Eu vou falar sobre o nascimento, sobre a
família e sobre os primeiros anos da vida da Alexandrina em Gresufes; mas, para
que, desde o começo, os meus ouvintes formem uma ideia de como ela é excepcional
e merecedora das nossas atenções, citarei agora umas frases que Jesus lhe
dirigiu em 15 de Abril de 1949 e onde a definiu como escola:
Minha filha, escola de toda a humanidade!...
Quanto deve
ela aprender nesta escola – escola da vida de Cristo, escola da ciência do Altíssimo!
É aqui que
aprendem os pequenos, os grandes, os ignorantes e os sábios.
É nesta escola
que se aprende a sofrer e a amar.
Perante estas afirmações, em primeiro
lugar, é natural que sintamos uma forte vontade de aprender na escola da Alexandrina
e, depois, devemos procurar que outros a frequentem: devemos divulgá-la.
Eu entendo que as palavras de Jesus são
também proféticas: se ela é “escola de toda a humanidade”, é porque o vai ser… porque
neste momento ainda não é…
Há muitas outras declarações deste
género. Jesus pedia-lhe muito, mas era divinamente generoso com ela,
exaltando-a, privilegiando-a com um papel de destaque na Igreja e no mundo.
Nascimento
A Alexandrina nasceu aqui perto, em
Gresufes, na casa dos avós, no dia 30 de Março de 1904 (100 anos depois, foi
beatificada).
Era quarta-feira da Semana Santa e ela
foi baptizada no Sábado de Aleluia. O padrinho foi o Tio Joaquim, que muito
mais tarde irá morar na Casa do Calvário.
A vida mística da Alexandrina vai girar
quase toda em volta da semana da Paixão.
Os
Vicentes
Os Vicentes – a família materna da
Alexandrina – não eram pobres; eram certamente uns lavradores remediados,
embora isso não equivalha ao que actualmente consideramos uma família de
remediados. Uma família remediada de hoje vive melhor do que gente muito rica
do tempo, que não tinha energia eléctrica, não tinha aquelas máquinas que agora
há em todas as casas, água quente, televisão, telefone e Internet, que tinha
uma alimentação pouco diversificada, um vestuário pouco variado, meios de deslocação
rudimentares, etc.
Ser remediado no tempo, nos meios
rurais, era trabalhar alguns campos seus, sem depender da oferta de trabalho
alheia, muitas vezes sazonal. Era ter casa própria, dispor de pão e vinho para
todo o ano, de lenha sua, era poder criar um cevado, dispor dum vestuário que
não se ficasse pelo estritamente utilitário e pouco mais.
A mãe da Alexandrina, que se chamava
Maria Ana da Costa, tinha 27 anos em 1904 e era já uma mãe solteira: tinha outra
menina, a Deolinda.
Nisto não foi exemplar; mas depois havia
de ser mesmo muito exemplar.
Além do Joaquim e outro irmão, Maria Ana
da Costa tinha ainda duas ou três irmãs.
Março é tempo de frio, por isso a Alexandrina
nasceu na cozinha, frente à lareira, sobre uma enxerga.
A casa dos Vicentes foi mais tarde à
falência e arruinou-se, mas a cozinha não. Está lá, mas é particular.
A servir de banco de namoro, frente à
casa, está o lintel do portal fronho, que data de 1764. Na residência
paroquial, conserva-se um escudete de fechadura, isto é, uma das ferragens do
portal.
O
pai da Alexandrina
Quando nasce um filho, há sempre uma
mãe, mas há também um pai. O pai da recém-nascida chamava-se António Xavier, era
duma casa do lugar em que nos encontramos, Vila Pouca; era brasileiro e
prometia casamento à Maria Ana da Costa. Os Xavieres eram padeiros.
Ele prometia casamento, mas falhou
cobardemente: ainda a menina não devia ter nascido e já António Xavier tinha casado
com outra, na Póvoa.
Foi uma decisão muito errada: rejeitou
as filhas, deixou à mãe todos os cuidados delas e perdeu uma grande mulher: se ele
tivesse casado com a Ana da Costa, ela faria dele um homem respeitável. A ela
sobrava-lhe energia para trabalhar, era boa figura e uma pessoa apaixonada.
Inscrição do lintel do portal fronho da casa dos avós da Alexandrina.
Na sua cegueira, António Xavier trocou-a por uma mulherzinha: chegou a ter de pedir auxílio económico… à acamada Alexandrina, a filha que ele rejeitara.
Na sua cegueira, António Xavier trocou-a por uma mulherzinha: chegou a ter de pedir auxílio económico… à acamada Alexandrina, a filha que ele rejeitara.
Como
era então Gresufes?
Gresufes era um beco, um fim do mundo: a
esta aldeia ia-se e voltava-se: não se passava ali para lado nenhum (hoje já
não é bem assim). Os acessos eram fraquíssimos e até a igreja ficava longe.
Ao tempo da infância da Alexandrina,
deviam viver lá umas 50 pessoas, algumas abastadas: os Machados, os Torres, os
Farias, os Santos, os Boucinhas.
No ano em que ela nasceu, morreu Manuel
Boucinhas, um político local tão considerado que da Póvoa veio um comboio
especial com gente para participar no enterro.
Durante séculos, na Idade Média, Gresufes
foi sede de paróquia e pertenceu a uma importante família nobre.
Em tempos muito mais recuados, de antes
de Cristo, próximo de Gresufes e de Vila Pouca, houve um outeiro, um local celta
de qualquer actividade religiosa; cerca dum quilómetro a norte, existiu um
castro, o Castro de Penices. Mas muito antes, lá para 2.000 anos antes de
Cristo, ao pé de onde depois se construiu o castro, houve um monumento
megalítico, uma mamoa.
Próximas da aldeia da Alexandrina,
ficavam as aldeias de Vila Pouca (onde estamos) e Além. Em Além, também havia
alguns lavradores grandes, em Vila Pouca nem tanto.
Os nomes Vila Pouca, como Vila Nova, que
ficava mais para sul, vêm do tempo visigótico.
Em certos períodos do ano Gresufes deve
ser um local muito bonito: a aldeia fica ao fundo de dois vales, o Vale do
Painho e o Vale Grande, e tem água com abundância: até houve lá um moinho. Quando
a Primavera enchesse o lugar de verdura ele devia ser um recanto encantador.
EPISÓDIOS
EM GRESUFES
Os episódios que a Beata Alexandrina
conta na Autobiografia e que decorreram em Gresufes são poucos, talvez meia
dúzia. Vou contar alguns:
A ferida ao canto da boca
Como era desinquieta e, enquanto
minha mãe descansava um pouco, tendo-me deitado junto dela, eu não quis dormir
e, levantando-me, subi à parte de cima da cama para chegar a uma malga que
continha gordura de aplicar no cabelo – conforme era uso da terra – e, por ter
visto alguém fazê-lo, principiei também a aplicá-la nos meus cabelos. Minha mãe
deu por isso, falou-me e eu assustei-me. Com o susto, deitei a malga ao chão,
caí em cima dela e feri-me muito no rosto.
Foi preciso recorrer
imediatamente ao médico que, vendo o meu estado, recusou-se a tratar-me,
julgando-se incapaz.
Minha mãe levou-me a Viatodos, a
um farmacêutico de grande fama, que me tratou, embora com muito custo, porque
foi preciso coser a cara por três vezes e levou bastante tempo a cicatrizar a
ferida. O sofrimento foi doloroso.
Ah, se desta idade soubesse já
aproveitar-me dele!... Mas não.
Depois de um curativo, fiquei
muito zangada com o farmacêutico; este ofereceu-me alguns biscoitos e vinho,
que depois de amolecidos no vinho queria que os comesse. Eu tinha fome e, às
vezes, até chegava a chorar porque não podia mexer os queixos. Não aceitei a
oferta e ainda maltratei o farmacêutico.
Ora aqui está a minha primeira
maldade.
Por causa deste ferimento, a Alexandrina
ficou sempre com uma marca ao lado da boca.
A minha terra é pegada a Viatodos e por
isso eu sei várias coisas sobre o farmacêutico de que a Alexandrina falou. A
farmácia ficava no rés-do-chão dum óptimo palacete que ele mandou construir
poucos anos antes de ela lá ir. Ainda conheci essa casa. Depois, ela foi
comprada por um brasileiro que a restaurou radicalmente. Mais tarde, sofreu um
incêndio. Hoje ainda existe, mas é muito diferente da original.
O farmacêutico era o Sr. Oliveira. Um
dia enviuvou e casou com uma familiar dum médico que foi presidente da Câmara
da Póvoa e médico da Alexandrina, o Dr. Abílio Garcia de Carvalho.
Escudete do portal fronho da casa dos avós da Alexandrina.
Maria-rapaz, mas briosa
Era viva e tão viva que até me
chamavam maria-rapaz. Dominava as companheiras da minha idade e até as mais
velhas do que eu. Trepava às árvores, aos muros e até preferia estes para
caminhar em vez das estradas.
Gostava muito de trabalhar:
arrumava a casa, acarretava a lenha e fazia outros serviços caseiros. Tinha
gosto que o trabalho fosse bem feito e gostava de andar asseadinha. Também
lavava roupa e, quando mais não tinha, era o meu aventalinho que trazia à
cinta. Quando não sabiam de mim, era quase certo encontrarem-me a lavar num
ribeiro que corria perto de casa.
A Alexandrina era uma pequena
saudável e activa.
O ribeiro ainda não saiu do
sítio, está ali.
A brincadeira da égua
Um dia, fui com a minha irmã e
uma prima apascentar o gado, entre ele uma égua. A certa altura, a égua fugia
para o lado do campo que estava cultivado e, como a fosse tornar, ela atirou-me
ao chão, dando-me com a cabeça, e depois colocou-se sobre mim; de vez em quando
raspava-me o peito com uma pata sobre o meu coração, como quem brinca.
Levantava-se, relinchava e voltava a fazer o mesmo. Fez assim algumas vezes,
mas não me magoou.
As minhas companheiras gritaram e
acudiram várias pessoas que ficaram admiradas de eu sair ilesa da brincadeira
do animal.
A égua podia ser da casa Machado
ou da Torres. As casas ricas tinham charrete para as deslocações.
A chuva de flores
Tinha eu 6 anos quando, de noite,
me entretinha, por muito tempo, a ver cair sobre mim inúmeras pétalas de flores
de todas as cores, parecendo chuva miudinha. Isto repetiu-se várias vezes. Eu
via cair estas pétalas, mas não compreendia; talvez fosse Jesus a convidar-me à
contemplação das suas grandezas.
Isto se calhar isto era apenas sonho,
mas é poético e talvez premonitório: um dia Jesus vai-lhe dizer que pretende
fazer nela “grandes cosias”. Seria o que lhe estava a anunciar desde muito longe.
É ela vai para a Póvoa quando tem
quase sete anos e, quando volta, tem oito, e passa a morar no Calvário.
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