terça-feira, 2 de agosto de 2011

A primeira visita do P.e Humberto à Alexandrina

O que me determinou a ir a Balasar foi uma série de comentários desfavoráveis da parte de alguns sacerdotes a respeito da doente, e os factos fora do comum que lhe diziam respeito. As opiniões formuladas levaram-me a este raciocínio: - Está em causa uma alma. É preciso ajudá-la. Se é uma alma iludida ou culpada de mistificações, é preciso iluminá-la quanto antes, para que não se perca. Se, ao contrário, é uma alma recta ou mesmo santa, é preciso confortá-la e defendê-la, custe o que custar.
Quebrou as minhas últimas indecisões a Rev. Madre Chantal, superiora da Visitação em S. Miguel das Aves. Assim satisfazia os pedidos da menina Mariana Inês de Mello Sampaio, a qual se me tinha dirigido, por ocasião duma peregrinação aos Valinhos, em nome do primeiro director da Alexandrina e um outro padre da Companhia, o P.e Abel Guerra, superior do Colégio de Macieira de Cambra.
Satisfazia também os pedidos de D. Maria Joaquina, de Pardilhó, irmã do Arcebispo de Curza, que tinha encarregado o P.e Ismael de Matos, salesiano, de me pedir que fizesse ao menos uma visitazinha à Alexandrina.
Antes de ir a Balasar, pedi licença ao médico assistente, Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, conforme resulta de uma carta dele que conservo.
Entrei pela primeira vez no quartinho da doente no dia 22 de Junho de 1944 e hospedei-me em casa dos Costas até ao dia 25.
A minha atitude foi de quem observa, de quem tudo escuta.
Confesso que me atormentavam dúvidas acerca de tudo e um certo cepticismo que me esforcei por ocultar, para não agravar a situação dolorosa daquela família, alvo de falatórios e de suspeitas da parte da Autoridade eclesiástica.
Os colóquios demorados com a Alexandrina e com a Deolinda deram-me imediatamente mais do que a sensação, a certeza de me encontrar perante uma alma virtuosíssima e toda de Deus.
Depois deste meu encontro, a pedido da menina Mariana Inês Mello Sampaio, enviei à mesma umas ligeiras impressões que ela queria entregar ao Superior dos Jesuítas de Macieira de Cambra. Ei-las:

“Visitei a Alexandrina em 22 do mês de Junho de 1944 e fiquei em sua casa até 24 – tendo ocasião de falar com ela longas horas e assistir ao êxtase de sexta-feira, dia 23.
Impressionou-me a sua simplicidade rara, o seu equilíbrio, a sua união com Deus, a sua serenidade no sofrimento.
Não sei como, mas desprende-se dela uma irradiação tão grande de bondade que infundiu em mim duas coisas: um conceito mais claro e firme da misericórdia e do amor de Jesus, e uma vontade mais viva de corresponder a Deus Nosso Senhor.
Os mesmos sentimentos consta-me ter deixado em outras pessoas, até em pessoas afastadas do bom caminho.
Interrogada por mim acerca de umas provações que muito a devem ter feito sofrer, respondeu com a maior naturalidade, sem tomar atitude de vítima, com sorriso até, e sem a mais pequena recriminação contra ninguém, declarando só, e com expressões breves, que a magoava o pensamento de que estas coisas entristecem muito o Coração de Jesus.
As conversas dela, mesmo sobre mistérios e coisas espirituais, são todas de uma ortodoxia clara, impecável… superior à instrução duma rapariga do povo que não leu tratados nem vidas de santos, a não ser uns opúsculos ou uns artigozitos de alguma revista popular.
É de uma lucidez admirável, quando se pensa que ela sofre de uma doença tão grave e tão antiga. O jejum completo de dois anos é coisa que observações cuidadas dos médicos comprovam e não souberam explicar.
Tem uma linguagem simples, mas elevada, como pessoa culta… e grande propriedade de expressões para retratar certos estados de espírito, que manifestam uma vida interior excepcional.
Ao pé da sua cama não há a atmosfera duma enfermaria, mas respira-se a alegria mais suave e santa, como numa capela.
É uma rapariga acolhedora, de uma caridade finíssima, previdente, providente… faz-nos lembrar a bondade de um São Francisco de Sales.
Vive de amor de Deus, vive de amor pelo próximo; esquecida de si, só deseja o bem e a salvação das almas.
Se eu quisesse dizer tudo, seria um nunca mais acabar. E tudo o que eu disse encontra-se nela sem pretensões, sem atitudes forçadas ou estudadas. O extraordinário que nela se passa é como que uma coisa só com a simplicidade e a prudência singela que, a meu ver, são as qualidades mais precisos numa alma daquelas.
Não sou eu quem deva julgar a Alexandrina; mas, no entanto, pelos elementos que tenho, ninguém me convence de que não se trata duma pessoa fidedigna e que, em vez de ser abandonada e posta de lado, devia ser acompanhada na sua vida espiritual, para que Nosso Senhor, embora não precise dos homens, possa, pela direcção de um sacerdote culto, prudente e santo, levá-la pelos caminhos por que a chama. E sabemos como Nosso Senhor, infinitamente sábio, não dispensa a obra do sacerdote.
Estará próxima também a hora em que o seu director virá dirigi-la? Oxalá que sim! Creia que o desejo vivamente, peço-o a Deus, e quem me dera poder fazer alguma coisa para isso.
Aqui vão as impressões que me pediu. Faça destas regras o uso que quiser. Oxalá que elas sirvam para o bem…”

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