Pelo P.e Leopoldino
Na imprensa da Póvoa de Varzim do tempo em que o P.e Leopoldino foi pároco de Balasar foram publicados pelo menos doze contos com o título de "Conto do Natal". Um deles traz a assinatura deste sacerdote, os outros ou vêm sem assinatura ou apenas com uma rápida abreviatura ou mesmo com um nome que pensamos ser pseudónimo. Como eles saíram sempre em jornais a que o P.e Leopoldino dava colaboração, como os seus temas são temas queridos dele, como eles têm muitos pontos em comum, pensamos que foi ele que os escreveu todos. Ao que colocamos abaixo, substituímos o título geral de Conto do Natal pelo de "A Filha do Pescador". Cremos que faz algum sentido. E é uma história bem bonita.
Braz, o pescador, vivia numa choupana
com a sua filha Maria, único afecto que lhe restava depois da morte da mulher,
que perdera cedo. Tendo apenas 12 anos, Maria era para seu pai um bom auxiliar
e uma bela companheira. Tratava dos arranjos da casa com zelo e inteligência e
ajudava Braz nos seus trabalhos de pesca, remendava as redes e levava à
cidade o peixe que ele pescava. Se Maria era uma rapariga boa e interessante,
Braz era um dos homens mais valentes e dedicados daquela região. E, nas costas
ladeadas de inúmeros rochedos, eram frequentemente batidas por tempestades
violentas e muitas vezes tinham sido teatro de acidentes tristes e naufrágios,
porque os navios vinham despedaçar-se contra aquelas rochas inóspitas. Um a
tarde, Braz entrou em casa com farta pesca: - Ó pai, exclamou alegremente
Maria, correndo para ele, foi boa a pesca para logo festejarmos a Noite do Natal.
- Sim, minha filha, foi boa, mas vês
aquelas nuvens acolá?
- E depois, pai?
- Olha, se me não engano, vamos ter esta
noite uma tempestade tão forte que nem poderemos comer a ceia do Natal. E as
palavras do pescador não tardaram a ser confirmadas. A tempestade apareceu e foi
tão terrível que causou inúmeros naufrágios. A cabana do pescador, sacudida
pelo vento, parecia voar pelos ares! De manhã, serenado o tempo, foram
arrojados à praia bocados de madeira, de velas, destroços de toda a espécie e o
corpo de um rapaz de 13 a 14 anos, vestido de marinheiro.
Braz ajoelhou junto dele e,
auscultando-o, disse: - Está vivo!
O jovem náufrago foi levado para a
cabana e, tratado com carinho Braz e sua filha, restabeleceu-se.
- Obrigado, disse ele, dirigindo olhares
de agradecimento para os seus benfeitores; salvastes-me a vida, tornarei a ver
minha mãe.
O náufrago contou a sua vida. Fazia
parte da tripulação de um navio que, surpreendido pela tempestade, fora
arremessado de encontro aos rochedos onde se despedaçou; uma parte da tripulação
apoderara-se duma chalupa e conseguira chegar a terra; outros caíram no mar; o
marinheiro pertencia a este número mas conseguira agarrar-se a uma tábua e
sentira-se levado pelas ondas; depois perdera os sentidos e não sabia como
chegara à praia… Noite de Natal, noite de alegria para nós, foi de profunda
tristeza.
Oito dias esteve Luís, o marinheiro, na
cabana do pescador que o tratou com todo o carinho, pelo que ficaram muito
afeiçoados uns aos outros. Na hora da despedida, disse Luís: - Eu desejava pagar-vos
um dia o que fizestes por mim. Salvastes-me a vida, enchestes-me de mimos. Quem
me dera poder provar-vos a minha gratidão!
E depois, tirando do peito uma cruz de
oiro que trazia ao pescoço:
- Maria, toma esta cruz, pois nada mais
tenho, foi minha mãe que ma pôs ao pescoço para que e protegesse. E colocou-a
na mãe de Maria; depois partiu a chorar. O pescador e a filha retomaram a sua
vida habitual.
E o tempo foi passando.
Mais tarde, em consequência duma nova
tempestade durante a qual Braz expusera a sua vida salvando várias pessoas, foi
acometido de doença grave ocasionada pelo excesso de fadiga e resfriamento. E
não tornou a levantar-se desde esse dia. Os seus parcos recursos se esgotaram;
Maria trabalhava muito para olhar pelo pai mas não conseguindo o bastante,
venderam a casa e foram para acidade onde alugaram uma pobre morada.
Passados alguns meses, Braz morreu e
Maria viu-se obrigada a vender a cruz de oiro oferecida pelo marinheiro. A
donzela tinha 18 anos. Estava só no seu pequenino quarto, quinze dias depois da
morte do pai, quando bateram à porta. Era uma senhora desconhecida que a
procurava.
- Foi a menina, lhe disse, que vendeu há
pouco este objecto? – E mostrava-lhe a cruz de oiro.
- Ah, respondeu Maria, cobrindo-se de
lágrimas, a minha pobre cruz! Bem me custou separar-me dela!
A desconhecida pegou-lhe nas mãos:
- Chama-se Maria, não é verdade?
Fale-me de seu pai.
- Como sabe o meu nome, minha senhora? –
disse a rapariga admirada; eu não a conheço.
- Mas conheço-a eu, replicou a
desconhecida; eu sou a mãe daquele marinheiro a quem a menina e o pai salvaram
a vida há 6 anos: abrace-me, minha filha.
E atraiu-a aos seus braços.
- E agora, continuou, que sabe quem eu
sou, conte-me as suas desgraças e diga-me porque deixou a sua terra e veio para
aqui…
Maria, continuando a chorar, contou-lhe
tudo. Neste momento, abriu-se a porta e um jovem oficial de marinha entrou.
Apesar dos anos decorridos, Maria reconheceu logo o marinheiro de outrora.
- Maria, disse ele, caminhando para ela, bendigamos a Providência que permitiu que eu te encontrasse graças a esta cruz. Em vão te tinha procurado
e a teu pai. Ninguém me sabia dizer o que fora feito de vós. Já tinha perdido a
esperança de te tornar a ver quando minha mãe encontrou ontem, num ourives, a
cruz que lhe tinhas vendido. Foi assim que conseguimos descobrir o teu
paradeiro.
E voltando-se para a mãe, continuou:
- Mãe, peço-lhe para ser sua filha e com
esse fim que torne a aceitar a cruz.
Maria, em resposta, lançou-se toda
tímida e confundida nos braços da boa senhora.
Pouco tempo depois realizou-se o
casamento. Tornaram a comprar a casinha do Braz, aumentaram-na e embelezaram-na
e ali fixaram residência com a mãe que jamais os deixou…
A
Propaganda,
15/1/1939 (não assinado)
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