Na
imprensa da Póvoa de Varzim de entre 1934 e 1957 publicaram-se vários contos do Natal. Tratava-se dum título genérico: cada conto
em particular poderia ter título próprio, e às vezes tinha.
Inclinamo-nos
a crer que todos estes textos eram da autoria do Pe. Leopoldino, que só assinou
um. Os outros ou saíram sem assinatura ou traziam no lugar dela uma ou duas
iniciais ou um nome que poderia ser pseudónimo. Foram publicados sempre em
jornais a que ele dava colaboração e são muitos os pontos de semelhança entre
eles. É este o mais antigo.
Corria o ano de 190… A vida romântica
tinha perturbado o bem-estar duma família de uma linda vila pela pequena
frequência de banhistas, que tornaram a sua praia de parcos rendimentos.
Aproxima-se o Natal, cuja festa de largas tradições devia ser triste porque em
muitos lares reinava a miséria com todo o cortejo de horrores.
Numa escola de ensino primário andavam a
aprender as primeiras letras duas crianças vizinhas, porque viviam perto, mas
distanciadas, porque uma era rica e outra pobre.
Apesar da classe distinta, os dois
condiscípulos amavam-se reciprocamente e estudavam a lição juntos porque
ocupavam a mesma carteira. Algumas vezes o pobre vinha cheio de fome, a tiritar
de frio e o rico passava-lhe um trigo para matar a fome.
Quando estava a chegar a Noite de Natal,
a criança rica contava ao seu companheiro de estudo a alegria que nessa festa
venturosa reinava na sua família com a vinda dos seus irmãos que frequentavam a
Universidade, dos seus tios que estavam estabelecidos na cidade de Braga, dos
seus primos que regressavam do colégio.
Era, enfim, um dia grande a que não
faltariam variadas iguarias, doces muito finos e até os presentinhos do Menino
Jesus descidos pela chaminé quando todos dormissem. - E na vossa casa o que há
nessa linda noite de ventura e regozijo? - A criança pobre, ruborizando-se o
rosto, fechando os olhos e deixando cair uma lágrima, nada respondeu. Mas o
rico, logo compreendeu que na mansarda do seu amigo não se faria a Ceia de Natal,
porque seus pais, pobres e humildes pescadores, nada tendo ganhado no mar pela
invernia, nada podiam dar aos seus filhos!
Na noite do Natal, na casa do rico, tudo
era alegria e movimento, os filhos que chegavam, os tios que abraçavam, os
primos que cumprimentavam. Tudo era festa, tudo regozijo! Chegada a hora da
ceia, todos se dirigem para a sala do jantar cuja mesa posta apresentava
apetitosas iguarias. Lar cristão, depois de dar graças a Deus, todos começaram
a sua refeição. Em todos os rostos se divisava a alegria, todos comiam com
apetite. Só o mais novinho se conservava triste e abatido, sem comer nem beber.
Os pais, notando-o, perguntaram-lhe a causa do seu mutismo e a criança nada
respondeu. Depois de reiteradas instâncias, o menino, titubeando e lacrimoso,
disse: - Em nossa casa tanta fartura e o filho do pescador não tem nada para
comer, vai-se deitar sem ceia. - Que coração generoso! O pai, sentindo-o,
mandou logo a criada chamar o pobre, sentou-o à beira do seu filho e logo entre
os dois amigos se travou a mais animada conversa. Os dois meninos dormiram
juntos aquela noite e de manhã, tocando a Missa do Galo na capela do Facho,
antes de sair de casa, foram ver o lar e, lá encontrando as prendas, deram
graças ao Menino Deus.
Dirigiram-se com a família para a igreja
que estava feericamente iluminada, o povo crente enchia por completo o grande
templo, o Padre Lindo começa a missa e ao entoar a Glória repicam os sinos,
tocam as campainhas, ouvem-se os pandeiros e ferrinhos e levantado o pano
aparece o Menino assistido de S. José e Nossa Senhora, bafejado pelo boi e pelo
jumento e adorado pelos pastores.
Uma alegria geral se divisa em todos os
rostos e finda a cerimónia religiosa com o beijar da imagem do Menino Jesus,
saiu o povo do recinto sagrado e cá fora, dando as Boas Festas, regressaram a seus lares entoando os lindos cânticos
que escutaram na igreja. Os dois pequeninos eram inseparáveis e comentavam a
seu modo a festa e voltaram ao seu lar a receber as ofertas do Menino do Céu!
Esta amizade das criancinhas deu
conhecimento à família rica da miséria do lar do pescador que ali recebeu a sua
assistência e carinho, desaparecendo da sua mansarda a fome e a nudez. Desta
forma, o Menino Deus mais uma vez trouxe à terra a paz, a alegria e a
fraternidade.
Bendita seja a festa do Natal! K
A
Propaganda,
23/12/1934
É
claro que isto decorre na Póvoa, que o Facho é a Lapa, etc.: é o P.e Leopoldino
que escreve.
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