Veio Jesus. Senti-O entrar
no meu coração e nele se sentar ainda antes de O ouvir. Sentou-se e, como para
descansar, inclinou nele a Sua santíssima cabeça e disse:
- Minha filha, desce o
amor à dor, a luz à noite, à escuridão, às densas trevas. Dor, noite, escuridão
e densas trevas permitidas por Mim. É o remédio, é a medicina das almas. Aqui
posso descansar, aqui não pode o mundo ferir o meu Divino Coração, aqui recebo
tudo, tudo o que pode dar uma criatura ao seu Deus; aqui consolo-Me,
delicio-Me.
- Meu Jesus, custa-me
tanto, tanto ouvir-Vos falar assim. Sou tão miserável, sou só miséria! Como
podeis dizer isso? Como podeis consolar-Vos depois de tanta maldade e
ingratidão que encontrais em mim, para me falardes desta forma?
- Escuta, filhinha amada,
não quero, não posso consentir que voltes a dizer-Me o que encontro em ti para
assim te falar. Não posso eu honrar-te com honrosos títulos, levar-te à maior
altura, à mais alta dignidade?
És minha filha, falo do
que é meu. És minha esposa, esposa que possui as qualidades do seu Esposo,
esposa que só ao Esposo se assemelha. Enriqueci-te das minhas riquezas, elogio
e honro as minhas coisas, o que é meu. Tu és a minha pomba bela, um coração de
fogo, fogo que queima, fogo que purifica, fogo que atrai a Mim os corações,
fogo que é capaz de incendiar o mundo, o mundo que te confiei, o mundo que é
teu.
Pede, pede, minha filha,
pede oração e penitência e emenda de vida, pede, e que peçam aqueles que
desejam ver o reinado do meu Divino Coração!
Oh, o que espera o mundo,
se não se levanta e se reconcilia comigo!
Jesus levantou-se do meu
coração, ergueu as Suas santíssimas mãos e dos Seus santíssimos olhos corriam
lágrimas em grande abundância: pareciam duas fontes. A soluçar muito,
continuou:
- Vês o meu Divino Coração
aberto? É o pecado, é o prazer da carne; é o pecado, é o mundo. Salva-o, salva-o,
minha filha, não deixes perder o meu Sangue!
Pede-lhe que se converta,
faz que as almas venham a Mim, reúne em meu divino Coração as minhas ovelhas,
todo o meu rebanho! Pede, pede em nome de Jesus! Penitência, oração e sincera
reconciliação!
- Jesus, Jesus, basta, não
façais isso.
Ofereço-Vos a minha vida e
a minha morte; ofereço-Vos todo o meu corpo e todo o meu sangue; dou-Vos o meu
amor, aceito quanto Vos aprouver dar-me, toda esta vida de sofrimento, mas
levantai-Vos já, meu Jesus, descei as Vossas santíssimas mãos, estancai as
Vossas lágrimas. Que horror, meu Jesus, não posso ver-Vos assim! Como pode a
grandeza infinita ajoelhar-se diante da maior miséria, do mais pequenino nada?!
Jesus levantou-Se,
sentou-Se de novo em meu coração, estendeu sobre os meus ombros o Seu
santíssimo braço e uniu o Seu santíssimo rosto ao meu, apertou-me fortemente,
cobriu-me de beijos e incendiou no meu coração o fogo que no d’Ele ardia.
- Quanto consolou o meu
Divino Coração a tua oferta, o teu amor! Vejo em ti a graça, a pureza, a
heroicidade das almas!
- Não é isso que eu quero,
Jesus. Dizei-me a razão por que procedestes assim? Sendo Deus, ajoelhaste-te
diante da criatura mais pobre e miserável. Só Vós sabeis quanto isso me
atormenta.
- Minha pura, minha bela,
maior é o sacrifício, mais tens que oferecer-Me. Escuta então. Não é de
joelhos, de mãos postas e com lágrimas que se movem os corações à compaixão? É
tão grande o amor que tenho às almas como grande é o meu poder. O meu procedimento
é a sede das almas. Não se pode comparar a sede humana à sede divina.
Quantas vezes as
criaturas, para saciarem a sua sede ardente, ajoelham-se, mergulhando seus
lábios em água nojenta, lodosa e em lama. Eu, a Grandeza sem igual, para saciar
minha sede, para pedir a salvação das minhas almas, ajoelhei-Me na minha esposa
querida, revestida de Mim, transformada em Mim, a pedir-lhe as almas, a
pedir-lhe o mundo, esse mundo que é lodo e lama nojenta. Assim transformada em
Mim, nada via em ti de miséria; vi as minhas maravilhas, a minha grandeza.
Não é verdade que Eu disse
“o que é grande faça-se pequeno”? Tu és o espelho que tudo reflecte. Em ti,
como quando passei no mundo, vou dando o exemplo. Maravilhosa lição, ensina-a
às almas! És tu, filha minha, que lhe dás o passaporte para a eternidade.
Ai do mundo, ai de
Portugal, se não corresponderem às graças que lhes dou!
Ai do mundo, mas ai mais
ainda de Portugal, se não agradecer os benefícios que por ti recebe!
Espalha pureza, espalha a
graça, incendeia amor, amor, amor!
E descansa, vítima
inocente, em meu Divino Coração, toma conforto para a tua dor sem igual e
inigualável martírio.
Inclinei-me eu então para
Jesus, descansei no seu Divino Coração, e nova efusão de amor, vinda dele,
abrasou o meu coração.
Já vai alta a noite,
sinto-o a arder, mas já mal posso dizer palavra.
- Tomai, meu Jesus, tomai
em conta o meu sacrifício. Se em mim houvesse querer, preferia andar sempre,
sempre de rosto em terra e nada dizer do que se passa em minha alma.
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