A memória mais antiga de representações
dramáticas em Balasar remonta a 1903, quando Manuel Sá criou o seu Grupo Cénico
“que levou ao palco dramas sacros e comédias hilariantes”. Uma vez que na
altura a população das Fontainhas era muito reduzida e não seria possível
improvisar qualquer espaço para as representações, estas devem ter ocorrido
próximo da igreja, que ainda era a do Matinho.
As
Reisadas
Em 1926 ou 1927, um tal Vieira levou à
cena o Auto de Natal[1] ou
as Reisadas, uma extensa, diversificada e antiga produção popular de tema
natalício. Era uma obra aberta, em verso (a comum redondilha), onde cabiam
momentos sérios de reflexão sobre o nascimento do Salvador, mas também se
encaixavam momentos burlescos, anedóticos ou outros.
O Vieira, que descendia do tecelão da
Gandra, levou a peça à cena em várias freguesias da vizinhança.
A figura principal era a do tirânico
Herodes; uma figura secundária do auto era o Conde Alberto (que ocorre no
rimance de D. Silvana, que foi também muito popular). Uma personagem que os
espectadores fixavam era Bambalho, o capitão da polícia de Herodes.
Vejam-se dois fragmentos da obra. No
primeiro, em que Herodes conversa com Bambalho, há um quiproquó um pouco
primário:
Diz Herodes:
Olá!
Ou eu variei do
sentido
Ou então, se
penso bem,
Bambalho está
doido varrido.
Bambalho...
Bambalho...
Acorda,
Bambalho!
Diz Bambalho estremunhado:
A corda foi na
burra!
Neste outro o rei alteia o tom para
expressar a desorientação que o atormenta:
Diz Herodes:
Ó Céus dos
sacros impérios,
Vós não me
desampareis,
Que eu prometo
fielmente
Cumprir sempre
as vossas leis.
Mas este caso é
sério
E resolver-me
não sei.
Vou para o meu
gabinete
Considerar no
que farei.
Reparar no assomo vago de fé do
sanguinário Herodes e na anacrónica menção do seu gabinete.
O êxito das Reisadas deve ter sido
grande a ponto de o responsável delas chegar a ser convidado a repeti-las no
Brasil.
De facto, as Reisadas já se deviam
representar em Balasar desde muito antes: já eram célebres aí por 1914.
Um noticiário de meados de 1935 fala da
Tuna de Balasar; este agrupamento musical devia intervir no espectáculo das
Reisadas.
A
Morte de Abel
Em 31 de Janeiro de 1937, inaugurou-se o
salão paroquial de Balasar. Em Março, o professor primário António Costa criou
na freguesia um novo Grupo Cénico. Mas fala-se também do grupo Rambóias, que em
Abril representou a engraçada comédia em um acto “Medicomania”. Talvez se
tratasse do mesmo.
Uma obra teatral de tema bíblico
repetidamente aí representada foi A Morte
de Abel. Pessoas há na freguesia que ainda dela se recordam, pois tinha
cenas que impressionavam muito vivamente.
Um dos actores era certamente Celestino
Manuel dos Santos, um homem que se dava também a fazer versos.
Em 19 de Maio, o grupo Os Rambóias
ensaiavam-na e em breve devem ter começado as representações pois em Agosto o
Pe. Leopoldino informava que “o salão recreativo tem tido bastante concorrência
desde a apresentação da Morte de Abel,
que tem agradado muito. Acompanha os cânticos a piano o Sr. Professor Carvalho
Costa”.
Veja-se agora o que noticiou o Pe.
Leopoldino em Abril de 1939:
Realizou-se há
dias uma festa escolar. O teatro encheu-se por completo e muita gente não
assistiu por falta de lugar, tal o interesse que o espectáculo despertou no
ânimo do povo desta freguesia e das freguesias circunvizinhas.
Pelo enunciado
do programa, ver-se-á a sua importância: A
Avozinha, o Riso, A Floreira, Os Ninhos, Sou gente, A Poveira, Fábula Polaca,
Homem do Campo, O Lobo e o Cordeiro, O Lagarto e a Cobra, Já Sou uma Senhora, a
patriótica canção José Maria, O Edital, A Tabuada, O Delicado, O meu Gatinho, o
Rantaplão, A Caminho da Feira, O que eu Faço, Lição de História.
Terminou com o
cântico A nossa Bandeira pela menina
Maria Adelaide Ferreira da Costa.
Insano trabalho
tiveram os professores António Costa e D. Conceição Reis para ensaiar as
crianças, fazendo de rudes moradores do campo lindos actores que se houveram
muito bem no desempenho dos seus papéis, merecendo fartos aplausos.
O entusiasmo devia ir em grande pois nas
Fontainhas criou-se um salão-teatro:
Em 2 de Outubro
de 1938, inaugurou-se o novo teatro das Fontainhas, explorado pelos irmãos
Gomes, da oficina de consertos de automóveis e bicicletas. Da parte cénica está
encarregado o grupo recreativo de Balasar, habilmente dirigido pelo professor
Sr. Carvalho da Costa. O pequeno teatro tem tido grandes enchentes, agradando
as peças representadas.
Ida
do Grupo Cénico a Forjães
Pouco depois da Páscoa de 1939, o Grupo Cénico foi a Forjães, Esposende, e deu um
espectáculo no Teatro Escolar da freguesia. Foi um sucesso, como o Pe.
Leopoldino deu conta n’A Voz da Póvoa de
1 de Junho:
A propósito da
representação do nosso grupo cénico, diz o correspondente de Forjães para o Esposendense:
“Como
noticiámos, realizou-se no passado domingo realizou-se na passado domingo um
espectáculo no Teatro das Escola Rodrigues de Faria pelo Grupo Recreativo de
Balasar, Póvoa de Varzim. Nos diversos números exibidos, foi destacada a Sra.
D. Maria Adelaide da Costa que bem demonstrou a sua competência teatral.
Pelos seus
admiradores que mais aplaudiram foi-lhe posto o nome de ‘O Rouxinol de
Balasar’.
Ao grupo
apresentamos os nossos cumprimentos sinceros pela forma gentil como se despediram
desta freguesia. A canção de saudade que dedicaram a Forjães mereceu bem a
congratulação que lhe foi manifestada”.
Congratulamo-nos
com o bom êxito do nosso interessante Grupo Recreativo, que parece ter chegado
ao termo da sua efémera existência pelo casamento do Rouxinol e retirada para o
Brasil de um dos seus mais categorizados membros.
No Salão-Teatro
das Fontainhas, um grupo de amadores de Laundos exibiu o lindo drama sacro Santo Patriarca Abraão. De principiantes
nada mais se pode exigir, todavia o nosso povo, a quem falta a educação cívica
e literária, antes prefere as obscenidades dos cantadores de aldeia à
existência duma representação educativa.
A Mário Santos,
dirigente do novo Grupo, enviamos o nosso cartão de parabéns pelo bom êxito da
sua arrojada empresa, que educa os componentes e preserva-os dos meios
corruptores da taberna.
Com a Rouxinol casada, deve ter acabado
o teatro.
Mas nas Fontainhas ainda se há-de
assinalar… cinema.
[1] Júlio Dinis, n’A Morgadinha dos Canaviais, fornece uma
ideia de como em seu tempo se vivia a representação do Auto de Natal: era um
acontecimento artístico que prendia as atenções duma freguesia. Alguns actores
improvisavam partes do seu texto.
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