domingo, 28 de abril de 2013

O evangelista S. Lucas - palestra na Tuitio Fidei


O evangelista S. Lucas não foi apóstolo, mas deve ter sido um convertido dos primeiros tempos da Igreja, certamente um helenista. Possuía uma cultura diversificada. Além de autor do terceiro evangelho, é também autor dos Actos dos Apóstolos.
Ele é o principal evangelista do Espírito Santo e de Nossa Senhora. A maior parte do que sabemos da Mãe de Deus chegou-nos através dele. Isto já o valoriza no contexto da devoção à Beata Alexandrina, que se distinguiu por uma muito terna e grande devoção à Mãe de Jesus.
A seguir à Páscoa, nas leituras das eucaristias, ouvimos muitas vezes trechos dos Actos dos Apóstolos, mas no actual ano litúrgico ouvimos quase sempre o Evangelho de S. Lucas.
Os Actos dos Apóstolos são um livro importantíssimo. É por ele que conhecemos como viviam as primeiras comunidades (muitos dos membros delas tinham conhecido Jesus na vida terrena), que conhecemos como actuaram os apóstolos nos primeiros tempos, como se converteu S. Paulo, as suas viagens apostólicas, a propagação da Igreja na Síria, na Ásia Menor (Turquia), na Grécia.
Foi como resposta às necessidades destas comunidades que se redigiram os Evangelhos.
Eu vou comentar alguns passos do Evangelho de S. Lucas; para poder dizer alguma coisa menos vaga sobre ele, deixo de lado os Actos.


A Anunciação (Lc 1 26-38)

Consideremos os primeiros parágrafos:

Quando Isabel estava no sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem prometida em casamento a um homem de nome José, da casa de David. A virgem chamava-se Maria.
O anjo entrou onde ela estava e disse:
- Ave, ó cheia de graça! O Senhor está contigo!
Ela perturbou-se com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação.

Convém dizer que o nome comum virgem (palavra de origem latina que corresponde à grega partenos) significava rapariga, jovem solteira.
Sobre a saudação do Anjo, é possível que o ave da tradução portuguesa (ave é uma palavra latina) corresponde ao shalom hebraico.
Pelos vistos, na rua um homem não saudava uma mulher. Ora Maria é saudada por um anjo, que parece mais um ser masculino que feminino. E ao chamar-lhe cheia de graça dá-lhe um elogio muito grande. Ela perturbou-se.
A expressão O Senhor está contigo! lembra outras expressões semelhantes do texto bíblico antigo e significa que Deus A escolhera para uma missão e Lhe prometia auxílio para esse fim.
José é da casa de David, para garantir a filiação davídica de Jesus, o Messias anunciado.

O anjo, então, disse:
- Não tenhas medo, Maria! Encontraste graça junto a Deus!
Conceberás e darás à luz um filho e pôr-lhe-ás o nome de Jesus.
Ele será grande: será chamado Filho do Altíssimo e o Senhor Deus lhe dará o trono de David, seu pai. Ele reinará para sempre sobre a descendência de Jacob e o seu reino não terá fim.

A perturbação de Maria foi muito grande, por isso o Anjo quis sossegá-La. Depois acrescentou mais um elemento da mensagem: Encontraste graça junto a Deus!
Dizer a uma jovem solteira que ela vai conceber e dar à luz um filho devia fazer estremecer: espera-se que uma jovem solteira tenha uma palavra a dizer sobre o fruto do seu ventre, que lhe compromete o futuro. O que vale é que o Senhor estava com Ela… E Ele ia ser rei…
Maria rapidamente deve ter percebido que estava em causa o cumprimento duma profecia messiânica muito antiga, o que o Anjo confirma e explica: vai nascer dela o Filho de Deus, o Messias, Filho de David.
Isto mostra que Deus tem grande plano para Ela, está mesmo com Ela.

Maria, então, perguntou ao anjo:
- Como acontecerá isso, se eu não conheço homem?
O anjo respondeu:
- O Espírito Santo descerá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
Por isso, aquele que vai nascer será chamado santo, Filho de Deus.
Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice. Este já é o sexto mês daquela que era chamada estéril, pois a Deus nada é impossível.

Aqui trata-se o tema da concepção virginal do Redentor, pelo poder do Espírito Santo, anunciada há séculos. O filho desta jovem Maria (Mariame) será Filho de Deus…
Qual poderia ser a reacção duma mulher comum a um anúncio destes?

Maria disse:
- Eis aqui a escrava do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra.
E o anjo retirou-se.

A expressão Eis aqui a escrava do Senhor! deve-nos faz-nos estremecer a nós. Ser escrava é coisa muito séria.
A Beata Alexandrina ofereceu-se como vítima, que é quase o mesmo. Mas ainda assim, escrava…
A jovem Maria, Nossa Senhora, teria então 14/15 anos, como a Alexandrina por altura do Salto.
O sentido desta escravidão já se vai esclarecer.


A visita à prima Isabel e o Magnificat (Lc 1 29-56)

Ir de Nazaré a Judá implica andar lá para uns 130 km. Ousada ou curiosa esta jovem? Sobretudo santa.

- Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!
Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor?

A Ave-Maria está-se a construir.
Se a jovem Maria é a “a mãe de meu Senhor”, Ela é a Mãe de Deus… Que honra recebê-La!
Agora o canto de Nossa Senhora: Ela tem veia poética (a Beata também a tinha…) Mas sobretudo era agradecida.

- A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre escrava!
Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas o Poderoso e o seu nome é Santo.

“Desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações”: nós não podemos falhar nesta proclamação.
Afinal, a “escrava do Senhor” não se sente de mãos atadas. Como diz um salmo, “o Senhor é meu pastor, nada me pode faltar”. Ela confia nele inteiramente.
Daqui para a frente está sobretudo no poema a realização das promessas messiânicas.
O Magnificat e o Canto de Ana no Livro de Samuel.


Jesus no começo da vida pública em Nazaré (Lc 4 16-30)

O episódio tem duas partes: na primeira, Jesus afirma-Se como Aquele que vem cumprir os anúncios de Isaías, como o Messias, e todos Lhe dão crédito; na segunda, há a rejeição.

Jesus então ensinava nas sinagogas e era aclamado por todos. Dirigiu-se a Nazaré, onde se havia criado. Entrou na sinagoga em dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Foi-lhe dado o livro do profeta Isaías. Desenrolando o livro, escolheu a passagem onde está escrito (61,1s.):
- O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor.
E enrolando o livro, deu-o ao ministro e sentou-se; todos quantos estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Ele começou a dizer-lhes:
- Hoje cumpriu-se este oráculo que vós acabais de ouvir.

Isto como que continua a Anunciação (referência ao Espírito Santo) e parece Evangelho de S. João, onde Jesus constantemente afirma a sua filiação divina do modo mais declarado. Aqui não o declara taxativamente, mas pouco menos. Mas na sua terra.
S. Lucas é o único evangelista que narra este episódio.

Ele, porém, passou por entre eles e retirou-se.

Esta frase significa que Jesus é que decide quando há-de começar a caminhada para a morte, quando é chegada a sua hora.


A Parábola do Filho Pródigo (Lc 15 11-32)

Resumir.
O pai liberal.
Em qual dos filhos nos reconhecemos?
A festa pelo que regressou.
Uma imensa fortuna para o que permaneceu: Tudo o que é meu é teu. Liberalidade mais uma vez.
Isto lembra aquela parábola dos homens que foram trabalhar para a vinha em diferentes horas do dia e receberam todos a recompensa generosa dum dia inteiro.

O bom ladrão (Lc 23 39-43)

Resumir.
Isto não é uma parábola, mas um episódio acontecido. Comenta a parábola do filho pródigo.
Alguém imagina um bom ladrão?
Um ladrão é sempre mau, até porque nunca se sabe se um roubo não acaba em mortes.
E este bom ladrão não devolveu o furto. Como é que pode entrar no Céu, ainda por cima “hoje mesmo”? Que sacerdote é que o poderia absolver?
Isto passou-se no momento mais alto da redenção, na cruz…
Jesus, que como o seu Pai, é muito rico, deve-se comprometer a compensar os que haviam sido roubados.
Mas o ladrão praticou alguma obra sublime? Fez alguma coisa…
Isto desorganiza as nossas ideias.


“Amai-O! Amai-O! Ele é tão bom!”

O primeiro mandamento ordena-nos que amemos a Deus. Será que algum de nós considera que tem investido no cumprimento dele? Pode-se dizer: pelas minhas obras eu demonstro que O amo. Mas amor implica um sentimento caloroso, alegria, como diz Nossa Senhora no Magnificat. Será que nos ensinam a amar a Deus?
O amor parece ser sobretudo o prazer do convívio. Eu sei que amo alguém se sinto prazer em colaborar com essa pessoa, em estar na sua presença. Penso que o Evangelho de S. Lucas nos ensina de um modo muito original e convincente a amar a Deus. Na parábola do filho pródigo Deus é um pai que dá abraços. Não pede muito e oferece quase tudo. E dá uma festa, com música, para assinalar o regresso do filho, que se comportara mal. Na Cruz, Jesus oferece gratuitamente e imediatamente o Céu àquele ladrão que nós mandaríamos, no mínimo, para um longo purgatório.
Nós devemos descobrir a alegria, a gratidão da oração de Nossa Senhora:

Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre escrava!
Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e o seu nome é Santo.

Isto é amor a Deus.
No túmulo da Beata Alexandrina, diz-se de Jesus: “Amai-O! Amai-O! Ele é tão bom!”
Isto vale para o Filho, para o Pai e para o Espírito Santo: “tudo o que o Pai faz, o Filho o faz também”. Tudo o que o Filho faz, o Pai e o Espírito Santo o fazem também.

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