(Palestra na Tuitio Fidei)
Nós vivemos em república e os
espanhóis em monarquia. Para o meu entender, nem eles ganham muito com o regime
monárquico nem nós perdemos muito com o republicano. Isto é, uma monarquia constitucional
e uma república são coisa indiferente para o cidadão comum.
Mas a Primeira República, em
Portugal, foi odiosa, execrável. Porquê?
Pelo modo concreto, tirânico como
se impôs. Parece-me que os republicanos eram movidos principalmente pelo ódio
contra a Igreja mais que pelo amor à república. Maçónicos, queriam destruir a
Igreja.
O decreto da extinção das Ordens
Religiosas deve ter sido o primeiro, data de 8 de Outubro, e elas só estavam
legalizadas desde há nove anos.
A pequena Alexandrina veio para a Póvoa
de Varzim em Janeiro de 1911, para a Escola Mónica Cardia, que ficava frente à
actual estação do Metro, e viveu em casa dum carpinteiro, na Rua da Junqueira, e a República fora proclamada no Outubro
anterior. Na Póvoa foi proclamada em 7 deste mês.
Como na altura a Póvoa ainda era uma
única paróquia, ela era paroquiana da Matriz, de que era Prior o P.e Manuel
Martins Gonçalves da Silva, o padre viúvo, como lhe chamavam, pois fora casado
por algum tempo antes de concluir os estudos de teologia.
Nesse Janeiro, já os Padres Jesuítas, as
Irmãs Doroteias e as Irmãs de Caridade tinham ido embora há dois meses, muito
poucos dias depois da proclamação. Os Jesuítas foram no dia 8, as Irmãs
Doroteias no dia 9 e as Irmãs de Caridade, que trabalhavam no hospital, no dia
11.
Quando, em Abril de 1911, vem a Lei da
Separação, a situação complica-se ainda muito mais. E segundo a democracia
dessa lei, os párocos nem a podiam comentar. E as penas eram muito severas. A
situação tornou-se terrível para padres e fiéis empenhados.
De acordo com tal tirânica lei, a
pequena Alexandrina mal estava autorizada a frequentar a igreja, mas pelos
vistos frequentou-a sempre. A lei estabelecia:
As crianças em
idade escolar, que ainda não tiverem comprovado legalmente a sua habilitação em
instrução primária elementar, não podem assistir ao culto durante as horas das
lições.
Ela ainda não tinha “a sua habilitação
em instrução primária elementar”. E onde estava o ensino primário que todos
pudessem frequentar?
Certo, certo é que o pároco local reagia
altivamente ao ambiente persecutório, o que o levará, em Março de 1912, para o
exílio.
No tempo havia na Póvoa muitos jornais:
o do Prior, O Poveiro, dois jornais
antigos, O Liberal e a Estrela Povoense, e ainda os jornais
recentes O Comércio da Póvoa de Varzim,
O Intransigente e A Propaganda. Os dois últimos, creio que
ligados aos brasileiros republicanos, eram radicais e consequentemente anticlericais.
O Comércio continha-se mais, mas era
também cruamente republicano. O Liberal
e a Estrela Povoense, que eram órgãos
dos antigos partidos regenerador e progressista, tentaram manter-se calmos a
ver onde as coisas iriam parar.
A este nível da imprensa, a luta desenrolou-se
entre O Poveiro e os três jornais
republicanos. Foi muito dura. Quem nela participou foi o P.e Leopoldino, mas
sempre anónimo. Embora O Poveiro
tivesse uma tiragem muito superior à de todos os outros, acabou por ser
primeiro censurado, depois levado a tribunal e por fim silenciado.
O director do Comércio era Santos Graça, um verdadeiro algoz da Igreja naqueles
tempos, que foi administrador do concelho e que nessa qualidade promoveu os
arrolamentos, o roubo das igrejas e dos passais. Foi ele que censurou, levou a
tribunal e promoveu o silenciamento d’O
Poveiro - que alcançava dimensão
nacional.
Um homem que precedeu Santos Graça na
administração do concelho e que também se distinguiu no ataque violento à
Igreja foi Sebastião Tomás dos Santos, professor do Liceu, a escola onde eu
ensinei mais de trinta anos. Era natural de Carregal do Sal e veio para a Póvoa
em 1908 por qualquer relação sua com o regicídio.
Diz a Alexandrina que fez a Primeira
Comunhão com sete anos de idade e que a encarregada da sua educação a levava a
comungar diariamente.
O Crisma, recebeu-o em Vila do Conde das
mãos dum bispo no exílio, o então Bispo do Algarve, D. António Barbosa Leão.
Citações:
Ainda na Póvoa de Varzim - escreveu a
Alexandrina - lembro-me que tinha muito respeito pelos sacerdotes. Quando
estava sentada à porta da rua, só ou com a minha irmã e primas, levantava-me
sempre à sua passagem, e eles correspondiam tirando o chapéu, se era de longe,
ou dando-me a bênção se passavam junto de mim. Observei algumas vezes que
várias pessoas reparavam nisto e eu gostava e até chegava a sentar-me
propositadamente para ter ocasião de me levantar no momento em que passavam por
mim, só para ter o gosto de mostrar a minha dedicação e respeito pelos
ministros do Senhor.
Sobretudo nos jornais mais radicais, os
sacerdotes eram ridicularizados, com insinuações torpes. Sebastião Tomás dos
Santos, em 5 de Outubro de 1911, no primeiro aniversário da república,
pronunciou um discurso no Clube Afonso Costa onde atacou durissimamente a
Igreja, a partir da Inquisição e de casos franceses de pedofilia.
A citação da Alexandrina ajusta-se bem à
quadra com que, segundo a sua irmã, ela gostava de irritar os
guardas-republicanos, e que era esta:
Co'as barbas de
Afonso Costa
Nós faremos um
pincel
Para engraxar as
botas
Ao bom Rei D.
Manuel.
Não se sabe se estes versos correspondem
exactamente ao que ela cantava, pois são traduzidos do italiano, do livro Cristo Gesù in Alexandrina.
Mas um dia os guardas-republicanos
assustaram-na muito. A ela e à irmã:
Depois de umas férias, ia para a Póvoa,
eu e a minha irmã; tínhamos quem nos acompanhasse, mas só depois de
atravessarmos a freguesia. Íamos pelo caminho-de-ferro e avistámos ao longe
dois guardas-republicanos. Tivemos medo deles e refugiámo-nos na volta de um
caminho. Como minha irmã levasse um cestinho com linho, eles imaginaram que ela
levava fósforos (espera-galegos) – proibidos naquele tempo – e perseguiram-nos.
Nós fugimos e gritámos muito. Aos nossos gritos acudiram várias pessoas. Já
estavam para fazer fogo quando compreenderam que não éramos portadoras de tal
contrabando.
Felizmente desta vez escapámos à morte.
Esta frase é de quem sentiu
terror, um terror não ocasional.
O Crisma
Foi em Vila do Conde onde recebi
o Sacramento da Confirmação, ministrada pelo Exmo. Rev. Sr. Bispo do Porto.
Lembro-me muito bem desta cerimónia e recebi-a com toda a consolação.
No momento em que fui crismada,
não sei o que senti em mim: pareceu-me ser uma graça sobrenatural que me
transformou e me uniu cada vez mais a Nosso Senhor.
Sobre isto, queria exprimir-me
melhor, mas não sei.
Este bispo do Porto, então do Algarve, chamava-se D. António Barbosa Leão; como ele, todos os restantes bispos residiram fora das suas dioceses, como castigo de não aceitarem a imposição governamental das Cultuais.
O arcebispo de Braga, D. Manuel Baptista da Cunha, viveu parte
do seu exílio em Vila do Conde (19 de Dezembro de 1912 a 13 de Maio de 1913), onde faleceu de
morte natural.
Era então pároco da Vila o ilustradíssimo Monsenhor José
Augusto Ferreira.
Não é impossível que na mesma
ocasião em que a Alexandrina foi crismada o fosse também o futuro José Régio.
Há uma pergunta que se deve fazer: que
pensará mais tarde uma pessoa como a Alexandrina sobre os perseguidores da sua infância,
a quem teve de resistir? Que regime opressor fora esse?
E convém lembrar que o P.e Mariano
Pinho, que era seminarista em 1910, viveu muito tempo no exílio (Espanha,
Bélgica, Áustria, França e Brasil). O P.e Leopoldino foi muito humilhado.
Uma festa um pouco
atribulada no Outeiro Maior (ao lado de Balasar), em 1911
Documento da perseguição republicana no concelho de Vila do Conde
Outeiro (Maior), Vila do Conde, 2/8/1911
Realizou-se no domingo passado a
festividade do Coração de Jesus, precedida de práticas preparatórias feitas
pelo novel orador sagrado Adelino Anselmo de Matos, pároco de Curvos,
Esposende, que muito agradou e tirou abundante fruto, não obstante ter sido
chamado à última hora.
De manhã houve comunhão geral,
distribuindo-se o Pão dos Anjos a umas trezentas pessoas.
De tarde realizou-se uma procissão
em honra do SS. Sacramento, promovida por um grupo de devotos e que este ano
quiseram cooperar com a Associação do Coração de Jesus, revestindo a festa mais
solenidade em virtude de se ter levantado um novo e lindo cruzeiro oferecido à
freguesia por um grupo de briosos rapazes que daqui foram para o Brasil e que,
entregues ao labutar constante da vida, não se esqueceram da sua terra natal
nem da sua fé.
À frente da procissão ia uma
bandeira que, pela sua frente, em puro veludo de sedas, ostenta os emblemas do
Coração de Jesus, circundados por um ramo a ouro, entrelaçado por uma fita a
matiz, rematando tudo em uma espécie de dossel, que produz um efeito
surpreendente. Do lado oposto, encontra-se, também bordado a ouro, o emblema
JHS, tendo ao fundo um ramo a matiz de belo gosto, e ao cimo a palavra
“particular”, em semicírculo.
Como que a pôr um embargo à
alegria que todos sentiam no meio de tão linda e religiosa festividade, por ser
a única que agrada e consola o coração do verdadeiro cristão e está no ânimo de
todos os habitantes desta freguesia, apareceu um ofício do cidadão
Administrador do Concelho de Vila do Conde, com a nota de “urgente”, que ao
conhecer-se produziu o efeito de um frigidíssimo duche. Dizia assim:
Ao cidadão regedor da
freguesia de Outeiro.
Tendo conhecimento de que
nessa freguesia se costuma anualmente fazer umas práticas e confissões, sob a
denominação de Coração de Jesus, tenho a dizer-lhe que tais práticas são
proibidas e punidas por lei. Queira pois não consentir e participar-me, caso
não sejam acatadas as minhas ordens.
Saúde e fraternidade.
Vila do Conde, 27 de Julho de
1911.
O Administrador do Concelho –
Luís da Silva Neves.
Está claro que se a autoridade da
freguesia – o Sr. António Gonçalves de Azevedo – não fosse um cavalheiro prudente,
um católico prático a quem agradam sobremaneira os actos da nossa santa
religião, na qual se esmera por educar toda a sua família, este ofício viria
privar este bom povo da sua querida festa, contristando-o e talvez exaltando-o.
Felizmente tudo se fez sem o mais pequeno incidente e no meio da mais franca
alegria. – P. A. (Pombal Amorim, que era
o pároco)
(Informação saída no jornal O
Poveiro, da Póvoa de Varzim, em 10/8/1911. P. A. corresponde a Pombal
Amorim, que era o pároco).
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