O ex-voto oferecido por Bernardina Rosa
da Costa, embora evoque um facto político de 1834, não deve ser o mais antigo
pois ele supõe uma acusação implícita contra os liberais e isso devia ser muito
mal aceite naquele ano e seguintes. Mas pode ser contemporâneo do regresso do
pároco de Touguinhó à sua abadia, em 1841.
“Milagre que fez a Santa Cruz a
Bernardina Rosa da Costa, de Touguinhó, quando foi o seu abade preso e não foi
à cadeia, no ano de 1834, quando o botaram fora da sua igreja”.
Touguinhó pertencia então ao de Barcelos,
como Balasar.
Na imagem, vêem-se certamente a
Bernardina Rosa e o seu pároco, de joelhos, frente a uma grande Cruz meia
erguida do chão. Sobre esta, como que a garantir-lhe força milagrosa, pairam
numa nuvem quatro personagens celestes, de quem só vemos os rostos. Da nuvem
projecta-se como que um feixe luminoso em direcção à Cruz.
Bernardina Rosa tem a cabeça coberta e o
abade de Touguinhó enverga sobrepeliz.
A Cruz parece encontrar-se no interior
duma construção, que não se assemelhava a nada que existisse em Balasar.
Reparar na gritante incorrecção da
escrita.
Este ex-voto é um documento histórico
notável.
O abade de Touguinhó chamava-se Custódio
José de Araújo Pereira, era muito rico, excelente pessoa e miguelista. Variadas
razões para ser maltratado em 1834, ano da derrota de D. Miguel. Além disso,
Touguinhó era uma paróquia com um rendimento enorme. Até se dizia:
Em Touguinha estou,
Tougues vejo (do outro lado do Ave),
Touguinhó desejo.
Encontrámos no Arquivo Municipal de Vila
do Conde este documento que fala do P.e Custódio José de Araújo Pereira:
Administração Geral do Distrito do Porto
Confidencial
Ilustríssimo Sr. Administrador do
Concelho de Vila do Conde
Ilustríssimo
Senhor
O Senhor Administrador Geral Interino
manda remeter a V. Senhoria o incluso requerimento documentado em que o
presbítero Custódio José de Araújo Pereira, colado na Igreja de S. Salvador de
Touguinhó, desse Concelho, da qual se acha suspenso, a fim de V. Senhoria,
procedendo às mais severas e escrupulosas indagações, informe confidencialmente
acerca do comportamento moral e político do requerente, declarando se julga que
a sua restituição ao exercício paroquial será bem recebida pelos paroquianos e
acrescentando tudo o que julgar próprio a ilustrar sobre o pedido de
restituição.
Deus Guarde a V. Senhoria.
Porto, 25 de Agosto de 1840.
José Luís Pinto, Chefe da (?) Repartição
A classificação dum documento como
confidencial era rara e as indagações deviam ser “as mais severas e
escrupulosas”.
Que liberais que eram aquelas
autoridades!
Custódio
José de Araújo Pereira, abade de Touguinhó
O abade mencionado pelo ex-voto de
Bernardina Rosa Costa à Santa Cruz de Balasar nascera em 1777 ou 1778, no lugar
do Paço, da freguesia do Couto de S. Salvador do Souto, Terras de Bouro, e
coadjuvou o seu tio e homónimo em Touguinhó desde 1803, tornando-se abade
titular em 1818.
Conta-se que o abade Custódio José, em
1834, temendo a perseguição, se ausentou para a terra natal. Mas, segundo o
ex-voto, as coisas foram menos pacíficas: o abade Custódio José foi preso e
puseram-no fora da sua abadia.
Em 1838, pediu autorização ao Governo
civil para regressar a Touguinhó, o que só terá concretizado em 1841.
Herdou do seu antecessor uma muito
grande fortuna e, «apesar de ter desbaratado muito dinheiro na causa
miguelista, ainda assim continuou rico bastante, como pároco de Touguinhó, para
mandar fazer uma igreja nova, como prometeu (…) em 9 de Dezembro de 1930»
(Silva Rodrigues).
De acordo com o inquérito de 1825,
transcrito pelo P.e Franklin N. Soares, Custódio José de Araújo Pereira tinha
48 anos e residia em Touguinhó desde há 23; era “de bom porte e distintos costumes”.
A avaliação do P.e Domingos da Soledade
Silos, vinte anos mais tarde, é diferente, como era de esperar. Depois de ter
dito que o abade Custódio José tinha residido sempre em Touguinhó, “à excepção
de seis anos, que esteve fora do benefício por ter dado donativos a D. Miguel,
do qual foi sectário acérrimo”, declara que ele tem 67 anos e que a “sua
conduta é boa, porque a sua idade e educação o não deixa ser mau”.
Esqueceu-se certamente de dizer que fora
este abade que pagara a nova igreja e provavelmente também a grandiosa
residência. Se é que não pagara antes também a Ponte d’Este… pois quem a faria
naquele agitado ano de 1834? A Câmara de Barcelos não terá sido (não vimos
qualquer referência a ela nas actas camarárias), e era a este concelho que
então pertencia Touguinhó…
Escreve Franklin N. Soares que o testamento
deste abade, feito em 21 de Outubro de 1852, é “impressionante pela enorme
riqueza e caridade cristã e reflecte bem a espiritualidade do seu tempo”. Afora
as muitas doações que ordena, determina que sejam celebradas por sua alma 2.251
missas…
Estas imagens ao fundo representam a fachada principal e o retábulo do altar-mor da igreja paroquial de Touguinhó, a primeira construída no período liberal nas redondezas de Balasar.
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