segunda-feira, 8 de julho de 2013

Poesia do reitor que baptizou os pais da Beata Alexandrina (5)

 Mais poemas do P.e António Martins de Faria. Estes, agrupámo-los sob o título de Amor de Deus.

Amor de Deus

Undique me circumdat amor[1].
São Boaventura

Ou me sente, à noite, à mesa,
Os meus livros folheando;
Ou ande o meu giro dando
De manhã pela devesa –

Ou suba, com sol, ao monte,
Para ver rolar o mar;
Ou desça ao val’, com luar,
Para ouvir gemer a fonte –

Ou a colher violetas
Me quede no meu jardim;
Ou, feito criança, enfim,
Corra atrás das borboletas –

Em toda a parte, Senhor,
Como diz um grande santo,
Me sinto com doce encanto
Cercado do teu amor.


Brados da Natureza

Coelum et terra et omnia quae in eis sunt, ecce undique mihi dicunt ut amem te[2].
S. Agostinho

Que Vos ame, Senhor, em toda a vida –
Diz-me o céu de safiras cravejado –
Que Vos ame, Senhor, e sem medida –
Diz-me a terra também em alto brado.

Em coro com a concha, arremessada
À praia pelo mar sempre inconstante,
Do monte a crista pelo sol doirada
O mesmo brado solta altissonante.

Casado com a fonte cristalina,
Que rega noite e dia o verde prado,
O mesmo brado solta na campina
O bem e mal-me-quer tão consultado.

O mesmo brado solta em seu gorjeio
O meigo rouxinol – la na devesa –
O mesmo brado solta de seu seio
Por toda a parte toda a natureza.

Amar-Vos, pois, Senhor, cordialmente,
Como pede a natureza e Vós mandais,
Doravante será unicamente
O meu empenho todo e nada mais.

Sem Vós, porém, Senhor, por mais que faça,
Amar-Vos como devo, é-me impossível.
Dai-me, porém, Senhor, a vossa graça
E o impossível se fará possível.


Anelos

Do corpo liberta, deixada do mundo,
Diante da corte do reino dos Céus,
Minha alma deseja num hino cadente
Dizer o que sente de Ti, ó meu Deus.

No meio dos Anjos, que ao três vezes Santo,
Entoam louvores sem nunca cessar,
Minha alma teu nome, sagrado, bendito,
Teu ser infinito deseja louvar.

Os teus atributos, os teus predicados,
As tuas grandezas, meu Deus e Senhor,
Deseja minha alma cantar com anseio,
Dos santos no meio, num canto de amor.

Deseja que todos bendigam teu Braço,
O Braço possante que tudo criou –
Que céu, mar e terra, que cousas infindas,
Quais delas mais lindas, do nada criou.

Que deu ao luzeiro formoso do dia
Um lúcido manto do mais fino ouro –
Que deu à rainha d anoite um vestido
De prata tecido, que vale um tesouro.

Que deu liberdade, que deu livre curso
Às aves ligeiras que cruzam o ar –
Que deu aos peixinhos, por vasta morada,
A água salgada das ondas do mar.

Que deu a macela, que deu a bonina
Ao prado mimoso, coberto de relva –
Que deu arvoredo frondoso, sombrio
À margem do rio nascido na selva.

Que deu aos canteiros, de murta bordados,
Matizes das rosas das mais lindas cores –
Que deu às campinas, aos bosques fechados
Os doces trinados de alados cantores.

Que deu alma ao homem, imagem fundida
No molde divino dum Ser Imortal –
Imagem que pode, na vida futura,
Gozar da ventura da luz eternal.

Tais são os desejos, tais são os anelos
Que sente minha alma com santo fervor
Ao ver tantas obras, ao ver tantas filhas,
As mil maravilhas do seu Criador.

[1] O amor (de Deus) envolve-me de toda parte.
[2] O céu, a terra e tudo o que neles há, eis que em meu redor me dizem que Vos ame.

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