O evangelista S. Lucas não foi
apóstolo, mas deve ter sido um convertido dos primeiros tempos da Igreja,
certamente um helenista. Possuía uma cultura diversificada. Além de autor do
terceiro evangelho, é também autor dos Actos dos Apóstolos.
Ele é o principal evangelista do
Espírito Santo e de Nossa Senhora. A maior parte do que sabemos da Mãe de Deus
chegou-nos através dele. Isto já o valoriza no contexto da devoção à Beata
Alexandrina, que se distinguiu por uma muito terna e grande devoção à Mãe de
Jesus.
A seguir à Páscoa, nas leituras
das eucaristias, ouvimos muitas vezes trechos dos Actos dos Apóstolos, mas no
actual ano litúrgico ouvimos quase sempre o Evangelho de S. Lucas.
Os Actos dos Apóstolos são um
livro importantíssimo. É por ele que conhecemos como viviam as primeiras
comunidades (muitos dos membros delas tinham conhecido Jesus na vida terrena),
que conhecemos como actuaram os apóstolos nos primeiros tempos, como se
converteu S. Paulo, as suas viagens apostólicas, a propagação da Igreja na
Síria, na Ásia Menor (Turquia), na Grécia.
Foi como resposta às necessidades
destas comunidades que se redigiram os Evangelhos.
Eu vou comentar alguns passos do Evangelho
de S. Lucas; para poder dizer alguma coisa menos vaga sobre ele, deixo de lado os
Actos.
A Anunciação (Lc 1 26-38)
Consideremos os primeiros
parágrafos:
Quando Isabel estava no
sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade
da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem prometida em casamento a um
homem de nome José, da casa de David. A virgem chamava-se Maria.
O anjo entrou onde ela estava e
disse:
- Ave, ó cheia de graça! O Senhor
está contigo!
Ela perturbou-se com estas
palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação.
Convém dizer que o nome comum virgem (palavra de origem
latina que corresponde à grega partenos)
significava rapariga, jovem solteira.
Sobre a saudação do Anjo, é
possível que o ave da tradução
portuguesa (ave é uma palavra latina)
corresponde ao shalom hebraico.
Pelos vistos, na rua um homem não
saudava uma mulher. Ora Maria é saudada por um anjo, que parece mais um ser
masculino que feminino. E ao chamar-lhe cheia
de graça dá-lhe um elogio muito grande. Ela perturbou-se.
A expressão O Senhor está contigo! lembra outras expressões semelhantes do
texto bíblico antigo e significa que Deus A escolhera para uma missão e Lhe prometia
auxílio para esse fim.
José é da casa de David, para
garantir a filiação davídica de Jesus, o Messias anunciado.
O anjo, então, disse:
- Não tenhas medo, Maria!
Encontraste graça junto a Deus!
Conceberás e darás à luz um filho
e pôr-lhe-ás o nome de Jesus.
Ele será
grande: será chamado Filho do Altíssimo e o Senhor Deus lhe dará o trono de
David, seu pai. Ele reinará para sempre sobre a descendência de Jacob e o
seu reino não terá fim.
A perturbação de Maria foi muito
grande, por isso o Anjo quis sossegá-La. Depois acrescentou mais um elemento da
mensagem: Encontraste graça junto
a Deus!
Dizer a uma jovem solteira que ela vai conceber e dar à
luz um filho devia fazer estremecer: espera-se que uma jovem solteira tenha uma
palavra a dizer sobre o fruto do seu ventre, que lhe compromete o futuro. O que
vale é que o Senhor estava com Ela… E Ele ia ser rei…
Maria rapidamente deve ter
percebido que estava em causa o cumprimento duma profecia messiânica muito
antiga, o que o Anjo confirma e explica: vai nascer dela o Filho de Deus, o Messias,
Filho de David.
Isto mostra que Deus tem grande
plano para Ela, está mesmo com Ela.
Maria, então, perguntou ao anjo:
- Como acontecerá isso, se eu não
conheço homem?
O anjo respondeu:
- O Espírito
Santo descerá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
Por isso, aquele que vai nascer
será chamado santo, Filho de Deus.
Também Isabel, tua parenta,
concebeu um filho na sua velhice. Este já é o sexto mês daquela que era chamada
estéril, pois a Deus nada é impossível.
Aqui trata-se o tema da concepção virginal do Redentor, pelo
poder do Espírito Santo, anunciada há séculos. O filho desta jovem Maria
(Mariame) será Filho de Deus…
Qual poderia ser a reacção duma mulher comum a um anúncio
destes?
Maria disse:
- Eis aqui a escrava do Senhor!
Faça-se em mim segundo a tua palavra.
E o anjo retirou-se.
A expressão Eis aqui a escrava do Senhor! deve-nos faz-nos estremecer a nós. Ser
escrava é coisa muito séria.
A Beata Alexandrina ofereceu-se
como vítima, que é quase o mesmo. Mas ainda assim, escrava…
A jovem Maria, Nossa Senhora,
teria então 14/15 anos, como a Alexandrina por altura do Salto.
O sentido desta escravidão já se vai esclarecer.
A visita à prima
Isabel e o Magnificat (Lc 1 29-56)
Ir de Nazaré a Judá implica andar lá para uns 130 km. Ousada
ou curiosa esta jovem? Sobretudo santa.
- Bendita és tu entre as mulheres
e bendito é o fruto do teu ventre!
Donde me vem esta honra de vir a
mim a mãe de meu Senhor?
A Ave-Maria está-se a construir.
Se a jovem Maria é a “a mãe de meu Senhor”, Ela é a Mãe de
Deus… Que honra recebê-La!
Agora o canto de Nossa Senhora: Ela tem veia poética (a
Beata também a tinha…) Mas sobretudo era agradecida.
- A minha alma glorifica ao
Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou
para sua pobre escrava!
Por isto, desde agora, me
proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas
o Poderoso e o seu nome é Santo.
“Desde agora, me proclamarão
bem-aventurada todas as gerações”: nós não podemos falhar nesta proclamação.
Afinal, a “escrava do Senhor” não
se sente de mãos atadas. Como diz um salmo, “o Senhor é meu pastor, nada me
pode faltar”. Ela confia nele inteiramente.
Daqui para a frente está sobretudo no poema a realização das
promessas messiânicas.
O Magnificat e o Canto de Ana no Livro de Samuel.
Jesus no começo da
vida pública em Nazaré (Lc 4 16-30)
O episódio tem duas partes: na
primeira, Jesus afirma-Se como Aquele que vem cumprir os anúncios de Isaías,
como o Messias, e todos Lhe dão crédito; na segunda, há a rejeição.
Jesus então ensinava nas
sinagogas e era aclamado por todos. Dirigiu-se a Nazaré, onde se havia criado.
Entrou na sinagoga em dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para
ler. Foi-lhe dado o livro do profeta Isaías. Desenrolando o livro, escolheu a
passagem onde está escrito (61,1s.):
- O Espírito do Senhor está sobre
mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para
sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos
a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano
da graça do Senhor.
E enrolando o livro, deu-o ao
ministro e sentou-se; todos quantos estavam na sinagoga tinham os olhos fixos
nele. Ele começou a dizer-lhes:
- Hoje cumpriu-se este oráculo
que vós acabais de ouvir.
Isto como que continua a
Anunciação (referência ao Espírito Santo) e parece Evangelho de S. João, onde
Jesus constantemente afirma a sua filiação divina do modo mais declarado. Aqui
não o declara taxativamente, mas pouco menos. Mas na sua terra.
S. Lucas é o único evangelista que narra este episódio.
Ele, porém, passou por entre eles
e retirou-se.
Esta frase significa que Jesus é
que decide quando há-de começar a caminhada para a morte, quando é chegada a sua
hora.
A Parábola do Filho Pródigo
(Lc 15 11-32)
Resumir.
O pai liberal.
Em qual dos filhos nos reconhecemos?
A festa pelo que regressou.
Uma imensa fortuna
para o que permaneceu: Tudo o que é meu é teu. Liberalidade mais uma vez.
Isto lembra aquela parábola dos homens que foram trabalhar
para a vinha em diferentes horas do dia e receberam todos a recompensa generosa
dum dia inteiro.
O bom ladrão (Lc
23 39-43)
Resumir.
Isto não é uma parábola, mas um episódio acontecido. Comenta
a parábola do filho pródigo.
Alguém imagina um bom ladrão?
Um ladrão é sempre mau, até porque nunca se sabe se um roubo
não acaba em mortes.
E este bom ladrão não devolveu o furto. Como é que pode
entrar no Céu, ainda por cima “hoje mesmo”? Que sacerdote é que o poderia
absolver?
Isto passou-se no momento mais alto da redenção, na cruz…
Jesus, que como o seu Pai, é muito rico, deve-se comprometer
a compensar os que haviam sido roubados.
Mas o ladrão praticou alguma obra sublime? Fez alguma coisa…
Isto desorganiza as nossas ideias.
“Amai-O! Amai-O! Ele
é tão bom!”
O primeiro mandamento ordena-nos
que amemos a Deus. Será que algum de nós considera que tem investido no
cumprimento dele? Pode-se dizer: pelas minhas obras eu demonstro que O amo. Mas
amor implica um sentimento caloroso, alegria, como diz Nossa Senhora no
Magnificat. Será que nos ensinam a amar a Deus?
O amor parece ser sobretudo o
prazer do convívio. Eu sei que amo alguém se sinto prazer em colaborar com essa pessoa,
em estar na sua presença. Penso que o Evangelho de S. Lucas nos ensina de um
modo muito original e convincente a amar a Deus. Na parábola do filho pródigo Deus
é um pai que dá abraços. Não pede muito e oferece quase tudo. E dá uma festa,
com música, para assinalar o regresso do filho, que se comportara mal. Na Cruz,
Jesus oferece gratuitamente e imediatamente o Céu àquele ladrão que nós
mandaríamos, no mínimo, para um longo purgatório.
Nós devemos descobrir a alegria,
a gratidão da oração de Nossa Senhora:
Minha alma glorifica ao Senhor,
meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua
pobre escrava!
Por isto, desde agora, me
proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas
aquele que é poderoso e o seu nome é Santo.
Isto é amor a Deus.
No túmulo da Beata Alexandrina, diz-se de Jesus: “Amai-O!
Amai-O! Ele é tão bom!”
Isto vale para o Filho, para o
Pai e para o Espírito Santo: “tudo o que o Pai faz, o Filho o faz também”. Tudo
o que o Filho faz, o Pai e o Espírito Santo o fazem também.