Este valioso artigo do Dr. Dias de Azevedo aborda, como ele informa logo a começar, o tema das referências da imprensa à Alexandrina e ainda a sua inédia. No que à imprensa diz respeito, escaparam dois artigos saídos em 1947 no Jornal de Notícias, em 4 e 11 de Novembro. Para que não fiquem dúvidas, colocamos cópia de parte do primeiro desses artigos, em cujo cimo se vê a data da publicação.
Um colega amigo perguntou-me há meses a data das referências, pró e contra, ao “caso” de Balasar, e quais as revistas e jornais em que foram feitas.
Prometi-lhe dar essa relação, mas fui adiando a resposta. Novamente insistiu esse colega em que não esquecesse o que lhe prometi, querendo saber também quantos internamentos oficiais foram feitos para registar e constatar a total abstinência alimentar da nossa saudosa Alexandrina. Agora que se trata dos preparativos para o processo da sua beatificação, vem a propósito relembrar essas referências pedidas. Vou satisfazer, na medida do possível, a natural curiosidade desse meu colega, neste boletim.
O Sr. P.e Terças, no seu quinto volume da Vida de Cristo, narrou e anotou os factos que viu, em casa da Alexandrina, em 29 de Agosto de 1941. Muito e muito contristou aquela mártir de Balasar essa narração, que vinha divulgar o que se passava o mais oculto possível.
Depois, a Brotéria, em Janeiro der 1942, numa nota a pág. 83, critica a referência daquilo que chama “pretensos fenómenos místicos”, dizendo ainda que o que se atribui a um sacerdote da Companhia é “da exclusiva responsabilidade pessoal deste”. Mais tarde, a Brotéria, em Janeiro de 1947, classifica a Alexandrina de visionária, e eu, em 24 de Fevereiro seguinte, dei-lhe, n’ O Comércio do Porto, a resposta que entendi ser justa.
Depois, em 20 de Junho e 1 de Agosto de 1953, O Gaiato publicou duas notas, a que respondi, no Diário do Norte, em 30 de Junho, 7 de Julho e 4 de Agosto do dito ano. A resposta de 30 de Junho começou assim:
Depois de ligeira leitura, veio-me à memória aquele triste caso de S. Leonardo de Porto Maurício ter ido dizer ao Papa que S. Paulo da Cruz e seus companheiros eram homens perigosos e intrujões. Não teria ido de bom grado e sim por obediência, mas foi – este é o triste facto. No entanto, estes dois santos e grandes missionários foram canonizados no mesmo dia.
Em 5 de Agosto, 13 de Agosto, 17 e 21 de Outubro, o Jornal de Notícias publicou artigos pró e contra o Caso de Balasar e o Jornal do Médico também publicou artigos pró e contra em 8 de Agosto, 19 de Setembro, 10 de Outubro, 17 de Outubro, 24 de Outubro, 14 de Novembro e 26 de Novembro de 1950.
Foram nos jornais publicados um ou outro artigo, mas não tenho presentes as datas.
Sobre o internamento oficial da Alexandrina, houve um de 40 dias, rigorosíssimo, no Refúgio da Paralisa Infantil, na Foz do Douro, terminando o relatório dos médicos por dizer que não sabiam explicar clinicamente a vida das Alexandrina com a sua abstinência alimentar absoluta.
Atendendo a tudo isto, o Sr. P.e Mariano, S.J., o primeiro director espiritual da Alexandrina, escreveu no seu interessante e segundo livro No Calvário de Balasar, a pág. 187, o seguinte:
Novos espinhos: concluído o rigoroso exame de quarenta dias sobre a abstinência total de sólidos e líquidos por parte da Alexandrina, parece deveriam os adversários do caso, ao menos por prudência, calar-se. Mas nada disso: recrudesceu mais o seu zelo.
Houve até quem, ouvindo falar do exame, acorreu pressuroso ao Dr. Gomes de Araújo, antes que ele entregasse o seu relatório, a preveni-lo que “devia ter cuidado com o dito relatório, porque a Doente de Balasar era uma impostora... Que ficasse certo que se tratava de uma mistificação...” […]
Pareceu então ao Dr. Manuel de Azevedo ser de toda a conveniência que a Autoridade eclesiástica competente estudasse o caso e desse o seu parecer e orientação; e assim o significou ao Sr. Arcebispo Primaz várias vezes.
Foi tudo isto verdade; além disso, o Sr. Prof. Doutor Carlos Lima e eu afirmámos no nosso relatório que às sextas-feiras a Alexandrina representava fenómenos que julgávamos pertencer à Mística, que se pronunciaria sobre a sua classificação.
Ora, desta vez, em 1953, foi resolvido que o Sr. P.e Dr. Luís Filipe Caballero, antigo assistente na Faculdade de Medicina, em Espanha, se encarregasse, directa ou indirectamente, de fazer o estudo desses fenómenos, que muitos chamam e chamarão místicos, até que a Autoridade Eclesiástica se pronuncie em contrário.
Mas o Sr. P.e Dr. Luís Filipe Caballero resolveu pedir o auxílio de um neuro-psiquiatra, creio que bom médico, mas ateu, que queria constatar, em internamentos hospitalares, a inédia da Alexandrina, mas sendo vigiada, de dia e de noite, por médicos. Eu, como médico assistente, concordava com essa vigia ou estudo, mas feita na casa da Doentinha por mulheres, contratadas por eles, saindo de casa, para outra, todas as pessoas da família da Doentinha, responsabilizando-me por todas as despesas. Isto é, eu não queria que a Doentinha saísse de casa porque o seu estado não o permitia, sendo dessa opinião o Sr. Prof. Carlos Lima e o Sr. Dr. Gomes de Araújo.
Podiam fazer, de novo, o estudo das faculdades mentais da Doentinha e verificar, mas na casa dela, ocupada só por pessoas da confiança dos Srs. P.e Dr. Luís Filipe Caballero e do neuro-psiquiatra. Claro que a Autoridade Eclesiástica não tinha desta vez manifestado qualquer desejo, que a Doentinha cumpriria, ainda que morresse na viagem. Não obtendo resposta sobre o novo estudo que queriam fazer, eu escrevi a seguinte carta:
Ex.mo Sr. Dr. P.e Luís Filipe Caballero
Primeiramente, saúdo V.ª Ex.ª, dando-lhe a informação que as visitas à Doentinha de Balasar estão suspensas há quinze dias, não a visitando ninguém, a não ser uma ou outra pessoa sua antiga conhecida ou conhecida de pessoas da família da Doentinha, a fim de tratarem assuntos seus, particulares ou familiares. Pode ser, pois, marcado o dia da nossa primeira visita e serem iniciados os estudos neuro-psíquicos e ser principiada a verificação da abstenção total de alimentos, na Doentinha, parecendo-me na verdade desnecessário esse estudo da sua abstinência alimentar, como muito bem diz, numa carga a mim dirigida, o Sr. Doutor Carlos Lima, um dos antigos relatores.
Pensando bem na dificuldade da deslocação da Doentinha, quis interrogar sobre ela o Professor Sr. Dr. Carlos Lima e o Sr. Dr. Gomes de Araújo. Responderam-me que a deslocação era cheia de perigos e que estavam prontos a dizer isso mesmo numa conferência sobre o caso. Mais disse o Sr. Dr. Gomes de Araújo que estava pronto, se assim o quisessem, a completar o seu Relatório, em que disse que se aguardava que uma explicação fizesse a verdadeira luz. Por isso, parecia-me não ser desacertado, mas antes conforme à nossa deontologia, ouvir esses dois senhores médicos, que conhecem há anos a Doentinha, e por terem sido dos primeiros relatores do estudo clínico de há anos, e cuja cópia apresentei a V.ª Ex.ª, aproveitando eu agora o ensejo de rogar a fineza de não serem extraviados esses meus vários documentos a V.ª Ex.ª justamente confiados. No entanto, V.ª Ex.ª resolverá o que julgar mais conveniente sobre ouvir ou não esses dois médicos mencionados, ficando eu isento de qualquer futuro melindre desses Senhores.
Nenhum destes se melindrariam se o estudo fosse agora feito somente por V.ª Ex.ª, mas, desde que sejam ouvidos outros Senhores, parece-me que era bom ouvir também o Sr. Professor Dr. Carlos Lima e o Sr. Dr. Gomes de Araújo.
Posto isto, e para assentar as bases do estudo clínico da Doentinha, sem divergências de maior, eu quero dizer a V.ª Ex.ª o que julgo ser o meu dever, como médico assistente dela.
1.º - O estudo dessa Doentinha, para base do seu estudo ascético-místico, parece-me consistir principalmente em verificar o seu estado psíquico e ser constatada, de novo, se assim o quiserem, a sua abstinência alimentar. Este estudo será feito, sob vigilância contínua e juramento de religiosas ou mulheres de vida séria, podendo ser até descrentes, se assim o quiserem, mas da confiança de V.ª Ex.ª, não concordando que essa vigilância seja feita por homens, ainda que médicos, principalmente de noite. Sob este ponto de vista, o da vigilância da inédia da Doentinha, o nosso depoimento não será mais valioso do que o depoimento de pessoas fidedignas e do conhecimento de V.ª Ex.ª.
Como já disse, esse estudo já foi feito, durante 40 dias, e deveria bastar, como escreveu o Sr. Prof. Dr. Carlos Lima, mas faça-se o que, nesse sentido exposto, V.ª Ex.ª entender. O que agora interessa e faz falta é o estudo dos Teólogos, e para estes principiarem esse estudo bastaria verificar o estado normal das faculdades mentais da Doentinha.
2.º - Como médico assistente da Doentinha, não posso aprovar nem a deslocação dela, pois eu apresento a sua casa nas devidas condições de ser rigorosamente observada a sua abstinência alimentar, nem ainda qualquer exame traumatizante ou qualquer colheita de líquido céfalo-raquidiano, podendo ser feito o respectivo hemograma.
Para base do estudo dos Teólogos parece-me haver só duas coisas essenciais a verificar, se quiser fazer tábua rasa do que já foi feito: a verificação da sua inédia e o estudo psíquico da Doentinha. O resto é secundário e só serve para estabelecer divergências e martirizar a Doentinha, bem digna dos nossos maiores respeitos.
Podendo nós fazer uso desta carta conforme acharmos justo e conveniente, agradecendo e aguardando uma resposta, subscrevo-me com muita consideração e respeito
De V.ª Ex.ª Att Vener. E Mt. Obgd.º
Ribeirão, 14 de Julho de 1953.
Manuel Augusto Dias de Azevedo
Boletim de Graças, 1966, nº 105