Proibida
a festa do Sagrado Coração de Jesus
Ao tempo em que a pequena Alexandrina
estudava na Póvoa, o pároco da Matriz, que era o da Alexandrina, tinha um jornal,
O Poveiro, que teimava em usar da
antiga liberdade de expressão do tempo da Monarquia. E, em persistente desafio à
tirania republicana, sobreviveu algum tempo. Mais adiante, depois de ter sido levado
a tribunal quatro vezes e ganhar sempre, o administrador Santos Graça, em acto
da mais flagrante incompreensão do que é o convívio democrático, conseguiu que o Governo o silenciasse
e mandasse o pároco para o exílio. Foi nesse jornal que o pároco do Outeiro Maior
publicou esta notícia em meados de 1911:
Outeiro, Vila do
Conde, 2/8/1911
Realizou-se no
domingo passado a festividade do Coração de Jesus, precedida de práticas preparatórias
feitas pelo novel orador sagrado Adelino Anselmo de Matos, pároco de Curvos,
Esposende, que muito agradou e tirou abundante fruto, não obstante ter sido
chamado à última hora.
De manhã houve
comunhão geral, distribuindo-se o Pão dos Anjos a umas trezentas pessoas.
De tarde
realizou-se uma procissão em honra do SS. Sacramento, promovida por um grupo de
devotos e que este ano quiseram cooperar com a Associação do Coração de Jesus,
revestindo a festa mais solenidade em virtude de se ter levantado um novo e
lindo cruzeiro oferecido à freguesia por um grupo de briosos rapazes que daqui
foram para o Brasil e que, entregues ao labutar constante da vida, não se
esqueceram da sua terra natal nem da sua fé.
À frente da
procissão ia uma bandeira que, pela sua frente, em puro veludo de sedas,
ostenta os emblemas do Coração de Jesus, circundados por um ramo a ouro,
entrelaçado por uma fita a matiz, rematando tudo em uma espécie de dossel, que
produz um efeito surpreendente. Do lado oposto, encontra-se, também bordado a
ouro, o emblema JHS, tendo ao fundo um ramo a matiz de belo gosto, e ao cimo a
palavra “particular”, em semicírculo.
Como que a pôr
um embargo à alegria que todos sentiam no meio de tão linda e religiosa
festividade, por ser a única que agrada e consola o coração do verdadeiro
cristão e está no ânimo de todos os habitantes desta freguesia, apareceu um
ofício do cidadão Administrador do Concelho de Vila do Conde, com a nota de
“urgente”, que ao conhecer-se produziu o efeito de um frigidíssimo duche. Dizia
assim:
Ao cidadão
regedor da freguesia de Outeiro.
Tendo
conhecimento de que nessa freguesia se costuma anualmente fazer umas práticas e
confissões, sob a denominação de Coração de Jesus, tenho a dizer-lhe que tais
práticas são proibidas e punidas por lei. Queira pois não consentir e
participar-me, caso não sejam acatadas as minhas ordens.
Saúde
fraternidade.
Vila do Conde,
27 de Julho de 1911.
O Administrador
do Concelho – Luís da Silva Neves.
Está claro que
se a autoridade da freguesia – o Sr. António Gonçalves de Azevedo – não fosse
um cavalheiro prudente, um católico prático a quem agradam sobremaneira os
actos da nossa santa religião, na qual se esmera por educar toda a sua família,
este ofício viria privar este bom povo da sua querida festa, contristando-o e
talvez exaltando-o. Felizmente tudo se fez sem o mais pequeno incidente e no
meio da mais franca alegria. – P. A.
(Informação
saída no jornal O Poveiro, da Póvoa de Varzim, em 10/8/1911)
A comunicação enviada ao pároco do
Outeiro Maior foi também recebida em Parada, Bagunte e Junqueira.
O administrador de Vila do Conde não era
melhor que Santos Graça. Viera para ali do Porto, pelo que se pode supor que tivesse
alguma coisa de carbonário.
Quando a República completava um ano,
houve no país movimentações para lhe pôr termo. Isso foi oportunidade para o
soba vila-condense se desembaraçar de empecilhos: mandou prender alguns
vila-condenses socialmente notáveis e acrescentou-lhes os párocos da Junqueira,
de Bagunte, do Outeiro Maior, de Parada e o de Tougues. Era porém tão evidente
que alguns destes sacerdotes nada podiam ter a ver com o caso que em breve
foram libertados, caso do Pe. Pombal Amorim, do Outeiro Maior. O de Bagunte ainda foi levado para Lisboa, apesar de desde cedo swer reconhecida a sua inocência. Os da Junqueira
e de Tougues tiveram pior sorte: cem dias depois ainda penavam no Forte do Alto do Duque ou no de Caxias, juntamente com outros vila-condenses.
É claro que uma mensagem como a transcrita significava uma pressão no sentido de domesticar os párocos e indiciava também o ódio
republicano aos Jesuítas, que haviam sido os principais propagadores da devoção
ao Sagrado Coração de Jesus.
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