Portaria contra o cisma iniciado
por D. Pedro no Porto
Este documento data de Braga, 13 de Maio de 1833.
Isto é, de cerca de um ano após a aparição da Santa Cruz em Balasar.
Os liberais tinham voltado. Estavam sitiados no Porto e
tinham iniciado já a sua obra de divisão na Igreja: começara o cisma.
D. António Alexandre da Cunha
Reis da Mota Godinho, Deão na Santa Sé Primaz de Braga e Vigário Capitular em
todo o Arcebispado, sede vacante, etc.
A todos os súbditos eclesiásticos e Senhores deste Arcebispado saúde e paz
em Jesus Cristo.
Jamais, caríssimos irmãos, a religião santa de Jesus Cristo experimentou
ataques mais violentos que nos infelizes tempos em que vivemos. O partido da
impiedade há crescido desmarcadamente, a irreligião assoma por todo a parte e
parece que chegou verdadeiramente a época prevista pelo apóstolo – “porque virá
tempo – diz ele – em que muitos homens não sofrerão a sã doutrina, mostrando
comichão nos ouvidos, acumularão para si muitos conforme os seus desejos e
assim apartarão os ouvidos da verdade e os aplicarão às fábulas”. Sim, vós
tendes visto levantarem-se falsos profetas que pregam a linguagem do erro e da
dissolução, falsos filósofos que espargem por toda a parte princípios e máximas
subversivas de toda a ordem, assim civil como religiosa.
D. Pedro IV |
A esta guerra do espírito há sucedido outra mais cruel. Portugal, este
reino que antigamente era a coluna mais forte da Fé, porção mais pura da
Igreja, vê já o seu solo manchado, mas com incrédulos, mas com inimigos
declarados da religião santa de Jesus Cristo e da sua Santa Igreja, da qual se
acham separados por meio de um cisma, o mais escandaloso, e com as armas na mão
para (ilegível) o império da anarquia
e da irreligião.
Ainda que os inimigos de que vos falo se achem encerrados na cidade do
Porto, receio contudo que o hálito pestilencial da sua doutrina se possa
transmitir a vós e infestar os incautos e por isso é para mim um dever sagrado
munir-vos com o antídoto da doutrina pura e ortodoxa.
Insultar a sagrada autoridade dos Pontífices, o poder dos Reis, sublevar os
cidadãos contra o governo civil e eclesiástico, eis as divisas desses rebeldes
a quem o valor do nosso fiel exército encerra dentro dos muros da cidade do
Porto e que lentamente vai expirando, vítimas de fome e desesperação.
Fechai vossos ouvidos a essas vozes de sedução e do erro e também as vozes
da irreligião e consultando seus oráculos achareis – que dois poderes foram
estabelecidos para governar os homens: autoridade sagrada dos Pontífices e dos
Reis. Uma e outra vêm imediatamente de Deus, de quem emana todo o poder. Cada
poder tem seu fim particular, ao qual se dirige. O poder secular tem por
objecto a felicidade dos homens no século presente; o poder eclesiástico tem
por objecto a vida futura: dois objectos preciosos à humanidade.
Eis, caríssimos irmãos, os princípios sólidos da moral e da natureza.
Vós sabeis que a autoridade da Igreja reside no corpo dos Bispos, unido ao
primeiro Pastor dela, a quem Jesus Cristo disse na pessoa dos Apóstolos: “Ide,
ensinai a todas as nações e baptizai em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo”.
Daqui procede que ninguém se pode a si erigir bispo e pastor sem missão
legítima. Esta se prova por uma sucessão não interrompida que se remonta (?) até os Apóstolos que Jesus Cristo enviou.
Aquele que lhes não sucede é um profano, estranho, que a Igreja de Jesus
Cristo não conheceu.
Tal é, caríssimos irmãos, Frei Manuel da Santa Inês, religioso da Ordem
Reformada de Santo Agostinho, o qual, bandeado com os rebeldes da cidade do
Porto, ousa, em seus éditos, apelidar-se Governador e Vigário Geral Capitular
do Bispado do Porto e interinamente deste Arcebispado de Braga, por nomeação do
Senhor D. Pedro.
Vós sabeis e eu o deixo dito que o poder eclesiástico é independente do
temporal, todos os graus da hierarquia eclesiástica se prendem debaixo de uma
só cabeça visível, que é o Vigário de Cristo na terra. Dizer pois Frei Manuel
da Santa Inês que é Vigário Capitular de um bispado onde há canonicamente um
bispo e de um arcebispado onde há vigário capitular canonicamente eleito e
dizer-se constituído por um governo temporal e até ilegítimo é cisma mais
declarado, que abertamente desata o laço da unidade. Não há sucessão, não há
missão, não há eleição canónica feita. Podemos dizer que é Frei Manuel da Santa
Inês do número dos pastores que não entram pela porta do aprisco e aplicar-lhe
o texto de S. João: qui non
intrat per ostium in ovile ovium, sed ascendit aliunde, ille fur est, et latro[1].
Mas, graças à Providência, ela não permitiu ainda que vós estivésseis
separados da verdadeira comunhão da Igreja: apenas esses infiéis habitantes da
cidade do Porto, alistados debaixo das bandeiras da rebelião e sitiados pelo
nosso fiel Exército é que estão debaixo da influência de um (ilegível) apóstolo e para os quais, a
não lhes valer o favor da necessidade e da união mística com o bispo diocesano,
não pode haver salvação.
Graças ao feliz governo do nosso legítimo Rei, o Senhor D. Miguel Primeiro,
à firmeza do nosso Exército e aos sacrifícios que toda a Nação há feito, a bem
da sagrada causa da Religião e do Trono, por cujos esforços e sobretudo com
auxílio divino, esperamos acabar de debelar o monstro da rebelião e da
anarquia.
Concluo exortando-vos que rogueis todos ao Omnipotente que restitua a paz à
sua Igreja, que aparte destes reinos os inimigos da sua santa Lei e os
apóstolos do erro e da irreligião e que conserve a vida ao melhor dos reis, o
Senhor D. Miguel Primeiro. Rogai sobretudo que, embora nos castigue com os
flagelos que experimentamos, e mandados do tesouro da sua ira, mas que não
aparte de nós o sagrado depósito da Fé.
E para que chegue à notícia de todos, seja lida pelos Rev. Párocos deste
Arcebispado à estação da missa conventual e registada competentemente.
Ordeno que o Rev. Desembargador Provisor passe as ordens necessárias.
Braga, 13 de Maio de 1833.
D. António Alexandre da Cunha Reis da Mota Godinho, Deão e Vigário
Capitular
[1] Aquele que não entra no redil das ovelhas pela porta mas sobe por outro
lado é salteador e ladrão.
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