Circular contra a Maçonaria
O Vigário Capitular de Braga, na
altura da publicação da Carta Apostólica do Papa Leão XII contra as sociedades
secretas, condena vigorosamente a Maçonaria e apela ao Clero e ao povo fiel
para corrigirem as suas práticas menos condizentes com o espírito do Cristianismo.
Manuel Ramos de Sá, Chantre da Sé
Primacial, Vigário Capitular, sede vacante, do Arcebispado Primaz das Espanhas
Papa Leão XII |
Às quais letras apostólicas o muito alto e muito poderoso Rei e Senhor D.
Miguel Primeiro, nosso legítimo e notável Senhor, que sua excelsa piedade e
sincera religião, como detentor sempre fidelíssimo, foi servido acordar seu
real beneplácito e régio auxílio para se publicar e executar nestes seus reinos
e domínios, sendo lidas à estação da Missa e fixadas em todas as igrejas na
forma do estilo e praticado em semelhantes casos.
Desejando eu dar humilíssimo testemunho do profundo respeito e religiosa
veneração que todos devemos a tão sábias e luminosas determinações dos
soberanos poderes espiritual e político e bem assim prova decisiva de excelente
ânsia com que suspiro pela sua fiel e pronta execução, ordeno, debaixo das mais
severas responsabilidades, a todos os Rev. Párocos deste Arcebispado e às mais
pessoas a quem competir copiem nos respectivos livros das suas igrejas as
mencionadas letras apostólicas ou neles insiram os impressos que delas
obtiverem, juntamente com esta circular, e publiquem tudo uma e muitas vezes à
estação da Missa Conventual com a maior clareza e distinção a fim de que todos
os fiéis conheçam bem e entendam o que nelas se contém e determina.
Não posso por um só momento hesitar sobre a exactidão e delicioso júbilo
com que os mesmos Rev. Párocos cumprirão tão adequadas e saudáveis providências
contra a origem de todos os males que há tantos anos oprimem os fiéis
portugueses e os de todo o mundo. Contudo não me dispenso de recomendar-lhes,
assim como a todos os oradores evangélicos, que empenhem toda a eficácia de seu
fervoroso zelo para persuadirem aos seus paroquianos e ouvintes a rigorosa
obrigação que se lhes impõe de abjurar e para sempre detestar os falsos
princípios, as doutrinas erróneas e imorais de qualquer sociedade reprovada na
qual por desgraça sua se iniciassem, de fugir para sempre dos seus tenebrosos
ajuntamentos e funestas assembleias e igualmente a obrigação de denunciar aos
Prelados e às mais pessoas a quem isto pertencer a todos aqueles que souberem
estão alistados nas ditas sociedades proscritas ou para esse fim aliciarem os
incautos debaixo de qualquer pretexto que se lhes presente tão horrorosos
atentados contra os Supremos Poderes.
Devem enfim os Rev. Párocos e mais Oradores Evangélicos mostrar aos seus
ouvintes, pelo modo mais claro, como concorrem na terrível pena de excomunhão,
sem outra sentença, se caírem, no abismo de não obedecer aos justos decretos e
pastorais admoestações do Supremo Pastor que os adverte dos seus erros e chama
ao caminho da salvação com a mais afectuosa ternura do seu paternal coração e
só deixa cair o raio da morte porque os meios de suavidade e doçura não
aproveitam àqueles que com o colo levantado caminham contra Deus no orgulho do
seu nada; se, penetrado do vivo sentimento como os Padres de Antioquia quando
pronunciaram contra Paulo de Samosata sentença de excomunhão, é que descarrega
o terrível golpe; se, gemendo profundamente, como os de Éfeso quando condenaram
a Nestório, é que usa de rigor; se, chorando copiosas lágrimas como os santos
Leão e Flaviano, quando excomungaram a Eutiques, é que pronuncia a espantosa
sentença da eterna condenação. Mas enfim esses génios pertinazes na maldade e
irreligião é que querem ser tratados como predilectos da Igreja já são membros
podres dela: é necessário separá-los para acautelar os vigorosos, é necessário
punir os maus para conservar os bons.
O claro exemplo desses ilustres mestres do Cristianismo que não
desembainharam a espada da excomunhão senão depois de muitos gemidos e no
derradeiro extremo do mal são evidentíssima prova da sua gravidade. Sim, em
todo o tempo um excomungado foi considerado como um gentio e um publicano,
havido como infestado e excluído da comunhão dos fiéis, sendo-lhes proposto
como objecto de horror e abominação, o que nas actuais circunstâncias, com
muito maior razão, se lhes deve propor e persuadir.
Todos sabem quanto se esforçaram os perturbadores da paz da Igreja e
tranquilidade do Estado para deprimir nos tempos proximamente passado o poder
da Igreja, desacreditar a autoridade do sucessor de S. Pedro e mais sucessores
dos Apóstolos; todos sabem com quanto empenho trabalham por levar ao
esquecimento as penas canónicas; levantam por toda a parte contra eles altos
clamores, proferindo todo o género de impropérios e desprezando os seus efeitos
para não serem temidos por aqueles que ainda conservam nos seus corações algum
sentimento de temor de Deus e piedade com o fim de conduzirem os povos à irreligião
e rebelião contra todo o poder para só eles dominarem no excesso da sua
perfídia, do seu despotismo e da sal barbaridade, tendo por seu deus a mais
infame paixão da insaciável cobiça, por lei a sua orgulhosa vontade e não
reconhecendo outra moral que não fosse a do voluptuoso Epicuro, em cuja escola
parecem educados os sectários dessas tenebrosas sociedades.
E ainda haverá porventura pessoas de tão boa-fé e de tamanha simplicidade
que possa hesitar a verdadeira existência desses pérfidos e detestáveis
ajuntamentos? Ainda haverá quem se queira persuadir que este funesto contágio
não tem empestado o solo português? Permitisse Deus que nos enganássemos, então
teríamos passados os nossos dias à sombra da mais feliz tranquilidade, então
não teríamos bebido tantas vezes o cálix da amargura. Eles com efeito se têm
manifestado por muitos modos, já nos vestígios que têm deixado após si nas
cavernas das diferentes cidades do reino, já nos manifestos e apologias
impressas na mesma língua portuguesa, já enfim pela confissão que muitos dos
seus membros têm feito de que pertencem a essas sociedades detestáveis, hediondo
vómito do Inferno, ousando proferir com o maior desprezo que neles nada (há) que ofenda o Evangelho nem os
preceitos da Santa Igreja, pretendendo com esta estudada malícia iludir os
incautos e inocentes.
Mas os seus próprios factos os desmentem, as suas práticas os convencem de
que semelhantes declarações só têm por fim seduzir astuciosamente a mocidade
imberbe e pouco instruída nos dogmas da Religião Revelada e nos princípios da
moral de Jesus Cristo, para abismar no deísmo, no ateísmo, no materialismo e em
todo o género de absurdo que o filosofismo dos últimos séculos excogitou para
riscar da memória dos homens toda a ideia da religião e todo o remorso da
consciência, tribunal que no seio do mesmo ímpio levanta os seus clamores.
Dizem esses inconsequentes sectários
que as suas máximas se não opõem ao Evangelho de Jesus Cristo, mas o Santo
Evangelho manda obedecer à Igreja e manda observar os seus preceitos, manda
respeitar o seu primeiro Pastor como sucessor de S. Pedro, os Bispos como
sucessor dos Apóstolos e toda a Ordem Eclesiástica encomenda a mais profunda
obediência aos Reis como imagem de Deus sobre a terra. Contudo não há calúnia
contra o soberano Pastor da Igreja que se não tenha inventado, não há ultraje
que se não tenha feito à Ordem Eclesiástica, não há maquinação contra o Poder
Régio que se não tenha tentado por meio dessas oficinas da perfídia e da
perversidade.
Isto não é uma declamação vã nem uma acusação sem provas: são ainda bem recentes
esses espantosos factos praticados contra o sacerdócio e contra o império. Não
é necessário revolver muitas páginas da história para o encontrarmos: ainda fumega
o terrível vulcão do qual uma prodigiosa e especialíssima Providência, condoída
dos nossos males, nos salvou por sua inefável bondade.
Há menos de um ano que nós presenciamos com entranhada mágoa do nosso
coração os emissários dessas tenebrosas sociedades correndo por todo o solo
português, espalhando os impressos mais ímpios e imorais, convidando os povos à
rebelião contra Deus e contra o Rei: os lugares santos profanados, os cânticos
divinamente inspirados proscritos e substabelecidos por cantigas ímpias e
blasfémias. Enfim, falta só que a infame divindade do paganismo viesse tomar o
lugar do Deus vivo e ocupar o trono do Santo dos Santos.
Lembrar-se-á contudo algum dos sectários dessas infames associações de
responder que semelhantes factos procedem de outras causas e que atribuí-los à
Maçonaria é uma falsa imputação? Miserável refúgio, pois todos esses excessos
praticados em todos os tempos, em todos os lugares em que se tem manifestado
essa invenção diabólica, e sempre pelo mesmo modo, não é uma prova irresistível
de que são obras dos ajuntamentos que se regulam pelos mesmos princípios
destruidores e que trabalham sobre o mesmo plano de irreligião, imoralidade e
geral corrupção?
Se esses desgraçados filhos da perdição trabalham unidos para a ruína do
Altar e do Trono e para a desgraça do povo fiel e religiosos, é preciso é
preciso também que o Clero, como sentinela vigilante da Casa do Senhor, unindo
a si o povo inocente e conformando-se com as sábias determinações do Supremo
Pastor, com as piedosas intenções do Augusto e Fidelíssimo Monarca que preside
ao feliz destino dos venturosos portugueses, com a religião e piedade da invicta Imperatriz,
vítima da mais rigorosa perseguição, modelo de constância, concorra quanto cabe
nos limites da sua possibilidade para destruir e suplantar a venenosa hidra que
há tanto tempo empenha todas as suas forças na ruína dos objectos mais sagrados
e mais caros a todos os fiéis portugueses.
E para que o Clero possa conseguir tão louvável fim, é necessário que se
reforme tanto no interior como no exterior: no interior, pelo exercício da
oração, pela contínua lição dos livros sagrados, dos tratados de moral e
disciplina eclesiástica e finalmente pela contínua prática das virtudes que
demanda a sua lata dignidade; no exterior, pelo decoro e gravidade do seu
comportamento pela decência dos seus vestidos, tão recomendada nos sagrados
cânones, conformando-se com eles em todos os cerimónias (?), em todos os lugares e em todas as ocasiões, muito
principalmente no exercício das funções do seu sagrado ministério.
Para que por uma vez cesse o escandaloso abuso que nesta parte da
disciplina eclesiástica se introduziu, que poda de alguma sorte desculpar-se
nos últimos calamitosos tempos, mas que já hoje felizmente se não pode tolerar,
ordeno que todo o eclesiástico de qualquer ordem que seja, nas funções
sagradas, use dos hábitos talares na forma determinada na Pastoral que a
semelhante respeito expediu o Excelentíssimo Sr. D. Miguel da Madre de Deus,
último prelado deste Arcebispado, e com as penas nela declaradas e pela forma
estabelecida, ficando além disso os transgressores sujeitos aos procedimentos
da justiça havendo denúncia. Em todas as mais ocasiões, encomendo e rogo a todo
o Clero que, para honra e decoro do mesmo, observe a maior honestidade na cor e
forma dos vestidos, conforme está determinado na Constituição Diocesana, tít.
12, const 1.ª, debaixo das penas ali declaradas. Outrossim proíbo a todo o
eclesiástico o uso de pantalonas largas por cima de botinas, como género de
vestido impróprio da ordem eclesiástica e muito repreensível pelo escândalo que
causa a toda a classe de pessoas que sabem ponderar a gravidade e modéstia que
deve resplandecer nos sujeitos dedicados ao ministério do Altar, desejando
nesta parte fazer observar as antigas leis disciplinares já citadas com
inovação das quais depende grande parte do bom regulamento do Clero secular
deste Arcebispado.
O povo fiel deve unir-se aos seus pastores e ouvir a sua voz. Para isso é
indispensável que nos domingos e dias santos de guarda concorra às próprias e
respectivas paróquias para celebrar com o seu próprio pastor os sagrados
ministérios da nossa santa Religião, para se instruir no catecismo e nas
práticas de piedade introduzidas com o uso e autorizadas pela Igreja, para
ouvir da boca do seu próprio pároco as palavras da salvação e da vida eterna.
Não é uma simples prática de devoção, é uma lei muito respeitável pela sua
antiguidade, a qual se acha estabelecida na Igreja desde o princípio do
Cristianismo e autorizada pelo testemunho dos ilustres pastores de todos os
séculos, os quais já congregados nos santos concílios, já nos estatutos
particulares das suas igrejas promoveram sempre a sua observância e usando de
todos os arbítrios que a sua prudência e os eu zelo sugeriam, mas que hoje
parece estar sepultada em profundo esquecimento com grave prejuízo das almas e
manifesto detrimento do estado político, porque do seu esquecimento se tem
seguido uma boa parte da funesta ignorância em matéria de Religião e à sombra
desta lamentável ignorância se têm propagado os erros e absurdos que há tantos
anos perturbam a paz de uma e outra sociedade.
Para atalhar a um tão grande mal, devem os Rev. Párocos ensinar com o maior
cuidado e assídua aplicação, em todos os domingos e dias de guarda, o catecismo
aos meninos, para que estas tenras plantas cresçam igualmente no temor do
Senhor e desde os primeiros dias da sua vida sejam conduzidos pelos caminhos
rectos da santidade e da justiça, observando a respeito dos pais negligentes em
mandá-los ao catecismo o que se acha disposto na constituição diocesana e bem
assim a respeito dos adultos e p ais de família que sem urgente necessidade
faltam à estação da missa conventual das suas paróquias por costume, devendo
entender-se que as Missas que se celebram pelas capelas filiais são tão só para
as pessoa s que não podem concorrer à igreja matriz ou para aquelas que são
necessárias para a guarda das casas ou se acham ocupadas noutras obrigações que
se não podem, deferir para outras ocasiões oportunas devendo assim mesmo quando
for possível alternar-se.
E para que estas mesmas pessoas não fiquem privadas de instrução necessária
nenhum sacerdote poderá celebrar sem que antes da Missa, ao Evangelho ou noutra
parte do Santo Sacrifício ensine a doutrina cristã por espaço de mais de um
quarto de hora por um catecismo aprovado, o que se deve praticar sempre que
haja concurso de povos, passando de doze pessoas, ficando suspensos ipso facto os refractários, sejam
párocos ou simples sacerdotes.
É muito louvável a devotíssima prática usada em algumas igrejas deste
Arcebispado de se rezar ou cantar o rosário, terço ou coroa de Nossa Senhora;
por isso não posso deixar de recomendar a todos os Rev. Párocos desta Diocese,
fazendo abrir nas tardes de domingos e dias santos de guarda as suas igrejas,
convidando os povos para uma devoção que se tem mostrado ser muito do agrado de
Deus por se entoarem louvores de Sua Santíssima Mãe. Por meio deles tem a
Igreja triunfado dos seus maiores inimigos e os portugueses conseguiram grandes
vitórias enquanto, cheios de devoção, se muniam com este sagrado escudo para o
combate.
Espero portanto do fervoroso zelo que anima o corpo do Clero e da sólida
piedade do povo fiel desta vastíssima Diocese que pelos motivos do interesse,
que é o maior e único negócio que temos a tratar sobre a face da terra, cumpram
e observem de boa vontade o que se lhes determina e diz respeito a cada um
conforme a sua classe.
E para que as sobreditas Letras Apostólicas se publiquem e registem
juntamente com esta Circular e tenham o seu devido efeito, o Doutor
Desembargador Vigário Geral desta Corte, servindo de Provisor, mandará expedir
com a brevidade que costuma as ordens do estilo.
Dada em Braga, 28 de Fevereiro de 1829.
Manuel Ramos de Sá
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