A mais antiga notícia sobre a Santa Cruz
de Balasar data de 6 de Agosto de 1832, mês e meio após a sua aparição no dia
do Corpo de Deus, e encontra-se numa exposição dirigida pelo reitor António
José de Azevedo à autoridade eclesiástica de Braga. Dividimo-la aqui em quatro
fragmentos:
Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Notícia da
aparição
Dou parte a Vossa Excelência de um caso
raro acontecido nesta freguesia de Santa Eulália de Balasar.
No dia de Corpo de Deus próximo
pretérito, indo o povo da missa de manhã em um caminho que passa no monte
Calvário, divisaram uma cruz descrita na terra: a terra que demonstrava esta
cruz era de cor mais branca que a outra: e parecia que, tendo caído orvalho em
toda a mais terra, naquele sítio que demonstrava a forma da cruz não tinha
caído orvalho algum.
Mandei eu varrer todo o pó e terra solta
que estava naquele sítio; e continuou a aparecer como antes no mesmo sítio a
forma da cruz. Mandei depois lançar água com abundância tanto na cruz como na
mais terra em volta; e então a terra que demonstrava a forma da cruz apareceu
de uma cor preta, que até ao presente tem conservado.
A haste desta cruz tem quinze palmos de
comprido e a travessa oito; nos dias turvos divisa-se com clareza a forma da
cruz em qualquer hora do dia e nos dias de sol claro vê-se muito bem a forma da
cruz de manhã até as nove horas e de tarde quando o sol declina mais para o
ocidente, e no mais espaço do dia não é bem visível.
Reacções
populares e milagres
Divulgada a notícia do aparecimento
desta cruz, começou a concorrer o povo a vê-la e venerá-la; adornavam-na com
flores e davam-lhe algumas esmolas; e dizem que algumas pessoas por meio dela
têm implorado o auxílio de Deus nas suas necessidades e que têm alcançado o
efeito desejado, bem como: sararem em poucos dias alguns animais doentes;
acharem quase como por milagroso animais que julgavam perdidos ou roubados e
até algumas pessoas terem obtido em poucos dias a saúde em algumas enfermidades
que há muito padeciam. E uma mulher da freguesia da Apúlia, que tinha um dedo
da mão aleijado, efeito de um penando que nela teve, tocando a Cruz com o dito
dedo, repentinamente ficou sã, movendo e endireitando o dedo como os outros da
mesma mão, cujo facto eu não presenciei, mas o atestam pessoas fidedignas que
viram.
Enfim, é tão grande a devoção que o povo
tem com a dita cruz que nos domingos e dias santos de guarda concorre povo de
muito longe a vê-la e venerá-la, fazem romarias ora de pé ora de joelhos em
volta dela e lhe deixam esmolas; e eu nomeei um homem fiel e virtuoso para
guardar as esmolas.
Ideia duma "espécie de capela"
Querem agora alguns moradores desta
freguesia com o dinheiro das esmolas se faça, no sítio onde está a cruz, como
uma espécie de capela cujo tecto, coberto de tabuado, seja firmado em colunas
de madeira e em volta cercado de grades também de madeira, para resguardo e
decência da mesma cruz e, dentro e defronte da cruz descrita na terra, pôr e
levantar outra cruz feita de madeira, bem pintada, com a Imagem de Jesus
Crucificado pintada na mesma cruz.
Opinião do
signatário
Eu não tenho querido anuir a isto sem
dar a Vossa Excelência parte do acontecido e mesmo em fazer a sobredita obra
sem licença de Vossa Excelência, persuadido que nem eu nem os moradores da
freguesia temos autoridade para dispor a nosso arbítrio do dinheiro das
esmolas, que por agora ainda é pouco e não chega para se fazer obra mais
dispendiosa e decente à proporção do objecto.
Agora sirva-se Vossa Excelência
determinar o que lhe parecer e o que eu devo praticar a este respeito.
Santa Eulália de Balasar, aos seis dias
do mês de Agosto de mil oito centos trinta e dois.
De Vossa Excelência Súbdito o mais
reverente,
O Reitor António José de Azevedo.
Em Braga, quiseram ouvir a opinião do
pároco de Gondifelos (pelo nome parece irmão do pároco de Balasar), que tem a data
do dia oito:
Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Em observância da determinação de Vossa
Excelência fui à freguesia de Balasar observar a mencionada cruz, o que eu já
há tempos tinha feito de meu voto próprio, e acho que ela continua a aparecer,
posto que menos clara do que então a vi.
Tem sido muito grande o concurso de povo
para a ver, vindo de terras distantes; e, se ela continuar a existir de forma
que se não desvaneça, me parece que virá a ser objecto de grande veneração; e
no entanto sempre me merece algum culto ao menos.
O que o Reverendo [reitor de Balasar] representa a Vossa Excelência é quanto se me
oferece dizer a Vossa Excelência, que determinará o que for servido.
Gondifelos, oito de Agosto de mil e oito centos trinta e dois.
De Vossa Excelência Súbdito Reverente –
o Abade Manuel José de Azevedo
E
ao quarto dia veio a autorização para a construção da capela:
Concedo a licença pedida, ficando a
cargo do Reverendo representante o evitar qualquer culto supersticioso que
possa haver da parte do povo ignorante.
Braga, nove de Agosto de mil e oito
centos trinta e dois.
Com
a rubrica do Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Vigário capitular
A situação política era má,
embora D. Miguel ainda se sentisse bastante seguro (o irmão, com os liberais,
estava cercado no Porto). Isso, a evidência de se estar perante algo milagroso
e a afluência de populares hão-de ter concorrido para acelerar a decisão do Vigário Capitular.
Hoje chamamos capela ao templozinho que cobre o espaço onde se mostrou a Santa Cruz, mas o que foi pedido em 1832 foi "uma espécie de capela", a que depois se chamou "uma espécie de oratório". Pelos vistos, não se esperava celebrar aí a Santa Missa. Pretendia-se cobrir o espaço, mas não fechá-lo. O inverno porém deve ter lavado a encerrá-lo para evitar que a enxurrada destruísse tudo.
Hoje chamamos capela ao templozinho que cobre o espaço onde se mostrou a Santa Cruz, mas o que foi pedido em 1832 foi "uma espécie de capela", a que depois se chamou "uma espécie de oratório". Pelos vistos, não se esperava celebrar aí a Santa Missa. Pretendia-se cobrir o espaço, mas não fechá-lo. O inverno porém deve ter lavado a encerrá-lo para evitar que a enxurrada destruísse tudo.
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