quarta-feira, 19 de maio de 2010

Balasar e Poça da Barca

Rezava assim a nota que, em 12 de Abril de 1914, Cândido Manuel dos Santos enviou para O Intransigente:

Fiquei admirado quando vi escrito que o Sr. Santos Graça disse, na entrevista a França Borges, que daria Balasar a Vila do Conde, a propósito da Poça da Barca.
Ele foi a Lisboa reclamar um direito ou fazer uma troca de freguesias? Se é, como creio, de justiça a vinda da Poça da Barca para a Póvoa, seria isto o que o Sr. Graça devia pedir, mas nunca dar em troca aquilo que nos pertence. Naturalmente esqueceu-se que era poveiro e de que sempre anda apregoando bairrismo e patriotismo…
O Sr. Graça assim tem tanta queixa de Balasar? O povo aqui não é democrático como ele…
Mas nós não queremos ser vila-condenses, nem à mão do Sr. Graça, «deus-padre, todo-poderoso», demagogicamente falando…

Estava em causa portanto anexar à Póvoa um bocado das actuais Caxinas, a parte norte, para onde tinha crescido a Lapa e que antes era desabitado; em troca, a Póvoa cedia Balasar a Vila do Conde. Um mês adiante, em 3 de Maio, a redacção d’O Intransigente comentou o que se estava a passar num pequeno artigo intitulado “Póvoa e Balasar”, que se transcreve abaixo. 
Ao que se depreende do escrito de Cândido dos Santos, a propaganda republicana radical tinha produzido efeito na freguesia, com muitos estragos, com certeza.

Está o povo de Balasar indignado, e com justificada razão, por causa do chefe democrático local, Sr. António dos Santos Graça, administrador e comerciante, ter querido negociar com ­aquela freguesia, dando-a a Vila do Conde, a propósito da desejada anexação da Poça da Barca à Póvoa de Varzim.
Balasar tem razão: é da Póvoa e não quer ir nem quer que a levem para a Vila do Conde, não se quer vender, nem consentirá que a vendam como escravos em tempos ominosos, - Balasar é mais patriota do que aqueles que andam sempre a apregoar... patriotismo e bairrismo e têm a infeliz e triste lembrança - para não empregar outro termo - de querer negociá-la como se negoceia fazendas ou se monopoliza anúncios camarários.
Balasar tem razão, e a Póvoa não tem culpa do que disse ou quis fazer alguém. A Póvoa quer Balasar e não consentiria tal facto – para não empregar outro termo.
Aquilo foi um arranco náufrago que, vendo-se no momento crítico, lançou uma blasfémia ­no auge do desespero e da descrença. Perdoai-­lhe, Balasar, que ele não soube o que disse.
Balasar é pela Póvoa e a Póvoa é por Balasar. O resto... são desabafos d'alma, que nada justificam nem nada valem. A Póvoa lamenta e protes­ta contra o facto, declinando a sua responsabilidade.
Mas... ainda haverá democráticos naquela ­freguesia que, por conveniências políticas, sacrifiquem o seu amor patriótico? O melhor protesto contra a calinada é o povo dali deixar o partido que tal chefe tem e votar contra ele nas próximas eleições. É um protesto legal e justo e que contribuirá para abalar o pedestal dum homem que parece desconhecer as responsabilidades da chefia dum partido, e para cuja conservação no pedestal não se importava de patrioticamente ceder Balasar a Vila do Conde, a propósito da justa anexação da Poça da Barca.

Na imagem: Igreja de Nosso Senhor dos Navegantes, paroquial das Caxinas.

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