quinta-feira, 16 de maio de 2013

Uma "espécie de capela" cuja construção se decidiu em quatro dias

A mais antiga notícia sobre a Santa Cruz de Balasar data de 6 de Agosto de 1832, mês e meio após a sua aparição no dia do Corpo de Deus, e encontra-se numa exposição dirigida pelo reitor António José de Azevedo à autoridade eclesiástica de Braga. Dividimo-la aqui em quatro fragmentos:

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor

Notícia da aparição

Dou parte a Vossa Excelência de um caso raro acontecido nesta freguesia de Santa Eulália de Balasar.
No dia de Corpo de Deus próximo pretérito, indo o povo da missa de manhã em um caminho que passa no monte Calvário, divisaram uma cruz descrita na terra: a terra que demonstrava esta cruz era de cor mais branca que a outra: e parecia que, tendo caído orvalho em toda a mais terra, naquele sítio que demonstrava a forma da cruz não tinha caído orvalho algum.
Mandei eu varrer todo o pó e terra solta que estava naquele sítio; e continuou a aparecer como antes no mesmo sítio a forma da cruz. Mandei depois lançar água com abundância tanto na cruz como na mais terra em volta; e então a terra que demonstrava a forma da cruz apareceu de uma cor preta, que até ao presente tem conservado.
A haste desta cruz tem quinze palmos de comprido e a travessa oito; nos dias turvos divisa-se com clareza a forma da cruz em qualquer hora do dia e nos dias de sol claro vê-se muito bem a forma da cruz de manhã até as nove horas e de tarde quando o sol declina mais para o ocidente, e no mais espaço do dia não é bem visível.

Reacções populares e milagres

Divulgada a notícia do aparecimento desta cruz, começou a concorrer o povo a vê-la e venerá-la; adornavam-na com flores e davam-lhe algumas esmolas; e dizem que algumas pessoas por meio dela têm implorado o auxílio de Deus nas suas necessidades e que têm alcançado o efeito desejado, bem como: sararem em poucos dias alguns animais doentes; acharem quase como por milagroso animais que julgavam perdidos ou roubados e até algumas pessoas terem obtido em poucos dias a saúde em algumas enfermidades que há muito padeciam. E uma mulher da freguesia da Apúlia, que tinha um dedo da mão aleijado, efeito de um penando que nela teve, tocando a Cruz com o dito dedo, repentinamente ficou sã, movendo e endireitando o dedo como os outros da mesma mão, cujo facto eu não presenciei, mas o atestam pessoas fidedignas que viram.
Enfim, é tão grande a devoção que o povo tem com a dita cruz que nos domingos e dias santos de guarda concorre povo de muito longe a vê-la e venerá-la, fazem romarias ora de pé ora de joelhos em volta dela e lhe deixam esmolas; e eu nomeei um homem fiel e virtuoso para guardar as esmolas.

Ideia duma "espécie de capela"

Querem agora alguns moradores desta freguesia com o dinheiro das esmolas se faça, no sítio onde está a cruz, como uma espécie de capela cujo tecto, coberto de tabuado, seja firmado em colunas de madeira e em volta cercado de grades também de madeira, para resguardo e decência da mesma cruz e, dentro e defronte da cruz descrita na terra, pôr e levan­tar outra cruz feita de madeira, bem pintada, com a Imagem de Jesus Crucificado pintada na mesma cruz.

Opinião do signatário

Eu não tenho querido anuir a isto sem dar a Vossa Excelência parte do acontecido e mesmo em fazer a sobredita obra sem licença de Vossa Excelência, persuadido que nem eu nem os moradores da freguesia temos autoridade para dispor a nosso arbítrio do dinheiro das esmolas, que por agora ainda é pouco e não chega para se fazer obra mais dispendiosa e decente à proporção do objecto.
Agora sirva-se Vossa Excelência determinar o que lhe parecer e o que eu devo praticar a este respeito.

Santa Eulália de Balasar, aos seis dias do mês de Agosto de mil oito centos trinta e dois.
De Vossa Excelência Súbdito o mais reverente,
O Reitor António José de Azevedo.

Em Braga, quiseram ouvir a opinião do pároco de Gondifelos (pelo nome parece irmão do pároco de Balasar), que tem a data do dia oito:

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Em observância da determinação de Vossa Excelência fui à freguesia de Balasar observar a mencionada cruz, o que eu já há tempos tinha feito de meu voto próprio, e acho que ela continua a aparecer, posto que menos clara do que então a vi.
Tem sido muito grande o concurso de povo para a ver, vindo de terras dis­tantes; e, se ela continuar a existir de forma que se não desvaneça, me parece que virá a ser objecto de grande veneração; e no entanto sempre me merece algum culto ao menos.
O que o Reverendo [reitor de Balasar] representa a Vossa Excelência é quanto se me oferece dizer a Vossa Excelência, que determinará o que for servido.

Gondifelos, oito de Agosto de mil e oito centos trinta e dois.
De Vossa Excelência Súbdito Reverente – o Abade Manuel José de Azevedo

E ao quarto dia veio a autorização para a construção da capela:

Concedo a licença pedida, ficando a cargo do Reverendo representante o evitar qualquer culto supers­ticioso que possa haver da parte do povo ignorante.
Braga, nove de Agosto de mil e oito centos trinta e dois.
Com a rubrica do Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Vigário capitular


A situação política era má, embora D. Miguel ainda se sentisse bastante seguro (o irmão, com os liberais, estava cercado no Porto). Isso, a evidência de se estar perante algo milagroso e a afluência de populares hão-de ter concorrido para acelerar a decisão do Vigário Capitular.
Hoje chamamos capela ao templozinho que cobre o espaço onde se mostrou a Santa Cruz, mas o que foi pedido em 1832 foi "uma espécie de capela", a que depois se chamou "uma espécie de oratório". Pelos vistos, não se esperava celebrar aí a Santa Missa. Pretendia-se cobrir o espaço, mas não fechá-lo. O inverno porém deve ter lavado a encerrá-lo para evitar que a enxurrada destruísse tudo.

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