sexta-feira, 24 de maio de 2013

O milagre de Bernardina Rosa da Costa (4)

O ex-voto oferecido por Bernardina Rosa da Costa, embora evoque um facto político de 1834, não deve ser o mais antigo pois ele supõe uma acusação implícita contra os liberais e isso devia ser muito mal aceite naquele ano e seguintes. Mas pode ser contemporâneo do regresso do pároco de Touguinhó à sua abadia, em 1841.
“Milagre que fez a Santa Cruz a Bernardina Rosa da Costa, de Touguinhó, quando foi o seu abade preso e não foi à cadeia, no ano de 1834, quando o botaram fora da sua igreja”.
Touguinhó pertencia então ao de Barcelos, como Balasar.
Na imagem, vêem-se certamente a Bernardina Rosa e o seu pároco, de joelhos, frente a uma grande Cruz meia erguida do chão. Sobre esta, como que a garantir-lhe força milagrosa, pairam numa nuvem quatro personagens celestes, de quem só vemos os rostos. Da nuvem projecta-se como que um feixe luminoso em direcção à Cruz.
Bernardina Rosa tem a cabeça coberta e o abade de Touguinhó enverga sobrepeliz.
A Cruz parece encontrar-se no interior duma construção, que não se assemelhava a nada que existisse em Balasar.
Reparar na gritante incorrecção da escrita.
Este ex-voto é um documento histórico notável.
O abade de Touguinhó chamava-se Custódio José de Araújo Pereira, era muito rico, excelente pessoa e miguelista. Variadas razões para ser maltratado em 1834, ano da derrota de D. Miguel. Além disso, Touguinhó era uma paróquia com um rendimento enorme. Até se dizia:
Em Touguinha estou,
Tougues vejo (do outro lado do Ave),
Touguinhó desejo.
Encontrámos no Arquivo Municipal de Vila do Conde este documento que fala do P.e Custódio José de Araújo Pereira:

Administração Geral do Distrito do Porto
Confidencial

Ilustríssimo Sr. Administrador do Concelho de Vila do Conde

Ilustríssimo Senhor
O Senhor Administrador Geral Interino manda remeter a V. Senhoria o incluso requerimento documentado em que o presbítero Custódio José de Araújo Pereira, colado na Igreja de S. Salvador de Touguinhó, desse Concelho, da qual se acha suspenso, a fim de V. Senhoria, procedendo às mais severas e escrupulosas indagações, informe confidencialmente acerca do comportamento moral e político do requerente, declarando se julga que a sua restituição ao exercício paroquial será bem recebida pelos paroquianos e acrescentando tudo o que julgar próprio a ilustrar sobre o pedido de restituição.
Deus Guarde a V. Senhoria.

Porto, 25 de Agosto de 1840.
José Luís Pinto, Chefe da (?) Repartição

A classificação dum documento como confidencial era rara e as indagações deviam ser “as mais severas e escrupulosas”.
Que liberais que eram aquelas autoridades!


Custódio José de Araújo Pereira, abade de Touguinhó

O abade mencionado pelo ex-voto de Bernardina Rosa Costa à Santa Cruz de Balasar nascera em 1777 ou 1778, no lugar do Paço, da freguesia do Couto de S. Salvador do Souto, Terras de Bouro, e coadjuvou o seu tio e homónimo em Touguinhó desde 1803, tornando-se abade titular em 1818.
Conta-se que o abade Custódio José, em 1834, temendo a perseguição, se ausentou para a terra natal. Mas, segundo o ex-voto, as coisas foram menos pacíficas: o abade Custódio José foi preso e puseram-no fora da sua abadia.
Em 1838, pediu autorização ao Governo civil para regressar a Touguinhó, o que só terá concretizado em 1841.
Herdou do seu antecessor uma muito grande fortuna e, «apesar de ter desbaratado muito dinheiro na causa miguelista, ainda assim continuou rico bastante, como pároco de Touguinhó, para mandar fazer uma igreja nova, como prometeu (…) em 9 de Dezembro de 1930» (Silva Rodrigues).
De acordo com o inquérito de 1825, transcrito pelo P.e Franklin N. Soares, Custódio José de Araújo Pereira tinha 48 anos e residia em Touguinhó desde há 23; era “de bom porte e distintos costumes”.
A avaliação do P.e Domingos da Soledade Silos, vinte anos mais tarde, é diferente, como era de esperar. Depois de ter dito que o abade Custódio José tinha residido sempre em Touguinhó, “à excepção de seis anos, que esteve fora do benefício por ter dado donativos a D. Miguel, do qual foi sectário acérrimo”, declara que ele tem 67 anos e que a “sua conduta é boa, porque a sua idade e educação o não deixa ser mau”.
Esqueceu-se certamente de dizer que fora este abade que pagara a nova igreja e provavelmente também a grandiosa residência. Se é que não pagara antes também a Ponte d’Este… pois quem a faria naquele agitado ano de 1834? A Câmara de Barcelos não terá sido (não vimos qualquer referência a ela nas actas camarárias), e era a este concelho que então pertencia Touguinhó…

Escreve Franklin N. Soares que o testamento deste abade, feito em 21 de Outubro de 1852, é “impressionante pela enorme riqueza e caridade cristã e reflecte bem a espiritualidade do seu tempo”. Afora as muitas doações que ordena, determina que sejam celebradas por sua alma 2.251 missas…
Estas imagens ao fundo representam a fachada principal e o retábulo do altar-mor da igreja paroquial de Touguinhó, a primeira construída no período liberal nas redondezas de Balasar.

1 comentário:

  1. possuo muitas coisas antigas e penso eu de grande importancia para a paróquia. Tenho cerca de 6 ou 7 castiçais em madeira pintados a azul e talha dourada completos e em bom estado de conservação que pertenceram a igreja de balasar ainda no tempo que tinha a talha dourada;cerca de 5 ou 6 cruzes com cerca de 20 a 30 cm em madeira pintados de preto e marcados com números que serviam para a Via Sacra que também era da igreja antes do restauro;2 estampas muito bonitas que ilustram 2 passagens da via sacra (uma delas ainda está dentro de um quadro) que estavam pendurados debaixo das cruzes que falei;4 livros que pertenceram ao padre Celestino Furtado todos assinados,carimbados com o seu carimbo pessoal e numerados (para a sua biblioteca) um deles é o Manual do Peregrino a Lurdes de 1908 que eu acho belíssimo com os canticos da procissão,letras e pautas de música para piano,leituras piedosas durante a viagem,via sacra e muito mais e que contem a dedicatória "Padre Celestino Domingues da Silva Furtado que lhe deu o Rev. Vice Reitor no anno da peregrinação portugueza a Lurdes";uma fotografia original da beata alexandrina tirada pelo p. pinho;uma carta para a Deolinda (irmã da Alexandrina;aquelas folhas que se usavam na missa em latim dentro de uns quadros com lindas iluminuras a volta e lindas cores;vários recortes de imprensa do padre celestino furtado;um diploma da Cruzada que pertenceu ao Padre Manuel Fernandes de Sousa Campos;um livro com todos os números do jornal "Mensageiro Eucarístico" de 1929;um pequeno "Manual de Adoração ao Santíssimo Sacramento" do padre celestino;e um pequeno missal de 1929 da "Festa do Sagrado Coração de Jesus". O que diz a isto?

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