoldino não dedicava grande tempo à investigação, como se deduz dos seus escritos históricos.
De facto, propalou alguns erros sobre a história de Balasar. O mais evidente deles foi o de afirmar que o padroeiro de Gresufes era S. Adrião, quando, sem margem para dúvida, era S. Salvador. Se fosse S. Adrião, isso tinha de constar no Censual do Bispo D. Pedro e não está lá. E que era S. Salvador atestam-no as Inquirições de 1258 e de 1343, o tombo da freguesia de 1542 e vários outros documentos citados em O Bispo D. Pedro e a Organização da Arquidiocese de Braga.
Afirmou também o P.e Leopoldino que houve uma igreja paroquial no Casal. Estamos hoje em crer que de facto não houve. Parece que devia ter sido erguida aí, nesse populoso e central lugar, mas com certeza não foi.
O que deve estar na origem da ideia da existência desta igreja serão porventura umas propriedades que a paróquia aí possuiu e que até se terão chamado passal. Mas tais propriedades devem ter sido aquelas com que António da Costa Soares dotou a capela de Nossa Senhora da Piedade.
O facto é que em 1542 a igreja paroquial estava no Matinho e não se dá nenhuma indicação de que fosse construção recente. E a paróquia possuía aí largos haveres. E nos muitos documentos contidos no dossiê da construção da capela de nossa Senhora da Piedade não há qualquer alusão à antiga igreja paroquial.