quinta-feira, 2 de abril de 2015

A Ceia Pascal segundo a Beata Alexandrina

A longa narração Ceia Pascal que se segue é transcrita do livro organizado pelo Pe. Humberto A Paixão de Jesus em Alexandrina Maria da Costa. Paga a pena ler ou reler.

   "Ide preparar-nos o necessário para comermos o cordeiro pascal". (Lc. 22, 8)

1. Ao cair da tarde, a grande Ceia do amor. Amor que grande ingratidão recebeu.
2. Veio os ânimos e cuidados com que se prepara a Ceia: vejo que vai ser a Ceia do amor, das maravilhas, como outra jamais seria.
3. Sinto que Jesus vai dando aos seus as suas ordens e, parando de passos a passos, olha com os seus olhares divinos a Cidade ingrata, o Horto de tanta amargura, o Calvário que O espera.

   “Pôs-se à mesa e os apóstolos com Ele”
   (Lc. 22, 14)

4. Subi com Jesus e com os apóstolos para a grande sala onde foi realizada a Ceia. Quando subia a escadaria, sentia que Jesus ia faminto por ir comer com os Seus discípulos aquela Ceia.
5. Mas antes de principiar a cerimónia via a Mãezinha louca de dor, lacrimosa, cabelos desgrenhados. Jesus fez-se compreender que poucas horas depois Ela iria, assim neste estado, ao Seu encontro nas ruas da amargura.
6. Foi grande a dor do Seu divino Coração com a visão das lágrimas da Mãezinha!
7. Vi Jesus sentar-se à mesa com os Seus apóstolos. E ao sentar-se, falou para si o Seu divino Coração: “Manjar divino: a Ceia do meu amor!” Todo o aposento se iluminou e todos os apóstolos ficaram embebidos naquele amor que Jesus irradiava pelos Seus divinos olhos, lábios e todo o Seu ser, porque todo Ele era amor.
8.   Jesus era amor, amor, só amor; amor a enfrentar maldade e ingratidão. Judas, já não era Judas: já se via nele um verdadeiro demónio. [i]
9. O olhar esgazeado do mau discípulo ficou gravado em meu coração.
10. Desesperado, com o demónio nele e o fogo infernal, já não recebeu o amor de Jesus.

   “Vede, a mão daquele que Me vai entregar está comigo à mesa!”
   (Lc. 22, 21)

11. Vi Judas à mesa, mas mais retirado um pouco. Queixo comprido, olhos esgazeados, cabelos esticados: todo ele já não parecia um homem: só se via nele um desespero infernal.
12. Foi doloroso e arrepiante o ler no coração de Judas os maus instintos, a falsidade que tinha para com Jesus e ser por seus olhares venenosos contemplado! Judas fitava Jesus com maldade e, sem querer fazê-lo, fazia-o para disfarçar. Jesus fazia-o com doçura e bondade para o convidar a Si.
13. Ele oferecia-lhe o Coração e queria abraçá-lo.
14. Que doces convites a um coração de pedra, a um rochedo que não se move!
15. Dois quadros tão diferentes: uma traição sem igual e um amor sem igual. Quantos convites cheios de doçura a essa traição! O traidor resiste, a nada se rende; não se sente bem ao pé do Cordeirinho vítima inocente.
16. Tinha dentro em mim, bem gravados na alma, dois olhares: o de Jesus e o de Judas. Que diferença! O de Jesus, terno e a espalhar amor. O de Judas, esgazeado, desesperador. Possuía também dois corações, os dos mesmos: o de Jesus, cheio de bondade e de santos convites; o de Judas, cheio de rancor e ódio.
17. Vem a traição, a venda do que há de mais belo e inocente, a entrega, a falsa entrega.
18. A amargura da minha alma não pode subir mais alto.

       “Depois deitou água numa bacia e começou a lavar os pés aos discípulos” (Jo. 13, 5)

19.  Vi-O depois tomar em suas divinas mãos uma bacia grande, redonda; cingir o seu pescoço com uma toalha e seguir o lava-pés.
20.  Senti que um[ii] a quem causava muita impressão lavar-lhe os pés, a um olhar e poucas pala­vras, até já se despia para, se preciso fosse, lavar-lhe todo o corpo.
21.  No lava-pés, Jesus não só lhos lavava, mas o seu divino Coração baixava tanto que até lhos queria beijar. Eu sentia que Jesus com o seu espírito lhos beijava. Que lição para mim! Que humildade a de Jesus!
22.  Fui aprender a ser pequenina. Jesus, o Senhor de tudo, fez-se o mais pequenino no meio dos apóstolos Ele amava tanto, tanto!
23.  Ah, se eu pudesse exprimir aqui todo o amor, toda a bondade e ternura de Jesus, que bem podia fazer às almas! Mas não sei melhor.
24. Jesus dava do seu divino Coração para cada um dos seus discípulos o seu divino amor, em raios luminosos como sol a aparecer no horizonte. Todos os discípulos o receberam e deixaram-se por ele iluminar. Apenas Judas se fechou e recusou o Seu brilho e luz.

“Tomai e comei: isto é o meu corpo… Bebei dele todo. Porque este é o meu sangue...” (Mt. 26, 26-72)

25. Que noite, que santa noite! A maior de todas as noites. A noite do maior milagre, do maior amor de Jesus! O seu divino Coração estava preso àqueles que lhe eram tão queridos. Para poder partir, tinha que ficar entre eles; para subir ao Céu, tinha que ficar na Terra. [iii] Assim O obrigava o seu amor divino.
26. O sofrimento amado, quem te compreenderá?
27.  Queria que todos conhecessem aquele mistério de pão e vinho transformados no Corpo e Sangue do Senhor! Que milagre prodigioso! Que abismo insondável de amor! Apesar de se sentir mergulhada nele, não o compreendia para o saber explicar; só o soube sentir, e só no Céu o compreenderei.
28. Vi o doce Jesus a abençoar o pão.
29. Queria saber dizer, poder mostrar, no memento da bênção, os olhares que Jesus levantou ao Céu.
30. De olhos fitos no Céu, em chamas de fogo, orou por tanto tempo a seu Eterno Pai.
31. Vi o seu rosto de tal forma inflamado, que mais parecia ter em Si só a vida do Céu, do que ser uma semelhança nossa: não perecia homem, mas sim só Deus: amor, só amor.
32.  Que encanto! O seu santíssimo rosto era se luz, parecia que só fogo o rodeava; com os olhos encantadores fitos no Céu e um Sorriso doce abençoava o pão, que pouco depois por todos distribuía.
33.  Foi tal a luz, foi tal o amor que a todos embebeu: Jesus, os apóstolos e eu!
34.  E naquele momento de amor e maravilha sem igual, senti que o mundo era outro. Jesus dava-se a ele em alimento e partia para o Céu, e com ele ficava; aquele amor estendeu-se por toda a humanidade.

   “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica em Mim e Eu nele”
   (Jo. 6, 56)

35.  Que cena tão tocante, que cena só de amor, só de um Deus! E a Eucaristia, meu Deus, que maravilha, quando Jesus a instituiu!
36. Nunca senti tanto ao vivo as ternuras e o amor de Jesus com os seus discípulos. Todos os discípulos comungaram das mãos de Jesus, abrasados em amor. Hei-de dizer que Judas comungou também. Ele estava mais afastado: Jesus estendeu a Sua divina mão para o lado dele com o Manjar celeste.
37.  Judas ficou logo como um condenado do inferno, tal era o seu desespero.
33.  Jesus falava sempre com a mesma doçura e meigos sorrisos.
39.  E os apóstolos, naquela hora mais que nunca, se encheram de Jesus [iv], se inflamaram de amor e chegaram a compreender tudo quanto Ele lhes dizia.
40.  Só na sala da Ceia experimentei, por alguns momentos, a grandeza do Seu amor, grande como o Céu e a Terra, grande como a mesma grandeza de Deus.
41. Como Ele amou; como Ele ama! Os Seus desejos, que vivêssemos d’Ele e para Ele.
42. A Mãezinha, retirada um pouco, mas pre­sente, compartilhava de tudo isto.

Depois de Judas engolir o bocado… saiu imediatamente. (Jo. 13, 27-30)

43. Não sei como eu era o alimento, eu era a Hóstia.
44. O meu coração era o cálice, era o vinho, era o pão. Todos vinham comer e beber a este cálice. Dali em diante toda aquela cena seria renovada. Mas, oh! Que horror, o que eu vi: tantos Judas a comerem e a beberem indignamente! Que línguas tão sujas! Mas mais horror ainda: mãos tão indignas a distribuírem este Pão e este Vinho! mãos indignas, corações cheios de demónios! Que horror, que horror de morte! Senti tanta dor, que de dor e horror parecia-me rasgar a alma e despedaçar o coração
45. Senti também em mim a língua de Judas, língua que ardia de fogo infernal, depois que comeu o Pão e bebeu o Vinho abençoado por Jesus.
46. Judas, quase logo, saiu com a saca do dinheiro[v], para O ir vender.
47. Fugiu desesperado a vomitar fora aquela Ceia celeste que por Jesus lhe tinha sido dada. E continuou a sua traição.

“Vós sereis meus amigos... tudo quanto ouvi de meu Pai vo-lo dei a conhecer” (Jo. 15, 14-15)

48. Toda a assistência ficou em paz e amor.
49. Convívio de grande intimidade! As conversas são animadoras.
50. Que conversação de tanta sabedoria e paz!
51. Queria poder fazer sentir a todos os corações o que é o amor de Jesus para com a alma que verdadeiramente O ama.
52. Senti o amor com que João se inclinou ao Seu santíssimo peito e o amor que, naquele momento, Jesus lhe fez sentir. [vi]
53. Como se uniram tão docemente o Coração divino de Jesus ao coração do discípulo amado! Jesus consolava-Se no Seu discípulo e este no seu Mestre. Esta união suavizou a dor angustiosa de Jesus.
54. Senti que o doce Amor dava a gozar e sofria Ele amargamente. Naqueles momentos, muito concentrado, em profundo silêncio, viu todo o Horto e Calvário. E sobre Ele caiu como fera furiosa toda a humanidade.



[i]  “No decorrer da ceia, o diabo meteu na cabeça de Judas que O entregasse” (Jo. 13, 2).
[ii]  O apóstolo Pedro (Jo. 13, 6)
[iii]  “Sempre que no altar se celebra o sacrifício da cruz, no qual ‘Cristo, nossa Páscoa foi imolado’ (I Cor. 5, 7), realiza-se também a obra da nossa redenção” (LG,3).
[iv]  “Deu-lhes um alimento do Céu… Comeram até se saciarem…” (Salmo 77, 24-29).
[v]  Judas tinha sido encarregado por Jesus de ter a bolsa do grupo apostólico (Jo. 13, 29).
[vi]  Paulo VI afirmou que o mistério do Coração de Jesus é “celebração do Amor de Deus, que reverbera sobre o Coração humano do Verbo encarando” (AAS, 67). Nas origens deste culto aparecem duas cenas evangélicas: a de João que reclina a cabeça sobre o peito do Mestre e, principalmente, a do peito de Jesus rasgado pela lança de um dos soldados. Elas levaram gradualmente a piedade cristã a considerar a obra redentora como um mistério de amor. Isto aparece de forma muito eloquente através destas páginas da Alexandrina.

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