sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Santa Eulália

Santa Eulália (c. 292-304) nasceu e foi martirizada em Mérida, cidade da província de Badajoz, a menos de 100 km de Elvas; foi pois martirizada ainda na adolescência. Foi mais uma vítima da perseguição romana contra o cristianismo que, em breve aliás, iria ser legalizado. É por isso uma figura sobre quem há algumas informações históricas mais rigorosas do que sobre outros mártires dos quais pouco mais sabemos que o nome. 100 anos após a sua morte, houve um poeta chamado Prudêncio que lhe dedicou um poema biográfico. 100 anos é muito, mas não vamos exagerar, são por exemplo os anos que nos separam da implantação da República. Ora nós ouvimos aos nossos pais histórias desse tempo que lhes contavam os nossos avós. E Prudêncio já fala dum belo templo que tinha sido dedicado a Santa Eulália. Ora isso também é um dado historicamente significativo: havia um culto já enraizado.
Aparentemente, a menina Eulália seria uma espécie de sobredotada que, apesar da sua idade, decidiu enfrentar afoitamente o poder instituído, sabendo que tal resultaria na sua morte.
Santa Eulália é a padroeira de duas freguesias poveiras, Balasar e Beiriz. Estas freguesias, como a maior parte das actuais, já estavam formadas há 1.000 anos atrás e já a Santa Eulália era a sua padroeira.
Houve um pároco de Balasar que depois veio para Beiriz, o P.e António Martins de Faria. Como era poeta e pessoa culta, escreveu um poema sobre Santa Eulália que dedicou aos seus paroquianos de Beiriz e aos seus ex-paroquianos de Balasar. Começa assim:

Anjos do Céu, que louvores
Cantais sem nunca cessar
A Deus, que nessas alturas
Vos deu tão santo lugar,
Por piedade ensinai-me
Hoje também a cantar
Eulália, a virgem, a santa,
O meu anjo tutelar.

Eulália, que toda a vida
Amou a Deus de maneira
Que, se não é entre as santas
Virgens mártires a primeira,
Também não é com certeza
De todas a derradeira,
Como Balasar o comprova,
Tomando-a por padroeira.

Dai pois luz à minha mente,
E à minha frase atavio;
Dai justeza ao meu conceito,
E ao meu génio força e brio;
Fazei enfim que meu canto,
Além de suave e pio,
Seja também a Deus grato,
Que eu desde já principio.

Corria o terceiro século
Dos dias da Redenção,
Quando num jardim de Espanha
Brotou dum lindo botão
Uma rosa, mas tão bela
Que não só toda a atenção
Roubava de quem a via,
Mas também o coração.

Isto já dá para perceber o estilo claro da narrativa, culta sim, mas sem alardes inoportunos de ciência. Qualquer pessoa com um pouco de saber lia o poema e entendia-o quase na íntegra.
A palavra Eulália quer dizer bem-falante. É possível que as narrativas biográficas desta santa tivessem em conta o facto e por isso a mostrassem propositadamente eloquente. Ouçamos por isso mais um pouco do poema quando Eulália se dirige ao governador e desacredita os deuses do panteão romano:

Essa Vénus, esse Apolo,
E muitos outros que tais,
A quem vós, filhos das trevas,
Deuses penates chamais,
Alguns até com figuras
Dos mais feios animais,
Não são deuses, são quimeras,
Pau e pedra e nada mais.

Se tais deuses, entretanto,
Que meu gosto era calcar,
Quereis na vossa cegueira,
Como loucos adorar,
Adorai-os muito embora,
Mas não queirais obrigar
Os cristãos, como já disse,
Vossa loucura imitar.

Santa Eulália partilha com a Beata Alexandrina o seu empenho religioso e o seu destemor. Ambas foram luz que iluminou duas vezes, porque ia à frente,
Ela foi uma santa popular para além das fronteiras da Península. Na França, há um célebre e antigo poema intitulado A Cantilena de Santa Eulália. É pelos vistos o mais antigo texto que se conhece escrito em francês.

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