Sofrimentos espirituais
Os sofrimentos espirituais
podem-se catalogar em dois tipos: as lutas contra Satanás, sem mais agressões
do corpo, desde o fim do 1937, e as tentações contra a fé, que são
também provocadas por Satanás.
LUTAS ESPIRITUAIS CONTRA
SATANÁS
Ao
meu lado estava o demónio encadeado. Queria chegar a mim. Eu via que ele não
conseguia, mas sentia como se despedaçasse o meu corpo com mordeduras. Os
insultos eram tantos. Dizia-me:
Maldita,
hás-de pecar, hei-de te levar ao desespero. S (20-12-46)
Satanás insiste no fazê-la
padecer o temor de enganar sobre os seus fenómenos místicos e de pecar por vaidade
ao escrever.
O
demónio diz-me que os meus combates sou eu que os invento para ter que
escrever!
Meu
Jesus, queria amar-Vos, mas não queria ter de escrever! Bem sabeis que é ele e
não eu. S (21-8-45)
-
Tu consegues com as tuas falsidade enganar quase toda a gente: hás-de
condenar-te!
E
na verdade, naqueles momentos, sentia-me falsa, enganadora, maliciosa. S
(20-12-46)
Mas a nota mais insistente é
a da luxúria.
Há
dias que sinto o meu corpo é uma casa aberta de entrada para quem quer.
Sofri
muito com esta novo sofrimento! (...)
O
demónio, mais enraivecido, veio como um ladrão e senti como se ele me levasse o
coração.
-
É meu – disse-me – vamos pecar! - E cobriu-me de insultos. - E com o teu
coração nas minhas mãos faço-te pecar quando quero.
Então,
muito mais ao vivo, senti de ser essa morada que acima falei. Nela entravam
quantos queriam. Eu era a casa do pecado, e o próprio pecado: estava disposta
para tudo. Meu Deus, que horror, tantos pecados, tantos crimes!
Lutei
muito e o demónio mostrava-se contentíssimo, por fazer de mim tudo quanto
queria.
Disse
a Jesus muitas vezes que era a sua vítima e que não queria pecar. S
(23-7-45)
Foram
quatro os combates que tive com o demónio; foram combates do inferno!
Tinha
mãos para tudo, menos me benzer e afastar da mim o maldito. O corpo era num
banho de suor, o coração uma máquina estrondosa.
Sim,
eu conseguia chamar por Jesus e pela bendita Mãezinha. Mas o que eu não
conseguia, ou me pareceu, foi chamá-los a tempo.
Eu
gostava de ser cega e surda para não ver nem ouvir os ensinamentos do maldito e
para não me aterrorizar com o que ele dizia contra Jesus.
Mas,
se assim fosse, não poderia combater nem sofrer, não poderia ser vítima do meu
Senhor. S (7-11-47)
O demónio atormentou-me com a
sua força e malícia diabólica.
Nos primeiros três ataques
atormentou-me em forma de homem, mas introduziu em mim toda a malícia humana.
Que horror!
Eu
pecava em todos os pontos e sentidos. E ele, muito descansado, deitava ao mundo
o seu olhar infernal e deixava tudo cheio da sua malícia.
Se
eu soubesse dizer o veneno que ele infundia nas almas!
Que
horror! Oh, como se peca! S (11-10-46)
Às vezes Jesus faz-lhe
compreender por que categorias está a reparar.
Nosso
Senhor fez-me compreender, pelos sentimentos e visões da alma, por quem me
pedia a reparação.
Os
primeiros dois ataques foram pelos pecados durante os bailes e divertimentos
mundanos: quanta indecência, quanta maldade e crimes escandalosos praticados
descaradamente!
Os
três a seguir foram pelos sacerdotes. Ó meu Jesus, quanto se deve pedir por
eles! São do mesmo barro que nós somos, coitadinhos! Estão sujeitos a grandes
quedas. S (9-7-48)
Jesus conforta-a, encoraja-a
a continuar, afirmando que com tal reparação salva almas.
É
esse o desespero do demónio, é a razão por que ele tenta devorar-te: ele sabe
bem quantas almas que lhe tens arrancado. S (14-9-51)
-
O demónio tem sobre ti toda a sua raiva infernal. É grande o estrago que lhe
dás: fazes mais mal à sua obra satânica pelo teu sofrimento do que todo o bem
que na humanidade se faz.
Está
raivoso, raivoso. Serve-se de tudo. Serve-se dos homens para a minha Causa
destruir. Nunca, nunca seus infernais intentos se satisfazem.
Sofre
tudo, minha filha, sofre toda a tua indizível dor e tormento.
Repara-Me,
repara-Me por todos os sacrilégios e por todas as confissões nulas.
-
Jesus, eu amo-Vos: sou a vossa vítima! S (19-3-54)
TENTAÇÕES CONTRA A FÉ
Pareceu-me
que desceu uma nuvem sobre mim, negra, negra, assustadora. Envolveu-me toda
nela.
Tudo
é noite, da Terra ao Céu.
Debaixo
de mim, está cruz e espinhos; à minha volta cercam-me cruzes e espinhos; sobre
mim, cruzes e espinhos. Tudo é noite, tudo são cruzes, tudo são espinhos, dor e
sangue: morte no mundo e morte na eternidade. S (29-3-45)
Sinto-me
como que só eu e a dor vivêssemos no mundo. Sinto fugirem-me todos; senti
fugir-me Jesus.
Tenho
por companhia a dor, por habitação as trevas. Tudo o que nasceu a elas vem
morrer. Horrível cegueira, trevas assustadoras! S (3-5-46)
Eu
creio, eu creio que sois o meu Jesus, creio mesmo em trevas e em dor: não
permitais que eu duvide! Não quero desagradar-Vos. S (22-7-49)
Quantas
dores, quantos suspiros escondidos e abafados!
Estou
sob o mundo e é este mesmo mundo que abafa os meus suspiros e esconde as minhas
dores.
Nenhum
brado dos meus chega ao Céu: não se escuta lá nenhum gemido, não se vê uma só
lágrima.
Que
abandono, meu Jesus, que abandono! S (27-7-51)
Parece-me
que tenho tentações e desesperos contra mim mesma. Minto a todos e minto a mim.
Tenho
tentações contra a fé: parece que me quero convencer que depois deste exílio
tudo acaba, que nada adianta o sofrer.
Sinto
sobre mim a raiva do demónio: está furioso contra mim. Parece que tenho fortes
grades de ferro a separar-me dele (de
facto Jesus não permite que a toque, desde o fim de 37). Mas a minha alma
vê e sente que a sua forte dentadura morde nesses ferros como se fosse em mim.
Crava-me os seus olhares desesperadores e raivosos. Ouço os seus uivos e
desesperos. S (14-9-51)
Nesta
imensidade tempestuosa em que só prevalece a inutilidade, minha alma
conserva-se em paz, a não ser de longe a longe, uns momentos de agitação,
dúvidas de toda a minha vida, tentações contra a fé que me levam quase que a
cair no desespero.
Para
que vim ao mundo? Para que serve tanto sofrer e uma vida pregada na cama?
Isto
é sem que eu o queira. Sinto mesmo serem tentações do demónio, ser ele a querer
roubar-me a paz. S (20-6-52)
Estou
num mar tempestuoso. Não cesso de lutar com as ondas. Sinto-me cansada,
sinto-me desfalecida com tanto lutar.
Quero
apanhar a areia, ou qualquer coisa que me segure deveras e não encontro: tudo
me falha.
Deixo-me
ficar à mercê das ondas. S (15-1-54)
Continua a luta entre a
vontade de crer e a tentação de não crer. É um sofrimento tremendo!
Creio,
na dor ou na alegria, no abandono ou no conforto. Creio, na vida e na morte.
Sou
vossa, Jesus, sou a vossa vítima! S (16-7-54)
Sinto
que nada estou a fazer no mundo, depois de perder Jesus e a Mãezinha.
Desde
que a eternidade não existe, uma tentação (do
demónio) tenta persuadir-me: que estou eu a fazer aqui, sem gozar, sempre a
sofrer? Para quê, para quê?
“Creio,
Jesus, creio! Creio que existis.
Que
me importa o sentimento da mentira (dizendo
“creio”), se a verdade sois Vós, ó Senhor, sois Vós, e a eternidade sois
Vós?”
Nesta
luta desprezei todo o Horto (ao reviver a
Paixão). Nada existe. Nada houve, nada há!
Assim
subi para o Calvário, sem fé, sem acreditar na eternidade. E em tal tentação a
querer suicidar-me a mim mesma!
Parecia-me
que quereria liquidar a vida sem vida, fosse qual fosse o processo (também Jesus sofreu ataques demoníacos, não
só no início, no deserto, mas mesmo no fim, no Horto).
Com
que custo eu chamava por Jesus e a Mãezinha e Lhes repetia o meu “creio”!
Nas
trevas da agonia e da morte, quis repeti-lo, e não pude.
Veio
Jesus. Bradou-me alto e com doçura:
Minha
filha, ó minha filha, a tua reparação é pelos sem fé, pelos sem Deus, pelos
incrédulos. S (15-10-54)
Um mês depois Jesus
reafirma-lhe que quer esta forma de reparação, com a tenaz profissão de fé. Mas
dá-lhe também a sua ajuda.
Repete
o teu “creio!”. Tens de viver da fé sem fé, do amor sem nenhum sentimento de
amor.
Só
quero de ti o teu “creio!”, a tua firmeza na cruz, a tua generosidade heróica,
sempre heróica.
Vem
repousar sobre o meu divino Coração. É repouso divino, é repouso confortante, é
repouso de vida. S (19-11-54)
Mesmo enquanto revive a
Paixão continua a luta. Eis uma descrição com um poder poético maravilhoso.
Creio,
creio firmemente, repeti tantas vezes no cimo da montanha, espetada numa lança,
mas tão em prumo que não pendia mais nem para um lado nem para o outro: ou Deus
ou o demónio; ou a eternidade ou o nada.
Assim
ferida, toda em sangue, caí da parte em que fui repetindo o meu “creio, creio
firmemente!”
Creio,
embora o meu sentimento seja todo mentiroso.
Veio
Jesus, disse-me:
- Crê,
minha filha, crê, minha esposa amada, crê, flor mimosa do Paraíso!
Crê
que Eu existo, crê que estás na verdade, crê que toda a tua vida é a minha
vida. Coragem, coragem! S (17-12-54)
Chegada ao último ano de exílio,
intensifica-se ainda aquela luta tremenda.
- Ó
Jesus, perdoai-me! Eu não tenho fé nem acredito em Vós. Ai de mim, quem poderá
valer-me?
-
Valho-te Eu, minha filha! Tu tens fé inflexível, mais firme que a rocha.
Repara
pelos a que não têm, pelos que vivem sem Deus.
Confia,
confia! As almas são salvas aos milhões, aos milhões. Sim, minha filha! S
(25-3-55)
E
assim vou caminhando sem mar nem terra, apenas com um sopro falso, que sempre
me deixa precipitar nos abismos.
Valei-me,
Jesus! Valei-me, Mãezinha! Confortai-me neste mundo de incertezas e dúvidas. Oh
dor, oh dor, oh agonia e morte!...
Nesta
luta dolorosa e, por assim dizer contínua, veio Jesus até a mim e falou-me:
-
(...) Coragem, coragem! Tens fé, tens amor e dás-me tudo. (...)
Vai,
vive da fé, repete o teu “creio!”. Sofre e ama, sofre e ama! S (1-4-55)
A
minha alma sangra, toda sangra, está nas trevas.
Ai,
meu Deus, falar da alma, falar do que tantas vezes me parece não ter! Quantas
vezes uma voz me grita – é ela e o corpo também: “Agarra-te, agarra-te!” – mas
nem um nem outro encontram a que se agarrar.
Agarra-te,
agarra-te às trevas, à ignorância, à inutilidade, à morte!
É
o que eu tenho, é o que eu encontro em mim.
Gritar,
gritar bem forte ao Céu, ao Céu que não há, à eternidade que não existe! Ó meu
Deus, é inútil todo o meu bradar. Estounuma grande agonia.
Eu
quero, se Jesus o quer, estar aqui para a sua glória e para a salvação das
almas. S (13-5-55)
Jesus a adverte-a de um
ulterior aumento do martírio.
- Minha
filha, não são os sentimentso de fé e consolação que me consolam, mas sim essa
luta constante no auge da dor.
É
a ultima fase, tremenda fase: o auge do sofrimento a enfrontar com o auge do
pecado e do crime. O mundo peca, o mundo peca!
Tem
coragem, tu que és luz e farol do mundo. Repara e faz que seja amado o meu
divino Coração. Sustenta o braço da justiça de meu Pai, que teima cair sobre a
terra. S (10-6-55)
Minha
filha, sobe, sobe, coragem! (...) A tua fase, a última fase da tua vida não
pode ser mais dolorosa. Mas assim é quando escolho uma alma para o mais alto
grau de perfeição, de amor e de união comigo.
Confia:
tu amas-Me e fazes-Me amado.
O
teu Céu é perto! S (8-7-55)
Com uma firmeza heróica
repete o seu “creio!”
Custe
o que custar, sangre o que sangrar! Mesmo mentindo a mim mesma, hei-de repetir
sempre: Creio em Deus, creio em todas as verdade eternas, creio que tenho uma
alma filha do sangue de Deus! S (5-8-55)
Sempre
a lutar, sempre a agarrr-me, a agarar-me sem ter a quê, cá vou eu de queda em
queda, de abismo em abismo para abismos sem fim de trevas, de morte, de
inutilidade.
E
sem fé, meu Deus, sem fé!
Sempre
vou repetindo no meu íntimo: Tudo por vosso amor, Jesus, e pelas almas! S
(19-8-55)
E, por fim, no último diário,
dita:
Numa
angústia lancinante repeti os meus actos de fé:
Creio,
Jesus, creio que foi para mim o vosso nascimento, a vossa morte, o vosso
calvário.
Creio,
Jesus, creio!
Os
meus abismos são tão negros e profundos que só um Deus podia penetrar neles.
Foi
assim que Jesus fez.
Desceu
à minha profundeza, trouxe à superfície e iluminou o meu pobre ser com uns
raiozinhos da sua luz:
-
Vem cá, minha filha, luz e farol do mundo!
Tu
que és treva inigualável, és luz que brilha, farol que tudo ilumina.
A
treva é para ti, a luz é para as almas.
Vem
cá, luz de quem Eu sou luz, farol de quem Eu sou farol!
Não
posso Eu fazer-te brilhar com o Meu brilho?
Não
posso Eu fazer que sejas farol como Eu sou farol?
No mesmo diário lê-se um
último apelo aflito de Jesus:
- Deixa,
minha filha, que Jesus grite pelos teus lábios:
“Ó
Igreja, ó Igreja, aceita a voz do Senhor! Vigilância, vigilância!
Ó
Igreja, minha querida Igreja, vela, vela, não durmas, não descanses!
Nunca
o mundo pecou tanto. Nunca foi assim urgente tanta reparação.» (...)
Não
Me disseste tantas vezes que no meu amor te querias consumir e desaparecer?
Coragem, coragem! Tomei à letra tudo, tudo quanto Me disseste.
-
Ó Jesus, olhai para a minha alma! Só Vós sabeis olhar para ela.
Atendei
aos meus pedidos!
E
o mundo, o mundo! Jesus, perdoai-lhe, que ele é vosso! S (2-9-55)
Com tão angustiada súplica,
que explode dum coração a sangrar de dor e a arder de amor, se fecha o diário
da nossa santa mártir.
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