Padre
João José da Silva, antigo abade de Bagunte
Justifica-se
aqui a menção deste pároco de Bagunte, freguesia confinante com Balasar. Foi
sem dúvida um apaixonado do Sagrado Coração de Jesus a ponto de esculpir uma
imagem de Santa Margarida Alacoque e retocar a do Sagrado Coração de Jesus, que
certamente adquirira.
Quando
faleceu, naqueles republicanos meados de 1911, dois sacerdotes
escreveram sobre ele, um creio que era o pároco do Outeiro Maior, confinante
com Balasar e com Bagunte, e o outro era o arcipreste, o Pe. António Martins de
Faria.
O
Pe. João José da Silva começou a fazer assentos de baptismo em Bagunte no final
de 1867 e deve ter continuado na paróquia até 1904.
Vem
do tempo em que se começaram as obras da Basília do Sagrado Coração de Jesus na
Póvoa de Varzim e de quando em Balasar, e talvez em todas as freguesias vizinhas,
se criaram as associações do Coração de Jesus.
Se
é certa a memória do que vimos no arquivo paroquial daquela freguesia (o que
esperamos verificar), ele era assinante do Mensageiro do Coração de Jesus.
Este bom e simpático velhinho, grande e
prestimoso amigo nosso, marchou para junto de Deus, como nós piamente
acreditamos, no dia da Festa do Corpo de Deus, às duas horas da madrugada (de 1911). Parece que havia lá no Céu
necessidade da presença de tão bom sacerdote para solenizar o aniversário das
bodas do Cordeiro Imaculado.
É deste santo homem que se pode dizer
com verdade que passou por este mundo a fazer bem.
Muito inteligente e muito bondoso,
pensando mais nos seus parentes e amigos do que na sua pessoa, a todos fazia
bem.
Para os amigos, era daquela antiga e
tradicional franqueza dos velhos portugueses que não conheciam paredes meias e
não tinham ferrolhos nas portas, quando se tratava de receber pessoas de
amizade.
Muito crente e muito confiante na
Providência de Deus, nada lhe faltou a ale, que ia repartindo sempre do que
tinha.
Pastoreou a igreja de Bagunte por quase
meio século. Aí foi pároco zeloso e cumpridor dos seus deveres.
Foi ferreiro e pedreiro e estatuário e
arboricultor e engenheiro nas horas vagas do seu múnus paroquial.
Como ferreiro, fez por sua mão na forja,
todo gradeamento do cemitério.
Como pedreiro, fez a pia do lavatório na
sacristia e um fontanário que fica ao lado da igreja.
Como estatuário, fez a imagem, e bem
bonita que ela é – de (Santa) Margarida
Alacoque, e trabalhou na do Sagrado Coração de Jesus, que existem na sua igreja
de Bagunte, ao lado da epístola e em altar, no corpo da igreja.
Como arboricultor, plantou um olival, no
largo da igreja. Vimo-lo outro dia quando fomos assistir aos seus funerais.
Há ali muitas dezenas de oliveiras, de
seis ou sete anos de vida, carregadas de flor e prometedoras dum belo futuro.
Como engenheiro, reformou todo esse
monte árido de oliveiras e fez uma calçada de pedra onde existia um lamaçal que
dava caminho para a igreja.
Quando cegou e pediu a sua aposentação,
veio viver para esta vila, onde nós o conhecemos melhor e melhor apreciámos os
quilates daquela alma de ouro.
Completamente cego como estava, há
talvez sete anos, tinha sempre uma conversa agradável e atraente, amenizada de
antigas e tão escolhidas anedotas e ditos que mais éramos nós que o
procurávamos para passar uns bons momentos de cavaco, do que ele, o pobre
ceguinho, que lucrava e se divertia com a nossa companhia.
Nestes termos se foi formando quase um Club de cinco ou seis pés de banco, que assentavam em redor do seu
presidente extinto, do pranteado presidente, o nosso querido velhinho, na Alfaiataria do Álvaro, e, ali, passavam
duas horas de cavaco ameno.
Eu, o mais incompetente do grupo,
encarregado desta triste missão de prantear o que foi nosso presidente, o que
melhor tenho feito com lágrimas doo que faço agora com este ligeiro sentir,
parece-me bem lembrar-lhes que na próxima quinta-feira, 22 do corrente, hei-de
celebrar uma missa por alma do nosso querido presidente, na Misericórdia, pelas
seis e meia horas da manhã, a que espero ninguém falte.
A todas as pessoas amigas respeita o
mesmo convite, sem cartões nem etiqueta.
L. Amorim in O Poveiro, 24.6.1911
João
José da Silva
Abade de Bagunte
Não era padre só, que bem podia
Dizer-se um cumpridor do seu dever;
Era um padre também, que bem sabia
A todos bem amar e bem fazer.
Como pastor, que foi por muitos anos,
De tal modo guardava a sua grei
Que debalde tentava com enganos
Ditar-lhe Satanás a sua lei.
Amigo delicado dos amigos,
Que sofressem qualquer necessidade,
Sem medo de trabalhos ou de p’rigos,
A todos acudia o bom abade.
Para mim, que tive a dita de contá-lo
Entre os amigos meus por principal,
Nunca amigo nenhum, posso jurá-lo,
Encontrei mais sincero e mais leal.
E que sã não era a sua mente!
E que bom que não era o seu conselho!
Que doce que não era, finalmente,
O ver-se a gente sempre a tal espelho!
Espelho tão formoso e tão polido,
De tão soberba traça e qualidade,
Que bem se via logo ser fundido
Nos moldes da virtude e santidade.
Mas tudo tem um fim, e já chegado
Era o dele também. Foi ont’o dia.
E um momento bastou para, alquebrado,
Esse padre cair em agonia.
Té que em pouco morreu!... Mas, hoje, ao
vê-lo
Inerte e frio, desbotada a face,
Não houve ninguém, não, que não chorasse
Esse tipo de padre - esse modelo.
António Martins de Faria
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