quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

P.e Domingos da Soledade Silos


O P.e Domingos da Soledade Silos, o sacerdote que lavrou o registo de baptismo de Eça de Queirós, tem um lugar de importância na história do Arciprestado de Vila do Conde e Póvoa de Varzim e o percurso da sua vida ajuda a perceber alguns aspectos da história da Santa Cruz de Balasar.
Domingos da Soledade Silos nasceu em Braga, a 17-12-1805, e morreu em Guimarães, a 22-7-1855. Em 1824, fez-se religioso franciscano. Frequentou então um curso de ciências positivas e reveladas, em que se graduou, tendo exercido o magistério na sua ordem. Leu ainda Teologia e Filosofia no Colégio de Santo António de Castelo Branco, em 1832. Ao que parece, devido às suas simpatias pelos novos ventos liberais, foi expulso da ordem.
Desde 1839, foi prior da Matriz de Vila do Conde, depois de ter tido já duas experiências de pároco, uma em Gémeos (Guimarães) e outra em Touguinhó (Vila do Conde).
Granjeou fama de bom orador sagrado e foi agraciado com as honras de pregador régio e cavaleiro da Ordem de Cristo. Publicou os seguintes sermões:
Sermão recitado em 4 de Abril de 1842 na festividade que mandou fazer a Câmara e autoridades de Vila Nova de Famalicão, etc., Braga. 1842; Oração fúnebre que nas exéquias aniversárias pela infausta morte de S. M. I. o Sr. D. Pedro IV recitou na real capela de N. S. da Lapa em 24 de Setembro de 1843, Porto, 1843; Oração fúnebre nas exéquias … pela morte de S. M. I. o Sr. D. Pedro de Alcântara, etc., tributada à sua memória pela segunda vez em 24 de Setembro de 1844, Porto, 1844; Oração fúnebre tributada no terceiro e sucessivo ano, à morte de S. M. I. o Sr. D. Pedro de Alcântara, etc., Porto, 1845; Oração recitada na real capela de N. S. da Lapa da cidade do Porto por ocasião do solene Te Deum Laudamus que a Ex.ma Câmara mandou cantar no dia aniversário 27 de Janeiro de 1845, etc., Porto, 1845.
Publicou mais: Vida preciosa e glorioso martírio de S. Torquato, Arcebispo de Braga. extraída das melhores autores tanto sagrados como profanos. Lisboa, 1845
Escreveu ainda vários artigos para jornais de Braga e do Porto.
Um dos sermões que dele conhecemos, achamo-lo uma verdadeira lástima, pela atitude bajuladora frente à corte e mesmo pelo tradicional aproveitamento abusivo do texto bíblico. Já o estudo sobre S. Torcato parece-nos aproveitável.
Em 1845, procedeu a arquidiocese bracarense a «Inquéritos Paroquiais», como nos dá conta A. Franquelim S. Neiva Soares no seu livro O concelho de Vila do Conde e os inquéritos paroquiais de 1825 e 1845. O P.e Domingos da Soledade Silos, que era então arcipreste, foi quem por cá pôs em marcha o processo.
Os tempos eram difíceis. A Maria da Fonte e a Patuleia estavam prestes a estalar e as feridas deixadas pela ascensão dos liberais ao poder ainda sangravam. O impacto de medidas como a extinção das Ordens Religiosas não podia deixar de ter o efeito de hecatombe, num país marcadamente religioso e inculto e por isso muito dependente da hierarquia religiosa. Depois, viera o cisma. Por iniciativa ou conivência do novo poder, a direcção das dioceses portuguesas foi ter às mãos de responsáveis não sancionados por Roma e adeptos incondicionais do regime. A Cristandade portuguesa esfacelava-se em grupos rivais e querelas inúteis.
Dum homem como o P.e Domingos da Soledade Silos, detentor de um nível cultural acima do comum, seria de esperar uma atitude conciliadora, que abrisse caminhos e se não enredasse nas questiúnculas do momento. Mas aconteceu o inverso. Colado à ideologia liberal, «exaltado e cismático ferrenho, não podia deixar de acusar os outros de miguelinos e cismáticos, até de inábeis» (op. cit., p. 17). Veja-se como se pronunciou a respeito dum colega seu duma paróquia rural vilacondense:
Frequentou Filosofia e Retórica, porém com pouco proveito. Foi um cismático acérrimo, e um realista atrevido - hoje é bom por não poder ser mau; da sua conduta moral, pouco poderei informar, contudo nada me consta; tem forças e aptidão para ser pároco, se por desgraça o nomearem. (ibidem, p. 65).
Foi este seu entusiasmo liberal que lhe trouxe à paróquia o jovem pai de Eça, também ele defensor apaixonado da mesma ideologia. Ainda solteiro e funcionário público, as coisas tornar-se-lhe-iam difíceis se o caso da sua paternidade fosse demasiado badalado. Ora, como o pároco poveiro era muito conservador, recorreu ele ao correligionário “exalta­do”, que naturalmente se prontificou a dar seguimento compreensivo ao apuro.

Registo de baptismo de Eça de Queirós em linha.

Imagens:
Ao cimo, retrato do P.e Domingos da Soledade Silos; ao fundo, fragmento do registo de baptismo de Eça de Queirós. A fotocópia donde ele se digitalizou foi feita a partir do original. Apesar de bastante apagada, ainda se lê nela: "José Maria, filho natural de José Maria de Almeida da Teixeira de Queirós e de mãe incógnita..." Por cima do registo, está a assinatura do Prior vilacondense.

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