sábado, 8 de janeiro de 2011

O contexto político-religioso da aparição da Santa Cruz e do desenvolvimento da nova devoção


As décadas de 20 e 30 do nosso séc. XIX foram marcadas por conflitos políticos que tiveram as mais variadas implicações religiosas.
Em Balasar, em Junho de 1832, era pároco António José de Azevedo. Foi em seu tempo que ocorreu a aparição. Logo adiante, ele desaparece da cena. Como? Porquê? Não sabemos; talvez tenha falecido.
O novo reitor de Balsar será colocado em 1833 e chamava-se Manuel José Gonçalves da Silva. Em 1834 porém expulsaram-no, só regressando sete anos mais tarde. Durante eles, o lugar foi ocupado por Domingos José de Abreu.
Porque foi expulso o reitor de Balasar? Por ser “cismático-miguelino”, diz o P.e Domingos da Soledade Silos. Mas isso, traduzido em linguagem comum, significa, por um lado, que ele simpatizava com D. Miguel e, por outro, que não simpatizava com D. Pedro e os liberais, preferindo a obediência às autoridades religiosas legítimas à dos intrusos, que então tinham sido colocados à frente da diocese. Isto é, ele era “cismático” segundo o P.e Silos… por não ser cismático, como o mesmo P.e Silos.
O P.e Manuel José Gonçalves da Silva sofreu então o vexame de estar expulso da sua paróquia durante sete anos por se ter colocado do lado certo.
E que se sabe do P.e Domingos José de Abreu? Terá sido ele um oportunista ou um liberal convicto? O mesmo P.e Silos dirá dele que tinha a sua política do catavento: “a sua conduta moral e civil [em 1845] é boa ou menos má, e a política é de catavento”. Talvez seja mais uma apreciação injusta, mas deve ter alguma coisa de verdade: algum oportunismo.
Durante os anos da ausência do reitor Manuel José Gonçalves da Silva, aconteceu muita coisa em Balasar, relacionada com a nova devoção à Santa Cruz. O P.e Leopoldino Mateus dá-nos conta disso no importante artigo que publicou no Boletim Cultural Póvoa de Varzim em 1959.
Que fontes utiliza este antigo pároco de Balsar?
A “Carta de Sentença Cível de Património da Capela da Santa Cruz de Jesus Cristo colocada na freguesia de Santa Eulália de Balasar”, os “Estatutos da Confraria do Senhor da Cruz”, com as anotações de Custódio José da Costa, e as actas da Junta de Paróquia.
E conta alguma coisa sobre esta mudança de párocos? Não. Provavelmente, saberia até pouco sobre a história do dificílimo período que Portugal então viveu.
Como podemos conhecer o que então se passou? Para um conhecimento genérico, há que recorrer a uma boa história do país (costuma-se citar com alguma frequência a História Concisa de Portugal, de Hermano José Saraiva) e a uma história da Igreja (a mais conhecida é a História da Igreja em Portugal, de Fortunato de Almeida). O Mons. José Augusto Ferreira, que foi pároco de Vila do Conde, escreveu uns Fastos Episcopais da Igreja Primacial de Braga, em três volumes, que também convém consultar.
Para avançar num sentido mais local e preciso, é indispensável ler, embora com todas as reservas, os Inquéritos Paroquiais feitos pelo arcipreste P.e Silos, em 1845. Os do concelho de Vila do Conde existem publicados em livro, os da Póvoa de Varzim foram publicados no Boletim Cultural Póvoa de Varzim. Nos dois casos a publicação foi promovida pelo P.e Franquelim Neiva Soares.
A partir daqui, haverá que recorrer aos livros paroquiais, como os registos, que actualmente, em parte estão em linha, aos livros das visitações (não se conservam, os de Balsar), às actas da Junta de Paróquia (embora o P.e Leopoldino as cite, hoje desconhece-se o seu paradeiro, tendo-se porventura perdido definitivamente). Para Balasar, há ainda o Tombo da Comenda, que é dos anos de 1830-33.

Nota - Nós estudámos a história deste período das lutas liberais relativa à nossa terra natal, que era sede dum pequeno concelho e fica a uns 12 km de Balasar, hoje Barcelos. Lá, dispusemos das actas da Câmara, das da Junta de Paróquia (a partir de 1838) e dos Livros das Visitações. Um dossiê bastante completo. O concelho era constituído por duas paróquias e os seus párocos seguiram caminhos opostos, o da nossa terra manteve-se fiel às autoridades legítimas da diocese e o outro foi um liberal assanhado, que chegou a ser preso ao tempo em que D. Miguel se assumiu como rei. Em 1834, o da nossa terá foi expulso e a freguesia anexada à sua vizinha. Em 1838, o tal pároco liberal foi assassinado e a legalidade foi então reposta na nossa terra.
O conhecimento mais pormenorizado deste período da história de Portugal ajuda, por exemplo, um professor de Português, como nós somos, a ter uma atitude mais rigorosa face a obras literárias como Viagens na Minha Terra, Os Maias ou Felizmente Há Luar! Esta última, em particular, justifica uma perspectiva muito crítica.

Sem comentários:

Enviar um comentário