B. Nos Sentimentos da Alma
São quatro os colóquios da Beata Alexandrina em que há alusões à Santa Missão: o do dia 3 de Novembro, que se transcreve abaixo; o do dia 4, que é de 1º sábado e por isso tem um conteúdo diferente dos de sexta-feira; e os dos dias 10 e 17. Ela quase não pode falar e por isso o colóquio do dia 10 só foi ditado no dia 16.
Tencionamos colocá-los aqui todos, embora ainda não estejam integralmente digitalizados. De facto, trata-se de um caso pouco comum, ao encontrarmos neles referências a um acontecimento bastante bem documentado.
Assinalamos a negrito as frases ou expressões que directamente se relacionam com a Santa Missão.
3 de Novembro de 1950
Morreram as minhas alegrias, morreu o dia, morreu o sol, não há nada no mudo que para mim tenha vida, só a dor, só o pecado.
Está a decorrer a santa missão. Só com os olhos em Jesus e nas almas, só pela salvação destas e glória do Senhor eu fiz tudo para conseguir esta graça para a freguesia. E o prémio do meu esforço tem sido dor tormentosa para o meu corpo e para a minha alma.
Meu Deus, meu Deus, não sei exprimir-me!
Está a decorrer a santa missão. Só com os olhos em Jesus e nas almas, só pela salvação destas e glória do Senhor eu fiz tudo para conseguir esta graça para a freguesia. E o prémio do meu esforço tem sido dor tormentosa para o meu corpo e para a minha alma.
Meu Deus, meu Deus, não sei exprimir-me!
Ó meu Jesus, sou a vossa vítima, aceitai-me tudo isto para a santificação desta terra, para o fruto desta santa missão.
No meio deste pavoroso sofrimento, tanto de dia como de noite, tenho feito subir ao Céu muitas vezes a oferta deste mísero incenso, destas pobres migalhinhas que não são minhas, porque um morto nada tem.
Vejo os entusiasmos e a alegria em tantos rostos e parece-me ver e sentir mais fogo em tantos corações, e só eu nada tenho, tudo é morte.
No meu quarto, na minha caminha, ouço os cânticos, as pregações feitas na Igreja, na casa do meu Senhor, e só eu nada aproveito: tudo desaparece na minha mente, a minha ignorância nada me faz compreender, a morte tudo me rouba.
Meu Deus, meu Deus, as coisas do Senhor, não as compreendo, morrem logo, mas o pecado, o tremendo e pavoroso pecado não morre em mim, é meu, conheço-lhe toda a gravidade e malícia e parece-me que em todo o sentido da palavra, pecado de toda a espécie, toda a variedade de crimes. Eu conheço-os, eu conheço-os e parece-me que sou eu a praticá-los.
Mergulhei-me, banhei-me neste mar imenso de imundícies, mas sinto-me nesta ocasião mais mergulhada, mais sobrecarregada nos crimes desta terra. Sinto dela o que nunca senti. Sinto-me um trapo imundo e desfeito, que toda a humanidade calca, que todos escarram e de quem todos escarnecem. E mais, muito mais, como nunca da pobre gente de Balasar.
Ai, meu Deus, ai, meu Deus, o que eu tenho sentido e o que eu sinto! A minha alma vê e sente todo o inferno contra ela. Os demónios uivam raivosos, de dentes descarnados tentam atirar-se a mim, a amarfanharem-me, a derrotarem-me, a engolirem-me.
Não sei, mas sei, só com a força e graça do Senhor eu podia resistir sem cair no desespero. O Céu me aceite o sacrifício. Oh, como me custa falar!
Ontem, em todo o dia, senti o meu corpo e a minha alma a serem açoitados; foram açoites contínuos, foi um horto sem cessar. Só de noite senti mais o suor de sangue, a agonia que fazia com que a minha lama rolasse nos solo duro. A minha cabeça sentiu-se coroada de espinhos e estes abriram tanto sangue que regou a terra.
Hoje, logo pela manhã, viu a minha alma a grande montanha do Calvário e no cimo a cruz ao alto, onde eu havia de ser crucificada. Esta cruz chegava ao Céu e fazia-o abrir e resplandecer. E o meu corpo, condenado à morte, foi seguindo o Calvário para essa enorme montanha, como formiguinha que se arrasta pela terra. Levava sobre mim a cruz, o sangue corria, o suor banhava-me, o desfalecimento fez-me cair muitas vezes. No alto da cruz, não senti nela o corpo crucificado, mas sim, no centro, o coração, como se estivesse ele crucificado; e este gotejava sangue, bradava ao Pai em agonia e foi gotejando sempre até à última gota. E por último saiu água.
Como amava este coração e como sofria não o poder dizer! A dor era infinita e o amor ultrapassava a dor.
Não morri, mas separou-se a minha vida da terra e, momentos depois, Jesus veio como ressuscitado, numa ressurreição triste, horrorosa e dolorosa, e disse:
- Ouvi, meus filhos, ouvi o brado do Coração divino que vos ama. Estou sedento de amor e não posso ser amado, sendo ofendido como sou.
Ouvi, filhos, meus, ouvi e estai atentos: quero amor, quero amor e emenda de vida.
Vê, minha filha, olha o meu Coração divino aberto e desprezado. Foram os crimes que Mo abriram dum lado ao outro. São as iniquidades do mundo que servem de lança.
Vi Jesus com o Coração aberto e disse:
- Ó Jesus, ó Jesus, esquecestes-Vos do que me prometestes! Eu não Vos quero ver sofrer e foi isso que me prometestes, que deveria sofrer em lugar de Vós.
- Sossega, filha minha, sossega, vítima querida. Isto foi só um relance de olhos. Esta visão foi para mais te fazer sofrer. Tem coragem! O teu Esposo Jesus está contente no teu martírio. Todo o Céu se alegra e todo o inferno se enraivece.
- Ó Jesus, meu doce amor, é verdade que a minha alma tem sentido de facto as raivas dos demónios, que eu vi a quererem-me amarfanhar e querem destruir-me?
- Sim, sim, minha filha, foram os malditos meus inimigos das almas, a quem elas tanto amam, mais do que a Mim. Mas Eu não consenti que eles te tocassem. Foi só para teu tormento, grande martírio de expiação.
- Bendito sejais, Jesus, bendito sejais! Se é para o bem da nossa missão, se é para a salvação do mundo inteiro e sobretudo para não ser o Vosso Coração ferido, nisso está tudo. Sim, meu Amor, se não fordes ferido não sois ofendido, sois sempre o mesmo Jesus formoso e triunfante.
As minhas exigências, Jesus, são sempre as mesmas: quero a Vossa graça e o Vosso amor, e de tal forma que me leve a enlouquecer de amor pela cruz. Só Vos peço que me poupeis as almas à condenação eterna[1].
- Estás disposta a continuar no mesmo martírio e agonia? Martírio de corpo e agonia de alma?
- Estendo-Vos as mãos, Jesus, e aceito tudo e tudo estreito e abraço ao coração: a cruz, a dor, o martírio; e abraço-Vos a Vós no coração para Vos queimar neste fogo que me abrasa e queimar-me também no Vosso. Abracei-Vos, Jesus, encontrei-Vos. Vós estáveis tão longe!... Só Vos vi ferido e nada mais, mas agora, Amor meu, estais no meu coração. Sinto nele o Vosso amor, o calor que Vos abrasa.
Por momentos adormeci unida ao meu Jesus; despertei mais confortada.
- Já dormi o meu sono, já estou mais forte para mais e melhor sofrer. Tenho sofrido tão mal! Perdoai-me, Jesus!...
- Vem agora receber a gota do meu divino Sangue, a gota do amor, a gota que te dá vida, esta vida que te leva a sofrer, que te leva a amar, que te leva a viver…
Já corre nas tuas veias o Sangue que trouxe da Virgem, o Sangue que gera as Virgens, aquelas Virgens que Me hão-de rodear nos Céus e que junto do meu trono hão-de entoar meus hinos.
Vai em paz, minha filha, pede ao mundo, vai e grita: penitência! Penitência, emenda de vida, se querem livrar-se, se querem escapar aos rigores da divina justiça.
Vai em Paz! Coragem! Coragem!
- Obrigada, obrigada, meu Jesus!
[1] Na cópia de Balasar, estas páginas estão dactilografadas com deficiências pouco comuns. Aqui, por exemplo, está escrito “Não Vos peço que me poupeis as almas à condenação eterna”, o que não faz sentido. Corrigimos o não inicial para só.
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